domingo, outubro 16, 2005

COLISÃO

Através de filmes como “Comment je me suis disputé… (ma vie sexuelle)” ou “Esther Kahn”, Arnaud Desplechin tem consolidado um elogiado percurso, impondo-se como um dos interessantes nomes do novo cinema francês.
“Reis e Rainha (Rois et Reine), o seu título mais recente, confirma-o enquanto autor meritório, pois embora sendo uma película desequilibrada contém atributos suficientes que a tornam numa obra a ter em conta.

Apresentando duas histórias em paralelo, o filme segue Nora, cuja rotina de trabalho passada numa galeria de arte será interrompida pelo estado de saúde cada vez mais débil do seu pai, doente em fase terminal; e Ismael, que devido a um estilo de vida desregrado é internado, a pedido de terceiros, num hospital psiquiátrico.
Partindo destas duas situações, aparentemente desconexas, “Reis e Rainha” tece uma complexa teia de eventos, personagens e memórias, cujas esferas se relacionam, de forma mais ou menos demarcada, com a morte, a insanidade, a dissolução familiar, o amor ou a solidão.

Desplechin proporciona aqui uma atípica experiência cinematográfica, um excessivo puzzle onde a comédia e o drama se entrelaçam mas cuja fusão nem sempre é bem conseguida, pois a lógica espartana de “Reis e Rainha” tanto proporciona estimáveis cenas de antologia como sequências de relevância duvidosa.

O que permanece sempre seguro no filme são as competentíssimas interpretações dos actores, em especial as dos dois protagonistas: Emmanuelle Devos e Mathieu Amalric, a primeira seduzindo pelo estranho misto de vulnerabilidade e obstinação e o segundo pela irresistível irreverência que emana constantemente (percebe-se porque foi premiado com o César de Melhor Actor em 2004).

Intercalando realismo com ocasionais episódios oníricos, Desplechin gera um intenso olhar sobre peripécias do quotidiano urbano, salientando a falta de comunicação e a efemeridade das relações e atirando as suas personagens para uma espiral de dúvidas, imprevistos e inquietações.

Muitas vezes cruel, dilacerando os protagonistas através de um considerável humor negro, noutros casos emotivo e cativante, com momentos de um forte impacto emocional (como no comovente epílogo) “Reis e Rainha” é um filme esquizofrénico e imprevisível, o que é simultaneamente uma vantagem e uma limitação.

Tragicomédia com personagens à beira do limite, cortadas por uma crescente dilaceração emocional onde as situações parecem piorar a cada instante, a película descoordena o espectador, obrigando-o a reconsiderar certas características dos protagonistas e dos secundários devido à intersecção temporal (os flashbacks abundam) e narrativa (com duas histórias que, aos poucos, revelam ligações).

Os resultados nem sempre estão à altura da ousadia do filme (sobretudo algumas cenas de humor, condimentadas por um burlesco e nonsense desequilibrados), mas Desplechin consegue fazer com que as duas horas e meia de filme não se tornem cansativas, mesmo com alguma palha narrativa que poderia ter sido cortada.

Ambivalente e desigual, “Reis e Rainha” não é um filme fácil e contém contrastes abruptos que não o tornarão numa obra para todos os gostos, mas é também um vibrante e a espaços muito inventivo estudo de personagens que não tem medo de mergulhar, para o bem e para o mal, no âmago destas. Nem todos os filmes se podem orgulhar disso…
E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

8 comentários:

brain-mixer disse...

Olha lá Gonçalo, és francês ou descendente deles, ou apenas ADORAS cinema francês? É que falas em todos eles ;) LOL

gonn1000 disse...

LOL Não, não sou francês nem descendente, nem ADORO cinema francês, mas tento acompanhar e gosto de algumas coisas...

Spaceboy disse...

Fiquei curiosidade em ver o filme. Por acaso noto que eu raramente vejo cinema francês, não por não gostar, mas há uma menor oferta deste tipo de filmes, infelizmente.

gonn1000 disse...

É verdade, ainda não estão muito implementados entre nós, mas ultimamente têm estado cada vez mais presentes em salas nacionais.

João M disse...

Gosto destes dois actores, a Emmanuelle Devos e o Mathieu Amalric.
O cinema francês, pelo menos em Lisboa, não está assim tão mal implementado. Por exemplo, acho que estreiam mais filmes franceses do que filmes vindos do UK.

gonn1000 disse...

Do que do UK provavelmente, mas comparando com os EUA a diferença é óbvia. Mas os States não têm actrizes como a Valeria Bruni-Tedeschi, não é? ;P

susana disse...

Tal como o spaceboy, eu também raramente vejo filmes franceses, não por não gostar, mas por ter muita dificuldade em arranjar alguém para os ir ver!no geral as pessoas acham os filmes franceses enfadonhos!

gonn1000 disse...

Pois, eu percebo, mas também se estivesse à espera de arranjar sempre pessoas para os ir ver não via metade dos que vejo lol