segunda-feira, novembro 05, 2007

FESTIVAL DE INTERPRETAÇÕES NUM DRAMA SÓBRIO

"Ao Anoitecer" (Evening) chega às salas discretamente mas tem desde logo um forte factor de interesse, o impressionante elenco, praticamente um "quem é quem" de algumas das melhores actrizes de hoje, divididas por várias gerações. Não são muitos os filmes que podem orgulhar-se de reunir Claire Danes, Meryl Streep, Glenn Close, Toni Collette, Miranda Richardson ou Vanessa Redgrave, mas se por um lado Lajos Koltai consegue juntá-las no mesmo projecto fica também sujeito às expectativas que muitos poderão depositar numa obra que envolve tamanho talento interpretativo.

Felizmente, o realizador húngaro não desaponta e, mesmo não gerando aqui uma experiência cinematográfica insuperável, é capaz de apresentar um filme interessante, onde o resultado final não fica ofuscado pelos nomes do elenco e permite identificar aqui outros elementos meritórios.

Adaptado do livro homónimo de Susan Minot, "Ao Anoitecer" teve um argumento que contou com a colaboração da escritora e de Michael Cunningham (autor de "As Horas" ou "Uma Casa no Fim do Mundo", também já transpostos para cinema), e do trabalho da dupla saiu um drama intimista e complexo, que funciona como um envolvente estudo de personagens.

O filme parte do estado actual de Ann, uma mulher de idade avançada que se encontra acamada, vítima de cancro, enquanto é tratada pelas duas filhas e lhes revela, num estado entre o sono e a vigília, nomes de pessoas da sua juventude que elas não reconhecem. O espectador, no entanto, fica a conhecê-las através de constantes flashbacks rumo aos anos cinquenta, em particular à breve estadia de Ann em casa de uma amiga da classe alta britânica prestes a casar, e que aí acaba por ser um dos vértices de um inesperado triângulo (aliás, quadrado) amoroso.


Aos poucos, "Ao Anoitecer" vai revelando acontecimentos fulcrais passados nesses tempos que influenciaram toda a vida da protagonista, e que são recordados por ela, num misto de entusiasmo e frustração, à medida que a morte se insurge como destino cada vez mais próximo. É, de resto, na sua juventude que se alicerça grande parte da acção do filme, regressando pontualmente ao presente para seguir as inquietações das suas filhas.
Tanto num cenário como noutro há espaço para várias personagens, o que não há muito é tempo para algumas, já que ao longo das suas duas horas a película opta por desenvolver com mais profundidade a protagonista e mais duas ou três figuras, deixando outras entregues às necessidades do argumento.

Não é que "Ao Anoitecer" não tenha uma série de cenas com densidade emocional, pelo contrário, o problema é que da soma destas não resulta um todo muito coeso, ou pelo menos não tanto para o tornar num filme de excepção.
Tecnicamente, Lajos Koltai oferece um trabalho sem reparos, uma vez que a sua realização é leve e fluída, a reconstituição de época é convincente e com óbvios bons valores de produção e a fotografia seduz e conduz a momentos de fascinante energia visual (ou não tivesse sido um dos trunfos do seu primeiro filme, "Sem Destino"), o que com a mais-valia de um elenco irrepreensível poderia fazer desta uma obra de calibre superior.

Contudo, quando actrizes como Miranda Richardson, Meryl Streep ou Glenn Close não têm oportunidade de desenvolver as suas personagens e o argumento contém algumas soluções algo apressadas, questões por explorar (o fascínio da protagonista por Harris, por exemplo) ou uma carga poética e simbólica por vezes forçada, o resultado não é tão estimulante, ainda que mereça elogios.

Em contrapartida, é bom ver que, para além das actrizes já consagradas, "Ao Anoitecer" permite testemunhar o talento de nomes em ascensão como Mamie Gummer, filha de Streep, numa interpretação promissora, ou Hugh Dancy, que defende uma das melhores personagens com um comovente desempenho, a confirmar as boas impressões deixadas em "Shooting Dogs — Testemunhos de Sangue", de Michael Caton-Jones. Já Patrick Wilson é menos memorável, pois embora seja competente ampara-se mais no magnetismo físico do que na entrega interpretativa (embora o seu papel também não lhe forneça grandes desafios).

Mesmo sem dar o salto para o núcleo de obras obrigatórias, "Ao Anoitecer" é uma proposta bastante recomendável, desenhando um subtil mapa de experiências e memórias e captando com sensibilidade detalhes das relações amorosas, familiares e sociais, evitando ainda cair na formatação e previsibilidade de um anódino "filme de prestígio". Uma das boas estreias recentes.


E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

4 comentários:

André disse...

Vê lá se aparece no Hollywood! Para quem gosta de cinema é mesmo imperdível!

Anónimo disse...

Já vi que vai haver "reposição", a ver se é desta que lá passo :)

Joana Amoêdo disse...

Engraçado como eu saí da sala do cinema com aquela sensação: "mas então eu gostei do filme ou não?". Achei mais do mesmo, amores e desamores mal resolvidos, uma Claire Danes um pouco mais madura, é certo, mas sinceramente o saldo é negativo. Falta ali alguma coisa fundamental, das entranhas. E quem é aquele gajo que só grunhe no pouco tempo em que é requisitado em cena e que faz de namorado da Toni Colette? A Meryl Streep tem mesmo algo de especial, ela entra em cena e eu fico assim feita parva a olhar para ela e a achar fenomenal cada gesto que ela faz.

gonn1000 disse...

Ok, não é uma pedrada no charco e o elenco é melhor do que qualquer outro elemento do filme, mas acho que o saldo é positivo. Não dei o tempo por perdido, o que já não é pouco, mesmo que não seja uma obra obrigatória.