sexta-feira, junho 16, 2006

O SUBÚRBIO É UM LUGAR ESTRANHO

Se o cinema independente norte-americano tem oferecido algumas das mais criativas obras da sétima arte dos últimos anos, por outro lado também tem proporcionado títulos que pouco mais fazem do que compilar, de forma algo impessoal, uma série de códigos e traços identitários que se foram gerando dentro desses domínios.

“Os Amigos de Dean” (The Chumscrubber), primeira longa-metragem de Arie Posin, está algures entre esses dois extremos, uma vez que apesar de sequências inventivas e várias boas ideias acaba por não acrescentar muito a quem já tenha visto películas como “Donnie Darko”, de Richard Kelly, ou “Beleza Americana”, de Sam Mendes, duas referências próximas.
Tal já ocorria com o também recente “Chupa no Dedo”, de Mike Mills, que raramente era capaz de afirmar um espaço próprio, e cujo título original, “Thumbsucker”, é facilmente associável ao de “Os Amigos de Dean”.

Mais uma perspectiva sobre os subúrbios e o carácter falacioso das aparências dos seus habitantes, o filme tem como mote o suicídio de um adolescente, Troy, e as ramificações que esta morte despoleta entre os colegas, familiares e vizinhos deste.
Dean é o primeiro a ter conhecimento do trágico destino do amigo, mas mal consegue lidar com os seus sentimentos quando os pais são incapazes de fazer mais do que recomendar-lhe medicamentos contra a depressão e as reacções dos seus colegas à notícia variam entre a indiferença e o escárnio.
Três destes fazem chantagem com o protagonista de forma a recuperar doses consideráveis de drogas que Troy tinha escondidas e que só Dean sabe onde se encontram, mas aquilo que começa como uma aparente brincadeira acaba por adoptar contornos mais sérios e preocupantes (aproximando-se de “Uma Pequena Vingança”, de Jacob Aaron Estes, ou “Bully – Estranhas Amizades”, de Larry Clark).

Ao longo deste jogo de equívocos e pressões, Arie Posin oferece um olhar sobre as relações familiares, as normas sociais, a solidão e o crescimento, tendo como palco um subúrbio aparentemente normal mas que se revela um tenso micro-universo.
A espaços intrigante, noutros momentos inconsequente, “Os Amigos de Dean” sofre da sua frágil combinação de drama realista com comédia de costumes hiperbólica. Se há por aqui algumas personagens complexas, outras não vão além da caricatura, que se destinam apenas a ser alvo de sátira ao consumismo, narcisismo ou alienação.

Actores como Ralph Fiennes, Rita Wilson e Carrie-Anne Moss mereciam papéis mais trabalhados, mas em contrapartida os jovens Jamie Bell (seis anos depois de “Billy Elliot”) e Camilla Belle (a filha de Daniel Day-Lewis em “A Balada de Jack e Rose”) confirmam o seu talento interpretativo com personagens mais desenvolvidas e entusiasmantes.
O desempenho de Jamie Bell é provavelmente o melhor do filme, sendo capaz de tornar o protagonista na personagem mais sensível e afastando-se dos tiques de jovem introspectivo e marginal que poderiam debilitá-la.
Glenn Close, entre os nomes veteranos, merece igualmente destaque, tornando-se comovente ao encarnar uma mãe cuja perda do filho a lançou num (ou evidenciou o seu) limbo existencial.

Para além do elenco, “Os Amigos de Dean” tem na banda-sonora outro dos seus atractivos, tanto pelas canções de bandas como os Snow Patrol, The Like e Placebo (“A friend in need is a friend indeed/ A friend with weed is better”, versos da canção “Pure Morning”, não poderiam ser mais apropriados), como pela expressiva partitura instrumental de James Horner, que acompanha alguns dos picos dramáticos da acção, como o sublime segmento que segue a solidão de várias personagens e que culmina na cena em que Jamie Bell observa Glenn Close no jardim.

Com um argumento menos indeciso quanto ao tom a adoptar e algumas personagens melhor delineadas, “Os Amigos de Dean” poderia ser uma soberba estreia por parte de Arie Posin e candidato a clássico indie. Assim, fica-se por uma muito interessante primeira obra, mas também frustrante por não consumar o brilhantismo que se manifesta pontualmente. Um bom começo e um título estimável, de qualquer forma.

E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

14 comentários:

Anónimo disse...

Realmente o título lembra o Thumbsucker mas ñ me pareceu tão mau como esse!
Gostei do tom de sátira mto ácido do filme, mas creio que podia ir ainda mais longe...
Discordo numa coisa: qto a mim o Ralph Fiennes consegue estar melhor q a Glenn Close...
Qto à OST, de facto esses versos da «Pure Morning» são bem apropriados :P

Eu vi-o ontem, devo postar brevemente tb...

gonn1000 disse...

Preferi a vertente dramática à satírica, há momentos demasiado exagerados que retiram algum impacto emocional ao todo. E sim, também acho que é superior a "Thumbsucker".

Anónimo disse...

é filme curioso, com situações bizarras q.b. mas falta a experiência do realizador para passar do bom para o muito bom, mas é sem dúvida um filme a ver...

gonn1000 disse...

Sim, experiência ainda não tem muita, mas dá provas de talento.

Anónimo disse...

e esqueceste dos rooney ou phatom planet....

umas das coisas das quais os filmes indie se podem gabar é das bandas sonoras, excelentes...

gonn1000 disse...

Não me esqueci, só não os referi porque não os conheço, apesar de constarem do alinhamento da banda-sonora.

Anónimo disse...

então fica a sugestão para os ouvires ;-)

gonn1000 disse...

Ok, mais uns a adicionar à sempre crescente lista :)

Anónimo disse...

Hum...superior a "Thumbsucker"? Então tenho que ver isto :)!

Abraço

gonn1000 disse...

Eu achei que sim, e se polisse umas arestas teríamos aqui um grande filme. Fica bem :)

Anónimo disse...

vou passar ao lado...

gonn1000 disse...

Fazes mal, fazes mal... :P

Anónimo disse...

lol, vi.o hj. 4/5 :D

gonn1000 disse...

Não discordamos muito, então.