segunda-feira, novembro 26, 2007

O MEU TIO

"A Outra Margem", o novo filme de Luís Filipe Rocha, gera desde logo alguma curiosidade por contar com uma dupla protagonista pouco habitual: um tio e um sobrinho onde o primeiro é um travesti e o segundo um adolescente com Síndrome de Down. O resultado, contudo, é menos atípico ou mesmo irreverente do que esta junção poderia sugerir, originando um drama sóbrio e contido que se debruça nas contrariedades das relações humanas, tanto familiares como amorosas, e sobretudo na forma como a diferença as influencia.

Ricardo, que faz espectáculos musicais como travesti num bar lisboeta, entra em desespero após o abrupto suicídio do namorado, mas depois de uma visita da sua irmã, que não via há anos, decide regressar com ela à sua terra natal, uma localidade no interior, local onde deixou um pai desiludido e uma noiva frustrada. É aí que conhece outro familiar, o seu sobrinho Tomás, um jovem com trissomia 21 que aos poucos o vai contagiando com a sua espontaneidade e optimismo, e as conversas que partilham acabam por os encorajar a encetar novas fases nas suas vidas.

Luís Filipe Rocha apresenta aqui um filme corajoso, honesto e sensível, características que compensam alguns dos seus problemas. Um dos maiores é o facto dos primeiros 15/20 minutos não serem especialmente envolventes, presos a cenas com planos demasiado longos e contemplativos que impõem um arranque desnecessariamente moroso.
Felizmente, o desenvolvimento da narrativa torna-se mais interessante à medida que as personagens se vão dando a conhecer, e mesmo com um ritmo irregular este drama acaba por ir conquistando através de um argumento consistente e um assinalável rigor formal.

Tal como em outras obras do cineasta, "A Outra Margem" demonstra apuro tanto na realização como na direcção de actores, tendo esta última sido distinguida no Festival de Montreal, onde Filipe Duarte e Tomás Almeida foram ambos galardoados com o prémio de melhor actor. Percebe-se porquê, já que a dupla oferece aqui interpretações sentidas, e Duarte é especialmente notável, compondo uma personagem que facilmente poderia cair na caricatura mas que aqui surge num retrato tridimensional - das expressões faciais à linguagem corporal, o actor sofre uma impressionante metamorfose face ao que já demonstrou em qualquer outro papel que encarnou.

Maria D'Aires e Sara Graça convencem na pele das duas personagens femininas e a fotografia de Edgar Moura potencia alguns belíssimos planos - as paisagens de Amarante, onde grande parte da acção foi filmada, também ajudam -, complementando os seguros enquadramentos de Rocha. Igualmente curiosa é a banda-sonora criada pelos Corvos, ainda que a sua quase omnipresença possa ser cansativa a espaços.

Pena que os interessantes conflitos entre as personagens não sejam tão explorados como se desejaria, impondo um desenlace que deixa várias pontas soltas. Situações como a do reencontro do protagonista com o pai - claramente simbólica, a explicar o título do filme - perdem força por não terem seguimento, não aproveitando ao máximo as possibilidades da premissa.
Aliadas aos problemas iniciais da narrativa, fazem de "A Outra Margem" uma obra desequilibrada, embora não a impeçam de se destacar como um dos bons títulos do final de 2007 e, principalmente, como um dos escassos filmes portugueses dos últimos tempos que vale a pena descobrir.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

6 comentários:

Anónimo disse...

Desculpe mas a síntaxe aqui não está bem «fazem de "A Outra Margem" uma obra desequilibrada, embora não a impeçam...» se os adjectivos tem de concordar com o verbo o correcto seria:
«FAZ de "A Outra Margem" uma obra desequilibrada, embora não a IMPEÇA...»

Sempre às ordens!

gonn1000 disse...

Não, o sujeito dessa frase é o mesmo do da anterior, ou seja, "situações", daí o recurso ao plural em "fazem" e "impeçam". Mas obrigado na mesma :)

Wellington Almeida disse...

E viva a liberdade de opinião! Ehehe eu achei este filme uma coisa do outro mundo. rsss

gonn1000 disse...

Não, não é nada do outro mundo, mas ainda assim vale a pena ver :P

Anónimo disse...

Não o achei excelente mas achei-o de uma coragem excelente - mas enfim, intenções não são resultados. Isso não quer dizer que o resultado me tivesse desgradado, apenas esperava mais. O final é, como dizes, algo apressado e as resoluções muito céleres quando o início é mais pausado, com cenas até desnecessárias na duração como as do concerto.
O mérito maior do filme está claramente nos dois protagonistas, ambos extraordinários. Só por eles já vale a ida ao cinema.

gonn1000 disse...

Pois, é irregular mas tendo em conta os filmes portugueses deste ano acaba por ser dos mais interessantes - e corajosos, como reforças.