"Sapatos Pretos" ou "Ganhar a Vida" já tinham comprovado a singularidade de João Canijo no panorama do cinema português actual, e o título mais recente do realizador, "Noite Escura", volta a confirmar os méritos do cineasta, impondo-se como um dos melhores filmes nacionais dos últimos anos.
Inspirado na tragédia grega "Ifigénia em Áulis", de Eurípedes, "Noite Escura" apresenta um visceral drama familiar centrado em tensos ambientes nocturnos. A tragédia propaga-se por todos os recantos do bar de alterne onde decorre o filme, interligando as vidas dos quatro elementos da família que gere aquele espaço.
Nelson (Fernando Luís), o proprietário, vê-se forçado a entregar a filha mais nova, Sónia (Cleia Almeida) à máfia russa, de forma a reparar uma dívida e reduzir alguma da inquietação e temor que contamina a sua vida. Esta decisão desperta um ciclo de acontecimentos cada vez mais claustrofóbicos e carregados de tensão, uma vez que Celeste (Rita Blanco), a mãe, e Carla (Beatriz Batarda), a filha mais velha, tentam a todo o custo evitar que a sua família seja estilhaçada.
Canijo retrata esta inevitável espiral descendente - embora a família tente contrariar o destino - com assinalável intensidade e fulgor, construindo personagens densas envoltas em atmosferas convincentes e perturbantes. A câmara segue de perto os protagonistas, denunciando os seus movimentos e expondo as suas vulnerabilidades, com um muito eficaz trabalho de realização a conseguir traduzir a agitação e carga sufocante que se propaga pela casa de alterne.
A frequente mistura de conversas paralelas deixa transparecer a atmosfera nebulosa que invade aquele espaço, e o rigoroso e sedutor cuidado na iluminação, com fortes contrastes de verdes e vermelhos, gera uma hipnótica efervescência visual, perfeitamente adequada.
Para além de um ambiente de cortar à faca, "Noite Escura" tem ainda a seu favor uma boa direcção de actores, dispondo de um elenco competente e capaz de dar alma às personagens (algo que, infelizmente, nem sempre ocorre no cinema português). Beatriz Batarda e Rita Blanco são particularmente soberbas, compondo duas figuras marcantes e surpreendentes que terão um papel decisivo no portentoso desenlace.
Com uma profícua combinação de ingredientes, "Noite Escura" é uma das boas surpresas cinematográficas de 2004 e um dos mais sólidos filmes portugueses dos últimos tempos. Um memorável murro no estômago e um sinal de vitalidade para o cinema nacional.
E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM
4 comentários:
Por acaso estou curioso por ver este filme... ainda não tive oportunidade, mas assim que tiver não me escapa...
Acho que vais gostar, tendo em conta as referências que costumo ver no teu blog :)
um óptimo filme :)
becksfan
Sim, não é pior (pelo contrário) do que muitos que chegam todas as semanas do estrangeiro...
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