Bill Condon já tinha trabalhado nos domínios do biopic em "Deuses e Monstros" (Gods and Monsters), um olhar sobre James Whale, o realizador de "Frankenstein", e a sua abordagem convenceu ao fugir a alguns dos convencionalismos do rotineiro filme biográfico. Com "Relatório Kinsey" (Kinsey), o cineasta foca agora um dos mais controversos e marcantes nomes da investigação sexual, Alfred Charles Kinsey, que se debruçou sobre os hábitos, tendências e práticas sexuais da população norte-americana nas décadas de 40/50.
Condon proporciona uma absorvente perspectiva sobre o percurso pessoal e profissional do protagonista, caracterizando-o com os traços de complexidade e ambivalência que uma análise profunda e rigorosa exige (contemplando a sua estrutura familiar e vida conjugal, assim como as suas motivações, dúvidas e medos). Essencial para o projecto é a interpretação de um actor de inegáveis méritos como Liam Neeson, capaz de encarnar tanto a obstinação como a vulnerabilidade da personagem principal, mantendo sempre uma postura algo fria e obsessiva de um homem dedicado ao seu estudo.
Laura Linney, no papel da esposa de Kinsey, é igualmente subtil, confirmando-se como uma das mais versáteis actrizes norte-americanas da actualidade (justamente nomeada para o Óscar de Melhor Actriz Secundária por este desempenho).
Condon provou ser um óptimo director de actores em "Deuses e Monstros" - que tinha Ian McKellen e um surpreendente Brendan Fraser como dupla protagonista - e em "Relatório Kinsey" esse aspecto continua a manifestar-se não só nos nomes principais mas também no profissional elenco de secundários (Chris O`Donnell, Timothy Hutton e, sobretudo, Peter Sarsgaard, com mais uma soberba interpretação, tão intrigante como as de "Shattered Glass - Verdade ou Mentira" ou "Garden State").
Para além de um notável núcleo de actores, "Relatório Kinsey" sustenta-se num sólido e entusiasmante argumento, que se afasta da lógica de (tele)filme biográfico e não se limita a ilustrar a vida do protagonista como uma mecânica sequência de acontecimentos centrados em personagens unidimensionais. Embora exiba alguma linearidade a espaços, "Relatório Kinsey" mantém sempre uma visão atenta da complexidade das relações humanas e não rejeita exibir as zonas de sombra e de inquietação do protagonista.
Poder-se-á acusar Condon de adoptar um tom demasiado edificante, mais evidente na recta final do filme - como na cena em que uma mulher de meia idade encara Kinsey como um "salvador" -, mas mesmo assim o cineasta não rejeita o contraditório (as fragilidades das investigações, particularmente a abordagem excessivamente baseada em números e que não contemplava tanto a esfera emocional/afectiva dos indivíduos analisados).
Pertinente e estimulante, "Relatório Kinsey" oferece um interessante retrato de um homem e de uma época, centrando-se numa temática que ainda hoje despoleta as mais diversas discussões, teorias, juízos de valor e reacções: o sexo. Com o seu filme, Bill Condon relembra-nos, de uma forma sóbria e astuta, alguns dos elementos que possibilitaram que esse assunto se tornasse cada vez mais discutido e analisado - para o bem e para o mal -, tornando "Relatório Kinsey" num recomendável biopic acima da média.
E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM
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