sábado, novembro 24, 2007

POR FAVOR NÃO ME DEVOREM O PESCOÇO

Com o filão dos super-heróis quase esgotado, Hollywood tem investido ultimamente em adaptações da BD norte-americana de outros contornos, direccionando-se para graphic novels dos mais diversos estilos - como pode comprovar-se pela transposição de "300", "Stardust" ou "Sin City" para o grande ecrã. "30 Dias de Escuridão" (30 Days of Night) é um dos exemplos mais recentes, inspirando-se nas pranchas de Steve Niles e Ben Templesmith para criar um filme vincado pelo suspense e algum terror, ou não contasse com a presença de temíveis vampiros.

A premissa é excelente, focando a invasão de uma pequena localidade do Alaska por um grupo de sugadores de sangue durante 30 dias em que nunca se vê a luz do Sol. O cenário frio, hostil e sobretudo nocturno é o ideal para que o grupo de vampiros consiga fazer um banquete duradouro, e o realizador de David Slade - o mesmo do muito promissor "Hard Candy" - é hábil na confecção de atmosferas com tanto de inquietante como de absorvente.

A tradição dos vampiros no cinema vem já desde longe, mas até agora nenhum tinha tido algumas das ideias que "30 Dias de Escuridão" apresenta, desde o peculiar espaço em que acção decorre até à própria caracterização dos descendentes de Nosferatu, que poucas vezes terão sido retratados de forma tão crua, primitiva e arrepiante, sendo aqui pouco mais do que criaturas predadoras desprovidas de qualquer tipo de romantismo.

A realização de Slade não desaponta e mantém a hipnótica energia visual que já era um dos trunfos de "Hard Candy", propiciando belíssimos contrastes entre o sangue e a neve, e o realizador imprime um ritmo eficaz, por vezes vertiginoso, que mantém o suspense ao longo das quase duas horas de duração.

Este evidente savoir faire compensa alguns aspectos menos conseguidos, sendo o mais flagrante a do desenvolvimento das personagens, quase todas carne para canhão - ou pescoço para dentição - e não tanto figuras que surtam especial empatia.
Josh Hartnett, o protagonista, será das raras excepções, muito por culpa de um underacting carismático, e através da conturbada relação com a personagem de Melissa George fornece a âncora emocional do filme. Ben Foster oferece também, como habitual, uma interpretação segura, ainda que a sua personagem tenha uma relevância quase nula para o argumento, e Danny Huston sai-se bem como o arrepiante líder dos vampiros, mesmo tendo um papel sem grandes possibilidades dramáticas.

Outro elemento que compromete o brilhantismo de "30 Dias de Escuridão" é o facto da passagem do tempo não ser apresentada de modo convincente, pois apesar das legendas anunciarem a sucessão dos 30 dias, as atitudes - e mesmo o aspecto - das personagens leva a crer que decorreram apenas algumas horas ao longo do filme.

Mesmo assim, esta é ainda uma experiência cinematográfica meritória, que se não redefine o género - como a premissa poderia sugerir - também não o envergonha, apresentando muitas sequências certeiras e envolventes, dominadas por explosões de cor e tensão. Slade aposta, e bem, numa narrativa directa e escorreita, com uma eficácia de série-B - não por acaso, a sombra de Carpenter, e de "The Thing" em particular, nota-se em algumas cenas -, e serve aqui uma refeição recomendável para apreciadores destas iguarias. Quem tiver estômagos mais sensíveis deve, contudo, optar por menus mais ligeiros.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

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