sábado, novembro 27, 2004

REGRESSO AO PASSADO

Muitas vezes, no cinema e noutros domínios artísticos, a melhor forma de surpreender não nasce tanto da inovação mas antes da recuperação de marcas do passado, devidamente contextualizadas e adaptadas ao presente. "Sky Captain e o Mundo de Amanhã" (Sky Captain and the World of Tomorrow), embora inove em alguns aspectos - essencialmente nos visuais - assenta muito num tipo de cinema cuja fase áurea ocorreu nos anos 30 e que raramente encontra sucedâneos nos dias de hoje (pelo menos de forma tão óbvia e decalcada).

A narrativa do primeiro filme de Kerry Conran situa-se na Nova Iorque dos anos 30, não propriamente na do nosso mundo, mas na de um universo mais fantasioso, ingénuo e cartoonish. Um universo onde robôs gigantescos podem invadir cidades de forma abrupta, mas onde há também a esperança da salvação devido à coragem de intrépidos heróis.

As influências da película são as mais diversas - o tom despretensioso da série-B, o carácter lúdico dos comics norte-americanos, as atmosferas nostálgicas do cinema de aventura/ficção científica dos anos 30 - e remetem para um período mais cândido, embora algo maniqueísta e mesmo simplista à luz do que se faz hoje.

"Sky Captain e o Mundo de Amanhã" exibe traços do cinema clássico mas possui também a sofisticação das mais avançadas tecnologias digitais, aqui utilizadas para a criação dos impressionantes cenários artificiais (gerados através do blue screen, que possibilita a construção de espaços virtuais). Esta revisita do passado com tecnologias modernas torna o filme numa curiosa aventura retro-futurista, uma experiência invulgar num contexto de blockbusters formatados e pouco entusiasmantes. Kerry Conran oferece uma interessante componente visual nesta sua primeira obra, mas o argumento não exibe, infelizmente, tanta solidez e criatividade, desenrolando-se de forma demasiado previsível e convencional.

A linearidade da narrativa funciona, no entanto, como uma forma de homenagear algumas das obras da era dourada de Hollywood (que também apresentavam um ritmo escorreito e reduzida densidade emocional), às quais "Sky Captain e o Mundo de Amanhã" retira inspiração. As personagens seguem igualmente esses traços, desde o altruísta e audacioso Sky Captain (Jude Law, numa interpretação convincente) à curiosa e insinuante jornalista Polly Perkins (Gwyneth Paltrow, que incorpora mais uma loura fria e distante), passando pela muito breve participação de Franky Cook (Angelina Jolie, no papel de uma provocante e corajosa agente especial). O trio pode ser acusado de unidimensionalidade, mas o recurso ao estereótipo é intencional - e até justificável - numa obra desta índole.

"Sky Captain e o Mundo de Amanhã", com tanto de imaginativo como de banal, consegue acrescentar algum fôlego ao estafado cinema de aventuras, apresentando uma apelativa dimensão visual numa experiência cinematográfica que combina eficazmente acção, ficção científica, romance e humor (com piscadelas de olho às comédias screwball na divertida relação agridoce das personagens de Jude Law e Gwyneth Paltrow).

Um entretenimento competente, a espaços prodigioso, na linha das aventuras infanto-juvenis capazes de agradar a um público dos 7 aos 77. E talvez marque o início da saga de um novo herói (sem superpoderes) a adicionar à galeria onde se encontram James Bond, Indiana Jones e outros nomes míticos da cultura popular recente.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

2 comentários:

O Puto disse...

Gostei do filme, com todo o artificialismo e referências a cinema de outro tempo (lembro-me de "Metropolis", da "Guerra dos Mundos" ou até "Kig Kong") e à BD. Um bom exemplo da aplicação dos efeitos especiais e técnicas computorizadas.

gonn1000 disse...

Sim, no meio de tantos blockbusters pouco ou nada imaginativos é um exemplo a ver, mesmo não sendo perfeito.