Um dos temas recorrentes de parte do cinema português dos últimos anos é o do passado recente do país, em particular questões relacionadas com o antigo regime, exploradas em títulos como "Inferno" ou "20,13", de Joaquim Leitão; "Os Imortais", de António-Pedro Vasconcelos; "Capitães de Abril", de Maria de Medeiros; ou "Preto e Branco", de José Carlos de Oliveira, entre outros.
"Julgamento", de Leonel Vieira, também volta a mexer em algumas feridas eventualmente por sarar, uma vez que no centro dos acontecimentos estão reminiscências de torturas efectuadas pela PIDE a alguns dos protagonistas, obrigando-os a lidar com fantasmas de uma outra época que regressam através de um reencontro inesperado.
Ao assistir a um julgamento em que a sua filha participa como advogada de defesa, Jaime, um professor universitário de meia idade, reconhece no arguido traços de um agente da PIDE que o torturou nos seus tempos de jovem antifascista, e que terá sido um dos responsáveis pela morte de Marcelino, um dos seus melhores amigos.
Ao assistir a um julgamento em que a sua filha participa como advogada de defesa, Jaime, um professor universitário de meia idade, reconhece no arguido traços de um agente da PIDE que o torturou nos seus tempos de jovem antifascista, e que terá sido um dos responsáveis pela morte de Marcelino, um dos seus melhores amigos.
A revolta que acumulou ao longo dos anos encoraja-o a procurar respostas e a fazer justiça pelos seus próprios meios, e assim rapta o suposto ex-agente e leva-o para a sua casa de campo, onde as regras do jogo são agora ditadas por si. Esse confronto torna-se ainda mais conturbado quando a filha de Marcelino, com quem mantém uma relação, e dois amigos de longa data também alvo da acção da PIDE, acabam por ter conhecimento do rapto e reagem de modo díspar e hesitante, gerando um problema legal e moral de difícil resolução.
Desdobrando-se entre o thriller e o drama, "Julgamento" confirma o eclectismo estilístico de Leonel Vieira, que aqui apresenta um filme nos antípodas da comédia de "A Bomba", do romance de "A Selva" ou do olhar sobre a juventude urbana de "Zona J".
De tom menos ligeiro do que alguns desses títulos, mergulha num retrato geracional de forma mais densa e madura do que se esperaria, evitando as tentações de algum cinema assumidamente comercial que se faz por cá - não há por aqui overdoses de cenas de sexo gratuitas, linguagem censurável ou violência despropositada.
Desdobrando-se entre o thriller e o drama, "Julgamento" confirma o eclectismo estilístico de Leonel Vieira, que aqui apresenta um filme nos antípodas da comédia de "A Bomba", do romance de "A Selva" ou do olhar sobre a juventude urbana de "Zona J".
De tom menos ligeiro do que alguns desses títulos, mergulha num retrato geracional de forma mais densa e madura do que se esperaria, evitando as tentações de algum cinema assumidamente comercial que se faz por cá - não há por aqui overdoses de cenas de sexo gratuitas, linguagem censurável ou violência despropositada.
Tecnicamente, Vieira mantém a eficácia pela qual já se havia distinguido, apostando numa realização fluída e dinâmica, mas não epiléptica, num apurado trabalho de fotografia e iluminação e numa banda-sonora capaz de sugerir tensão sem resvalar para picos dramáticos insuflados.
O argumento exibe algumas semelhanças com o de "A Noite da Vingança", de Roman Polanski, que também era marcado por fortes contornos políticos (nomeadamente ditatoriais), onde uma vítima raptava o seu suposto torturador, ainda que "Julgamento" esteja longe de ser um exercício copista, conseguindo definir personagens e ambientes próprios.
Por vezes o debate interno do protagonista é previsível e o de algumas das outras personagens fica por explorar com um grau de complexidade mais acentuado, mas o filme está uns degraus acima de um mero objecto panfletário pronto a despertar consciências, contando com figuras adequadamente ambíguas e credíveis. Também era difícil não o fazer tendo em conta o elenco, sem dúvida um dos mais consistentes vistos numa película portuguesa nos últimos tempos, que concentra uma galeria de veteranos como Júlio César, José Eduardo, Carlos Santos e Henrique Viana, este no seu último papel.
O argumento exibe algumas semelhanças com o de "A Noite da Vingança", de Roman Polanski, que também era marcado por fortes contornos políticos (nomeadamente ditatoriais), onde uma vítima raptava o seu suposto torturador, ainda que "Julgamento" esteja longe de ser um exercício copista, conseguindo definir personagens e ambientes próprios.
Por vezes o debate interno do protagonista é previsível e o de algumas das outras personagens fica por explorar com um grau de complexidade mais acentuado, mas o filme está uns degraus acima de um mero objecto panfletário pronto a despertar consciências, contando com figuras adequadamente ambíguas e credíveis. Também era difícil não o fazer tendo em conta o elenco, sem dúvida um dos mais consistentes vistos numa película portuguesa nos últimos tempos, que concentra uma galeria de veteranos como Júlio César, José Eduardo, Carlos Santos e Henrique Viana, este no seu último papel.
Todos oferecem fortes interpretações, embora Júlio César talvez seja o que mais impressione uma vez que a sua personagem, a protagonista, é a que permite maior versatilidade. Alexandra Lencastre confirma as sólidas impressões que os seus últimos trabalhos têm reforçado, sobretudo os que fez com Fernando Lopes ("O Delfim", "Lá Fora"), e Fernanda Serrano não compromete num papel que poderia ter mais relevo.
"Julgamento" poderá não ser ainda o filme que levará a que Leonel Vieira seja considerado um "autor" pelos seus detractores, mas é um digno exemplo de cinema que tem em vista o grande público sem prescindir de uma abordagem inteligente às questões que foca, servindo-a com uma profissionalíssima embalagem industrial. Caso raro tanto em filmes portugueses como estrangeiros, e que por isso mesmo impõe que este seja saudado, visto e divulgado.
"Julgamento" poderá não ser ainda o filme que levará a que Leonel Vieira seja considerado um "autor" pelos seus detractores, mas é um digno exemplo de cinema que tem em vista o grande público sem prescindir de uma abordagem inteligente às questões que foca, servindo-a com uma profissionalíssima embalagem industrial. Caso raro tanto em filmes portugueses como estrangeiros, e que por isso mesmo impõe que este seja saudado, visto e divulgado.
E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM
6 comentários:
«[...]uma vez que no centro dos acontecimentos estão reminiscências de torturas efectuadas pela PIDE[...]»
Deviamos oferecer um bilhete ao Jaime Nogueira Pinto.
Não sou grande fã do Leonel Vieira e enerva-me um bocado esta mania com a guerra colonial, mas o senhor tem alguns títulos bem interessantes no currículo - adorei o Mustang e o terrivelmente injustiçado A Bomba (cujo título inspirou um dos mais brilhantes blogues de cinema portugueses).
Sim, a guerra colonial tem sido um tema demasiado recorrente, mas ainda não tinha visto nenhum filme com este tipo de abordagem. Não inventa a roda, longe disso, mas merece ser visto.
Alexandra Lencastre... quero ver!
Não deverás sair desiludido, ela vai bem.
Vou ver este filme. Já que este é um post sobre cinema português, gostava de saber se viste o Corrupção, o que achaste, etc. A não ser que seja assunto tabu:-)
Vai, se não concordares comigo aceitam-se reclamações :)
O "Corrupção" não é assunto tabu por aqui, mas não tenciono pagar para o ver, até porque a "obra" em que se baseia não me interessa e não gostei dos filmes que vi do João Botelho (e se este é a versão de um produtor e deu no que deu, ainda pior).
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