Embora tenha já uma considerável experiência enquanto argumentista, produtor e realizador televisivo, Paul Haggis só adquiriu maior visibilidade através da escrita do argumento de "Million Dollar Baby - Sonhos Vencidos", o muito aclamado (e sobrevalorizado) filme e Clint Eastwood.
Os trabalhos anteriores de Haggis, no entanto, nem sempre foram alvo de elogios - a sua colaboração na série televisiva "Walker: o Ranger do Texas" não é propriamente um sinal de credibilidade -, por isso era difícil prever se "Colisão" (Crash), a sua estreia na realização de longas-metragens, seria uma obra inspirada ou um desfile de clichés.
Felizmente, o filme não só é convincente como figura, desde já, entre os títulos cinematográficos fulcrais de 2005.
Explorando as interligações de uma extensa galeria de personagens situadas em Los Angeles, "Colisão" é um forte e sensível olhar sobre as vicissitudes das relações humanas e o que nos separa e aproxima uns dos outros.
Abordando com especial ênfase a temática da xenofobia, o filme aposta num elenco multicultural para evidenciar o melting pot de um ambiente urbano onde o ritmo do dia-a-dia é cada vez mais inquietante e acelerado, reflectindo-se nas (progressivamente conturbadas) relações pessoais.
Haggins envereda por um retrato complexo e abrangente, evitando caracterizações simplistas e mensagens edificantes e moralistas, concedendo ambiguidade às personagens sem nunca as julgar nem as tratar como símbolos de uma qualquer etnia ou ideologia.
A soberba direcção de actores é decisiva para que a densidade dramática do filme resulte, e nesse sentido "Colisão" oferece um dos elencos mais coesos do ano.
Entre estrelas mediáticas como Sandra Bullock (num dos seus papéis mais interessantes), Matt Dillon (que encarna aqui um intrigante polícia), Brendan Fraser (que mais uma vez comprova ser um actor a ter em conta) ou Don Cheadle (seguro como sempre), passando por nomes promissores como Ryan Phillipe (encarnando um jovem que aprende a não ver o mundo a preto-e-branco) ou Larenz Tate e o cantor Ludacris (numa dupla de delinquentes), o filme contém uma série de presenças que compõem personagens credíveis e absorventes.
Se o contributo dos actores é um dos pontos fortes de "Colisão", este nem sempre é bem aproveitado, uma vez que há algumas personagens cujo potencial fica algo inexplorado. Haggis poderia, por isso, ter estendido um pouco mais a duração do filme, de forma a que o desenvolvimento das personagens fosse ainda mais conseguido.
Apesar dessa pequena limitação, esta é ainda uma obra bem acima da média, atestando o talento de Haggis não só na criação de argumentos mas também na realização. Apresentando uma sólida gestão do ritmo, com uma eficaz interligação dos múltiplos episódios de um quotidiano em ebulição, o realizador proporciona ainda uma envolvente energia visual, pois a sua perspectiva de uma LA nocturna é tão entusiasmante como a que Michael Mann efectua em "Colateral" (com uma banda-sonora e fotografia notáveis).
Partindo de um início não muito original - um acidente de viação que serve de ponto de partida para que as personagens se entrecruzem, algo que "Amor Cão", de Alejandro Gonzalez Iñarritu, ou "Crash", de David Cronenberg já desenvolveram -, "Colisão" torna-se numa película surpreendente, cativando devido à combinação de vinhetas geralmente cruas e realistas que conseguem despoletar momentos de um intenso impacto emocional sem recorrerem a fórmulas melodramáticas e rodriguinhos fáceis.
Duro mas também emotivo, "Colisão" é um brilhante filme-mosaico, uma equilibrada estreia na realização de um cineasta/argumentista que se distingue aqui como um dos nomes mais promissores do actual cinema norte-americano. Se desse mais tempo e espaço para as suas personagens se revelarem na sua plenitude, "Colisão" poderia ascender ao estatuto de obra-prima. Assim, é "apenas" muito bom, e um dos títulos obrigatórios de 2005. Imperdível.
E O VEREDICTO É: 4/5 - MUITO BOM