Felizmente, o realizador húngaro não desaponta e, mesmo não gerando aqui uma experiência cinematográfica insuperável, é capaz de apresentar um filme interessante, onde o resultado final não fica ofuscado pelos nomes do elenco e permite identificar aqui outros elementos meritórios.
Adaptado do livro homónimo de Susan Minot, "Ao Anoitecer" teve um argumento que contou com a colaboração da escritora e de Michael Cunningham (autor de "As Horas" ou "Uma Casa no Fim do Mundo", também já transpostos para cinema), e do trabalho da dupla saiu um drama intimista e complexo, que funciona como um envolvente estudo de personagens.
O filme parte do estado actual de Ann, uma mulher de idade avançada que se encontra acamada, vítima de cancro, enquanto é tratada pelas duas filhas e lhes revela, num estado entre o sono e a vigília, nomes de pessoas da sua juventude que elas não reconhecem. O espectador, no entanto, fica a conhecê-las através de constantes flashbacks rumo aos anos cinquenta, em particular à breve estadia de Ann em casa de uma amiga da classe alta britânica prestes a casar, e que aí acaba por ser um dos vértices de um inesperado triângulo (aliás, quadrado) amoroso.
Tanto num cenário como noutro há espaço para várias personagens, o que não há muito é tempo para algumas, já que ao longo das suas duas horas a película opta por desenvolver com mais profundidade a protagonista e mais duas ou três figuras, deixando outras entregues às necessidades do argumento.
Tecnicamente, Lajos Koltai oferece um trabalho sem reparos, uma vez que a sua realização é leve e fluída, a reconstituição de época é convincente e com óbvios bons valores de produção e a fotografia seduz e conduz a momentos de fascinante energia visual (ou não tivesse sido um dos trunfos do seu primeiro filme, "Sem Destino"), o que com a mais-valia de um elenco irrepreensível poderia fazer desta uma obra de calibre superior.
Contudo, quando actrizes como Miranda Richardson, Meryl Streep ou Glenn Close não têm oportunidade de desenvolver as suas personagens e o argumento contém algumas soluções algo apressadas, questões por explorar (o fascínio da protagonista por Harris, por exemplo) ou uma carga poética e simbólica por vezes forçada, o resultado não é tão estimulante, ainda que mereça elogios.
Mesmo sem dar o salto para o núcleo de obras obrigatórias, "Ao Anoitecer" é uma proposta bastante recomendável, desenhando um subtil mapa de experiências e memórias e captando com sensibilidade detalhes das relações amorosas, familiares e sociais, evitando ainda cair na formatação e previsibilidade de um anódino "filme de prestígio". Uma das boas estreias recentes.
E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM
4 comentários:
Vê lá se aparece no Hollywood! Para quem gosta de cinema é mesmo imperdível!
Já vi que vai haver "reposição", a ver se é desta que lá passo :)
Engraçado como eu saí da sala do cinema com aquela sensação: "mas então eu gostei do filme ou não?". Achei mais do mesmo, amores e desamores mal resolvidos, uma Claire Danes um pouco mais madura, é certo, mas sinceramente o saldo é negativo. Falta ali alguma coisa fundamental, das entranhas. E quem é aquele gajo que só grunhe no pouco tempo em que é requisitado em cena e que faz de namorado da Toni Colette? A Meryl Streep tem mesmo algo de especial, ela entra em cena e eu fico assim feita parva a olhar para ela e a achar fenomenal cada gesto que ela faz.
Ok, não é uma pedrada no charco e o elenco é melhor do que qualquer outro elemento do filme, mas acho que o saldo é positivo. Não dei o tempo por perdido, o que já não é pouco, mesmo que não seja uma obra obrigatória.
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