sexta-feira, novembro 30, 2007

10 BLOGUES, 5 FILMES, 1 REALIZADOR


A tabela relativa a algumas das estreias de Novembro, mais uma vez organizada pelo Knoxville. O realizador do mês foi Robert Zemeckis, do qual não sou grande apreciador mas que ainda assim fez alguns filmes que me marcaram - "Quem Tramou Roger Rabbit?" é daqueles de que gostei aos 7 (ou perto disso) e julgo que continuarei a gostar aos 77.

quinta-feira, novembro 29, 2007

FUTURISMO OLD SCHOOL

Antes de se tornar numa dos nomes fortes da Ed Banger - editora que congrega alguns dos artistas mais emblemáticos da nova electrónica francesa -, DJ Mehdi, ou Mehdi Faveris-Essadi, tinha já um currículo musical respeitável que incluía a participação em bandas de hip-hop como Ideal J e 113, colaborações com MC Solaar, Cassius ou Daft Punk ou composições para as bandas-sonoras de “Mulher Fatal”, de Brian DePalma, ou “Reis e Rainha”, de Arnaud Desplechin.

“The Story of Espion”, o seu álbum de estreia editado em 2002, garantiu-lhe alguns elogios, que foram agora reforçados com o seu segundo disco em nome próprio, “Lucky Boy”, um claro passo em frente onde exibe maior eclectismo e segurança.

Ao contrário da maioria dos seus colegas de editora, como o duo Justice, que recontextualizam referências do french touch de 90 e investem numa nova abordagem entre a house e o rock, DJ Mehdi apresenta temas menos crus e explosivos, centrando-se numa simbiose de hip-hop old school, funk e electro vincada por uma forte carga cinemática e heranças da década de 80.

“Lucky Boy” resulta num interessante conjunto de ambientes, geralmente através de canções instrumentais não muito dinâmicas, de onde sobressai a eficácia de Mehdi como produtor e algum talento na composição, ainda que nunca registe um nível inventivo muito acima da média. Mais agradável do que desafiante, o disco é um curioso caleidoscópio que se empenha na revisitação de estilos e não tanto na projecção de novas ideias, o que não chega a ser um problema já que consegue ser quase sempre absorvente.

Há por aqui vários momentos contagiantes, seja a colaboração com a dupla Chromeo em “I Am Somebody”, um single certeiro e orelhudo, o brevíssimo concentrado de energia de “Signatune”, a sucessão de riffs de guitarra de “Boggin” (um dos poucos que se aproxima da matriz dos colegas da Ed Banger) ou a hipnótica e enigmática faixa-título, que assentaria bem num thriller urbano e elegante.
“Pony Rocking” e “Leave It Alone” ancoram-se num hip-hop sintético com vozes regadas a hélio, “Always Be an Angel” viaja por atmosferas árabes e “Love Bombing” vai desenhando um lento crescendo de intensidade, mantendo-se na fronteira entre o sereno e o inquietante.

Pontualmente há temas menos consistentes, como “Wee Bounce”, cuja percussão repetitiva e imutável acaba por cansar, mas na maior parte dos casos DJ Mehdi convence e faz com que “Lucky Boy” seja um disco capaz de resistir a muitas audições, com potencial para se tornar numa das bandas-sonoras para o quotidiano de muitos.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM



DJ Mehdi feat. Chromeo - "I Am Somebody"

quarta-feira, novembro 28, 2007

ESTREIA DA SEMANA: "PROMESSAS PERIGOSAS"

"Promessas Perigosas" (Eastern Promises) é o melhor filme de David Cronenberg em muitos anos - pelo menos para mim, que não sou um admirador incondicional do quase consensual "Uma História de Violência".
Tal como nessa obra precedente, aqui o realizador canadiano afasta-se dos domínios algo bizarros que dominaram parte da sua cinematografia mas não deixa de ser cru e cortante, oferecendo um consistente drama sobre os interstícios da máfia londrina. Viggo Mortensen, o protagonista, obtém aqui um dos seus desempenhos mais fortes e Naomi Watts e Vincent Cassel reforçam a coesão do elenco, num dos títulos mais aconselháveis do final de 2007. Opinião mais alargada aqui.

Outras estreias:

"Conversas com o Meu Jardineiro", de Jean Becker
"Hitman - Agente 47", de Xavier Gens
"Paranoid Park", de Gus Van Sant
"Uma História de Encantar", de Kevin Lima

segunda-feira, novembro 26, 2007

O MEU TIO

"A Outra Margem", o novo filme de Luís Filipe Rocha, gera desde logo alguma curiosidade por contar com uma dupla protagonista pouco habitual: um tio e um sobrinho onde o primeiro é um travesti e o segundo um adolescente com Síndrome de Down. O resultado, contudo, é menos atípico ou mesmo irreverente do que esta junção poderia sugerir, originando um drama sóbrio e contido que se debruça nas contrariedades das relações humanas, tanto familiares como amorosas, e sobretudo na forma como a diferença as influencia.

Ricardo, que faz espectáculos musicais como travesti num bar lisboeta, entra em desespero após o abrupto suicídio do namorado, mas depois de uma visita da sua irmã, que não via há anos, decide regressar com ela à sua terra natal, uma localidade no interior, local onde deixou um pai desiludido e uma noiva frustrada. É aí que conhece outro familiar, o seu sobrinho Tomás, um jovem com trissomia 21 que aos poucos o vai contagiando com a sua espontaneidade e optimismo, e as conversas que partilham acabam por os encorajar a encetar novas fases nas suas vidas.

Luís Filipe Rocha apresenta aqui um filme corajoso, honesto e sensível, características que compensam alguns dos seus problemas. Um dos maiores é o facto dos primeiros 15/20 minutos não serem especialmente envolventes, presos a cenas com planos demasiado longos e contemplativos que impõem um arranque desnecessariamente moroso.
Felizmente, o desenvolvimento da narrativa torna-se mais interessante à medida que as personagens se vão dando a conhecer, e mesmo com um ritmo irregular este drama acaba por ir conquistando através de um argumento consistente e um assinalável rigor formal.

Tal como em outras obras do cineasta, "A Outra Margem" demonstra apuro tanto na realização como na direcção de actores, tendo esta última sido distinguida no Festival de Montreal, onde Filipe Duarte e Tomás Almeida foram ambos galardoados com o prémio de melhor actor. Percebe-se porquê, já que a dupla oferece aqui interpretações sentidas, e Duarte é especialmente notável, compondo uma personagem que facilmente poderia cair na caricatura mas que aqui surge num retrato tridimensional - das expressões faciais à linguagem corporal, o actor sofre uma impressionante metamorfose face ao que já demonstrou em qualquer outro papel que encarnou.

Maria D'Aires e Sara Graça convencem na pele das duas personagens femininas e a fotografia de Edgar Moura potencia alguns belíssimos planos - as paisagens de Amarante, onde grande parte da acção foi filmada, também ajudam -, complementando os seguros enquadramentos de Rocha. Igualmente curiosa é a banda-sonora criada pelos Corvos, ainda que a sua quase omnipresença possa ser cansativa a espaços.

Pena que os interessantes conflitos entre as personagens não sejam tão explorados como se desejaria, impondo um desenlace que deixa várias pontas soltas. Situações como a do reencontro do protagonista com o pai - claramente simbólica, a explicar o título do filme - perdem força por não terem seguimento, não aproveitando ao máximo as possibilidades da premissa.
Aliadas aos problemas iniciais da narrativa, fazem de "A Outra Margem" uma obra desequilibrada, embora não a impeçam de se destacar como um dos bons títulos do final de 2007 e, principalmente, como um dos escassos filmes portugueses dos últimos tempos que vale a pena descobrir.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

VER E OUVIR (2)

Colaborou com os The The, Dee-Lite ou Curtis Mayfield, editou dois álbuns a solo e mais recentemente juntou-se aos Soul Investigators, com quem gravou o disco "Keep Reachin' Up". São estes últimos que acompanham Nicole Willis hoje, no Casino de Lisboa, para um concerto de entrada livre que deverá começar pelas 22h30. Espera-se uma noite de soul e funk clássicos, que terão continuidade no DJ set de Keb Darge.

Como aperitivo para o espectáculo deixo a colaboração da cantora com os Leftfield num dos poucos grandes momentos de "Rythm & Stealth", o último álbum do duo britânico:




Leftfield - "Swords"

domingo, novembro 25, 2007

VER E OUVIR

Com o final do ano a aproximar-se, o Posto de Escuta já escolheu as 10 capas de discos de 2007 que melhor ficam no Cover Flow do iTunes. Apesar de gostar da maioria das escolhas do Pedro, as minhas duas capas preferidas - para ver no iTunes ou não - pertencem ao mesmo álbum:


As capas são enganadoras, já que "A Weekend in the City" não é um disco tão conseguido, ainda que os Bloc Party já o tenham compensado com um dos melhores concertos do ano - no Coliseu de Lisboa, em Maio - e com uma nova canção, "Flux", que primeiro se estranha mas depois se entranha e aponta novas (e interessantes) direcções para o grupo.

Para ver e ouvir aqui em baixo, mas melhor do que o single é uma versão mais longa, que pode ser ouvida e descarregada aqui, juntamente com o óptimo instrumental do mesmo tema e a também recomendável remistura de Burial para "Where is Home?".



Bloc Party - "Flux"

sábado, novembro 24, 2007

POR FAVOR NÃO ME DEVOREM O PESCOÇO

Com o filão dos super-heróis quase esgotado, Hollywood tem investido ultimamente em adaptações da BD norte-americana de outros contornos, direccionando-se para graphic novels dos mais diversos estilos - como pode comprovar-se pela transposição de "300", "Stardust" ou "Sin City" para o grande ecrã. "30 Dias de Escuridão" (30 Days of Night) é um dos exemplos mais recentes, inspirando-se nas pranchas de Steve Niles e Ben Templesmith para criar um filme vincado pelo suspense e algum terror, ou não contasse com a presença de temíveis vampiros.

A premissa é excelente, focando a invasão de uma pequena localidade do Alaska por um grupo de sugadores de sangue durante 30 dias em que nunca se vê a luz do Sol. O cenário frio, hostil e sobretudo nocturno é o ideal para que o grupo de vampiros consiga fazer um banquete duradouro, e o realizador de David Slade - o mesmo do muito promissor "Hard Candy" - é hábil na confecção de atmosferas com tanto de inquietante como de absorvente.

A tradição dos vampiros no cinema vem já desde longe, mas até agora nenhum tinha tido algumas das ideias que "30 Dias de Escuridão" apresenta, desde o peculiar espaço em que acção decorre até à própria caracterização dos descendentes de Nosferatu, que poucas vezes terão sido retratados de forma tão crua, primitiva e arrepiante, sendo aqui pouco mais do que criaturas predadoras desprovidas de qualquer tipo de romantismo.

A realização de Slade não desaponta e mantém a hipnótica energia visual que já era um dos trunfos de "Hard Candy", propiciando belíssimos contrastes entre o sangue e a neve, e o realizador imprime um ritmo eficaz, por vezes vertiginoso, que mantém o suspense ao longo das quase duas horas de duração.

Este evidente savoir faire compensa alguns aspectos menos conseguidos, sendo o mais flagrante a do desenvolvimento das personagens, quase todas carne para canhão - ou pescoço para dentição - e não tanto figuras que surtam especial empatia.
Josh Hartnett, o protagonista, será das raras excepções, muito por culpa de um underacting carismático, e através da conturbada relação com a personagem de Melissa George fornece a âncora emocional do filme. Ben Foster oferece também, como habitual, uma interpretação segura, ainda que a sua personagem tenha uma relevância quase nula para o argumento, e Danny Huston sai-se bem como o arrepiante líder dos vampiros, mesmo tendo um papel sem grandes possibilidades dramáticas.

Outro elemento que compromete o brilhantismo de "30 Dias de Escuridão" é o facto da passagem do tempo não ser apresentada de modo convincente, pois apesar das legendas anunciarem a sucessão dos 30 dias, as atitudes - e mesmo o aspecto - das personagens leva a crer que decorreram apenas algumas horas ao longo do filme.

Mesmo assim, esta é ainda uma experiência cinematográfica meritória, que se não redefine o género - como a premissa poderia sugerir - também não o envergonha, apresentando muitas sequências certeiras e envolventes, dominadas por explosões de cor e tensão. Slade aposta, e bem, numa narrativa directa e escorreita, com uma eficácia de série-B - não por acaso, a sombra de Carpenter, e de "The Thing" em particular, nota-se em algumas cenas -, e serve aqui uma refeição recomendável para apreciadores destas iguarias. Quem tiver estômagos mais sensíveis deve, contudo, optar por menus mais ligeiros.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

quarta-feira, novembro 21, 2007

FUNDO DE CATÁLOGO (6): MULU

Hoje poderão estar no esquecimento, mas há precisamente dez anos um dos seus singles era dos que mais airplay tinha. Foi, de resto, o único tema que fez com que os britânicos Mulu ganhassem algum mediatismo na altura, já que o disco que então editaram, "Smiles Like a Shark", é o seu primeiro e último.

O álbum é também um dos que não resistiu muito bem ao tempo, marcado pelo misto de trip-hop e de uma pop dançável de finais de 90 que, apesar de exibir alguma frescura nesses dias, está agora datado. O tal single, que dá pelo nome de "Pussycat", é continua a ser, mesmo assim, uma canção eficaz e indispensável em qualquer revisitação aos one hit wonders da década passada. Mas nada como recordá-la para tirar as dúvidas, aqui em baixo:


Mulu - "Pussycat" Recordações anteriores

terça-feira, novembro 20, 2007

NOVAS AMEAÇAS NA HISTÓRIA DO COSTUME

"A Invasão" (The Invasion) é a mais recente versão de uma série de filmes iniciada em "Invasion of the Body Snatchers", obra de Don Siegel que se tornou num dos marcos do cinema de ficção científica em 1956 e foi alvo de reinterpretações por parte de Philip Kaufman ("Invasion of the Body Snatchers", 1978) e Abel Ferrara ("Body Snatchers", 1993).
Os filmes tiveram como ponto de partida o livro "The Body Snatchers", de Jack Finney, editado na altura da Guerra Fria, cuja história podia ser vista como metáfora desses tempos, e essa perspectiva política/social manteve-se também nas adaptações cinematográficas, de forma mais ou menos óbvia, sofrendo evoluções ao longo das décadas em que cada versão foi criada.

O mesmo volta a ocorrer neste olhar do alemão Oliver Hirschbiegel, que não desperdiça oportunidades de injectar numa aventura com extraterrestres uma evidente crítica aos comportamentos humanos e à suposta evolução das civilizações, em particular ao potencial que cada um tem para cometer as maiores atrocidades.

Não é novidade que grande parte da ficção científica sempre teve no âmago uma análise a contextos políticos e sociais, por vezes lançando interessantes questões sobre a natureza humana, e se é verdade que "A Invasão" se esforça por empreender um debate não o é menos que essa tentativa resulta num esforço forçado e pouco subtil, que impõe pontos de vista ao espectador em vez de fazer com que este se interrogue.

Este misto de transparência e didactismo não seria muito problemático caso o filme apresentasse doses de criatividade e surpresa que o compensassem, mas pouco acrescenta às versões anteriores, funcionando como mais do mesmo para quem já as conhece e arriscando-se a defraudar as expectativas de quem espera encontrar aqui uma obra de ficção científica que entusiasme e inquiete.

A premissa, centrada numa epidemia onde um microorganismo se insere nos humanos e passa a controlá-los após estes dormirem, poderia estar na origem de bons resultados, e embora Hirschbiegel consiga ofecer alguns eficazes momentos de suspense acaba por perder-se numa narrativa mecânica e formulaica.
Muitas das situações foram já vistas e revistas em filmes da série ou fora dela - a fuga da protagonista com o seu filho faz lembrar a jornada de Tom Cruise e Dakota Fanning em "Guerra dos Mundos", de Spielberg, e perde na comparação -, o desenlace é particularmente apressado e pouco satisfatório e a realização, mesmo sendo sempre competente, não tira o filme do anonimato já que nunca gera sequências memoráveis.

O elenco, à partida um dos elementos apelativos, acaba por não trazer especiais mais-valias, uma vez que nem Nicole Kidman nem Daniel Craig têm grandes personagens para defender e os seus papéis podiam ser interpretados por quaisquer outros. Craig então tem mesmo pouco para fazer, desperdiçando o seu carisma numa figura mal desenvolvida, e Kidman limita-se a servir as etapas do argumento, correndo de um lado para o outro e oscilando entre o pânico e o nervosismo controlado. Curioso, mesmo, só o facto de ambos serem aparentemente invulneráveis a acidentes de viação, ainda que esse aspecto não pareça ser intencional no argumento.

"A Invasão" não chega a ser um filme despiciendo, pois apesar de pouco imaginativo não se torna aborrecido, é escorreito e por vezes interessante de seguir. Contudo, também nunca nunca vai além de uma mediania indistinta, o que é pouco para uma obra que, tanto pela premissa como pelos nomes envolvidos, tinha obrigação de ser mais do que um entretenimento descartável.

E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL

sábado, novembro 17, 2007

ROCK MELANCÓLICO SERVIDO COM ENERGIA

Em 2005 foram uma das boas surpresas da geração de bandas que revisitou o pós-punk ao longo desta década, servindo em "The Back Room" uma estreia convincente e auspiciosa, devedora de muitas refêrências incontornáveis - Joy Division, Echo and the Bunnymen - ainda que com com uma personalidade já denunciada.
Este ano, os Editors regressaram com "An End Has a Start", um digno sucessor que manteve o carisma de um projecto seguro, não alargando muito os seus horizontes musicais mas cimentando as boas impressões iniciais.

Estes dois registos constituíram o cerne do alinhamento de ontem no Pavilhão do Restelo, onde o jovem quarteto de Birmingham se apresentou pela segunda vez em Portugal após uma breve passagem pelo festival Super Bock Super Rock do ano passado.

Com uma rápida e pontualíssima entrada em palco (precisamente às anunciadas 22 horas), iniciaram o espectáculo com o tema de abertura do disco de estreia, "Lights", sendo imediatamente aplaudidos pelo público que aí preenchia já quase todo o recinto.

O vocalista Tom Smith, que em disco remete para a carga soturna de vocalistas urbano-depressivos da década de 80, exibiu uma vivacidade que contrastou com o tom melancólico da maioria das canções, e subiu para cima do piano logo aos primeiros minutos, gerando uma química com os espectadores que se manteve ao longo da quase hora e meia de concerto.

A banda satisfez tanto em momentos dinâmicos e épicos como "Bones" ou "An End Has a Start" como nos mais contemplativos e serenos "The Weight of the World" ou "When Anger Shows", perdendo pouco tempo com conversas com a audiência - embora Smith não tenha sido parco nos já tradicionais "obrigados" - e oferecendo uma rápida sucessão de temas, praticamente sem pausas, impondo um ritmo que só desacelerou em episódios de alguma monotonia como "Spiders".
Esta e algumas outras canções do segundo álbum, ainda que bem recebidas e muito aplaudidas, perderam na comparação com as do primeiro, que felizmente dominaram grande parte do repertório.

Singles certeiros como "Bullets" ou "Blood" despoletaram uma óbvia resposta emocional do público, e a magnífica "Munich", que ainda é a melhor canção do grupo, foi a responsável pelo pico de intensidade da noite, surgindo numa versão mais longa do que a do disco (sendo também das poucas que se diferenciou do original).

Entre passagens pelos dois discos hove ainda espaço para um inédito, "Banging Heads", e o lado-B "You Are Fading", ambos igualmente bem acolhidos, complementando uma sucessão de consistentes portentos de rock negro ora dançável ora medidativo.
Com uma actuação escorreita e empenhada, os Editors só não entusiasmaram quando a bateria e a guitarra eclipsaram o piano em demasiadas ocasiões, ou quando Smith procurou imitar os trejeitos vocais de Ian Curtis, algo de que não precisou nos discos e que ao vivo soou forçado e balofo, comprometendo o carisma de algumas canções. Não ameaçaram, no entanto, as reacções do público, sempre dedicado e atento, que acompanhou muitas vezes o vocalista e revelou-se um profundo conhecedor da discografia da banda.

A julgar pelo entusiasmo mútuo entre os espectadores e o grupo, os Editors têm carta branca para voltar a Portugal, e espera-se que caso o façam incluam no alinhamento "Camera", um dos melhores temas do primeiro álbum e uma das falhas de uma noite interessante e a espaços tão empolgante como a resposta dos espectadores sugeriu.

Antes do quarteto de Birmingham subir a palco, coube a Mazgani receber o público que foi chegando sem pressas. O músico iraniano, actualmente a residir em Setúbal, levou ao Pavilhão do Restelo o seu álbum de estreia, "Song of the New Heart", substituindo os previstos Boxer Rebellion. Durante pouco mais de meia hora, o cantor e a sua banda obtiveram uma quantidade assinalável de aplausos após uma actuação competente, vincada pela matriz singer songwriter que por vezes lembrou a angústia de um Nick Cave. Não sendo a primeira parte mais óbvia ara um concerto dos Editors, acabou por antecipar eficazmente o rock negro que se seguiu.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM


Fotos: Eduardo Santiago

MODELO E DETECTIVE

Tony Scott é muitas vezes acusado pelos seus detractores de contar com uma filmografia onde o estilo esmaga quase sempre a substância, eclipsando personagens e linhas narrativas em prol de uma pirotecnia ostensiva e outras formas de exibicionismo estético.
No entanto, nada que o realizador tenha feito a esse nível se compara com o que apresenta em "Dominó" (Domino), onde hiperboliza essa tendência e leva o seu delírio visual ao limite num filme com tanto de experimental como de megalómano, onde momentos de inspiração surgem lado-a-lado com outros de desnorte criativo.

O ponto de partida já era invulgar q.b., uma vez que o filme pretende ser o biopic de Domino Harvey, uma jovem modelo que trocou a sua vida próspera e confortável por experiências mais extremas ao aderir a um grupo de destemidos caçadores de prémios, que se divertem e ganham a vida a caçar criminosos em fuga.
O facto do argumento ser assinado por Richard Kelly, o realizador do filme de culto "Donnie Darko", indicia que esta será uma obra pouco convencional, e a embalagem em que Scott a envolve só o confirma, atirando-a para a categoria de onvis cinematográficos, um objecto intrigante e inclassificável mas não necessariamente conseguido.

Não falta ambição ao projecto, que de resto pode ser confirmada na lista de ilustres (ou não tanto) que integram o elenco: além da protagonista Keira Knightley e do renascido Mickey Rourke, também Christopher Walken, Lucy Liu ou Mena Suvari marcam presença, embora o mais inesperado seja ver, no mesmo filme, gente tão díspar como Macy Gray, Jerry Springer(!), Tom Waits(!!) ou Brian Austin Green e Ian Ziering, dois actores de "Beverly Hills 90210" que fazem deles próprios(!?!).

Para além de incluir tantos nomes aparentemente incompatíveis, "Dominó" é igualmente arrojado ao apostar numa narrativa que atira em várias direcções, o que se por um lado pode ser desafiante aqui torna-se mais confuso e cansativo, já que Scott parece não saber distinguir o essencial do acessório.
Assim, o filme não é tanto sobre os dilemas da protagonista mas antes uma sátira ao lixo televisivo dos últimos anos, escolhendo alvos fáceis como séries juvenis ou reality shows.
Ou se calhar é sobre as diferenças étnicas, culturais e sociais e das injustiças que a elas estão ligadas, tornando válido um jogo de vale tudo quando encetado a favor da defesa dos mais frágeis e inocentes.
Ou talvez não queira ser nada disso, contentando-se em funcionar como um concentrado pós-moderno que quase dilui as fronteiras entre a linguagem cinematográfica e a do videoclip - o que nem é inédito na filmografia do realizador, vincada pelos recorrentes planos curtos e montagem hiperactiva.

No meio de garridos borrões de cor tão omnipresentes e intrusivos como a voz off da protagonista (que não se cansa de repetir muitas frases), assim como da constante mudança de azimutes do argumento, não há grandes hipóteses de sair daqui um resultado consistente, o que faz de "Dominó" um filme que está quase sempre na corda bamba entre o brilhantismo e a banalidade, sem que se mova definitivamente para um dos lados.

Os actores são pouco mais do que bonecos de papelão e em nenhum momento ganham especial interesse, sobretudo quando, lá para o final, Scott tenta fazer passar a protagonista e amigos por bons samaritanos numa jogada manipuladora que só conquistará os mais ingénuos. Knightley interpreta uma ex-modelo supostamente bad girl mas não lhe retira a postura mimada e snob, numa interpretação com mais pose do que intensidade e que se assemelha a um cruzamento dos trejeitos de Tank Girl e Posh Spice - e infelizmente longe do assinalável magnetismo que atingiu em "Orgulho e Preconceito", de Joe Wright.

"Dominó" tem então potencial para irritar quem já não era adepto do estilo de Scott, mas quem não depositar aqui expectativas muito elevadas ainda pode divertir-se com o descaramento de alguns momentos e com o tubo de ensaio estético que ocasionalmente gera sequências hipnóticas. E mesmo sendo um filme inconsequente e parcialmente falhado, este tem o mérito de arriscar mais do que a maioria dos produtos made in Hollywood, o que já é motivo para que mereça alguma atenção.

E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL

quinta-feira, novembro 15, 2007

ESTREIA DA SEMANA: "CONTROL"

Chega finalmente a salas nacionais "Control", estreia na realização de longas-metragens de Anton Corbijn, o inimitável fotógrafo que já deixou uma forte marca na imagem dos Depeche Mode ou U2. Aqui o foco são os Joy Division, em particular o vocalista Ian Curtis, num biopic que relata os episódios que antecederam o seu suicídio, em 1980. Sam Riley e Samantha Morton são os protagonistas de uma das principais estreias da recta final de 2007. A banda-sonora vale muito a pena, e espera-se que o filme também.

Outras estreias:

"Across the Universe", de Julie Taymor
"Beowul 3D Digital", de Robert Zemeckis
"Delírios", de Tom DiCillo
"E Não Viveram Felizes Para Sempre", de Paul Bolger e Yvette Kaplan
"Gangster Americano", de Ridley Scott
"Nomad - A Profecia do Guerreiro", de Sergei Bodrov e Ivan Passer



Trailer de "Control"

quarta-feira, novembro 14, 2007

FESTEJOS SEM CERIMÓNIAS

No último concerto da digressão de "Edição Ilimitada", o seu quarto álbum de originais, a anteceder o lançamento de "Matéria Prima", restrospectiva da banda a editar no início de 2008, os Mind da Gap recordaram quinta-feira na Aula Magna momentos das várias fases da sua carreira.

Acolhido por fãs acérrimos, recém-convertidos e alguns curiosos, o trio de Ace, Presto e Serial não demorou muito a lançar ondas de energia pela sala, desafiando o público, incitando-o a dançar e a não permanecer sentado em várias ocasiões. O convite foi sempre correspondido, o que fez com que, embora o recinto estivesse apenas com cerca de metade da lotação, o concerto nunca tenha perdido o ritmo, mantendo um dinamismo regular do início ao fim.

Contudo, se não houve momentos mortos, também não foram muitos os memoráveis, em parte devido ao alinhamento, com temas demasiado semelhantes, mas também ao som, que não deixou que as palavras disparadas por Ace e Presto fossem sempre perceptíveis.
Isto não pareceu incomodar a maioria dos que lá estiveram, já que os aplausos foram constantes, os pedidos de músicas também, e o bom-humor dos dois MCs encarregou-se de gerar vários episódios curiosos. Ace foi especialmente mordaz em breves comentários ao cenário político ou ao entretenimento televisivo, conquistando a adesão imediata do público, ao qual dirigiu diversos agradecimentos.

Ao longo de duas horas, o grupo portuense ofereceu um medley com alguns dos seus principais temas, convidou Maze, dos Dealema, para duas colaborações e revisitou os seus quatro álbuns de originais, não esquecendo canções obrigatórias como "Falsos Amigos" ou "Todos Gordos", intercaladas por êxitos mais recentes como "Não Stresses" ou "Tilhas? São Sapatilhas".
O já velhinho "Dedicatória", primeiro single do disco de estreia, "Sem Cerimónias" (que celebra dez anos), foi um dos pontos altos, confirmando-se ainda como um tema essencial do hip-hop feito por cá, e será o cartão de visita da compilação "Matéria Prima".

Com a química entre banda e público a compensar alguma falta de surpresas ou rasgos, a actuação chegou para atestar a boa forma dos Mind da Gap e terá sido uma oportunidade para alguns dos espectadores se terem inciado nos concertos - a julgar pela faixa etária de muitos e pelo facto de outros tantos terem começado a sair antes do encore. Espera-se que hajam outras, tanto para o público como para o grupo.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM




Entrevista aos Mind da Gap

segunda-feira, novembro 12, 2007

VIAGEM AO SUBMUNDO LONDRINO

Depois de "Uma História de Violência" ter assinalado um considerável ponto de viragem na sua filmografia, David Cronenberg mantém essa tendência em "Eastern Promises", outra obra longe dos universos alucinantes e bizarros pelos quais se notabilizou tanto numa fase inicial, em títulos como "Scanners" ou "A Mosca", como em anos mais recentes, em "eXistenZ" ou "Spider".

Isto não implica, contudo, que o seu novo filme esteja desprovido de fortes marcas identitárias, uma vez que desde o início que a narrativa mergulha numa atmosfera sinuosa e inquietante, e à medida que se vai desenvolvendo a acção abre espaço para a exploração de temas recorrentes do cineasta canadiano, sejam questões relacionadas com o corpo e as suas alterações, sejam os interstícios mais negros da esfera humana e a forma como a violência regula relações.

Embora invista ainda em temáticas familiares, "Eastern Promises" surpreende pelo realismo dos cenários, personagens e situações, e arrisca-se a ser mais perturbante do que outros filmes do realizador, assentes nas fronteiras entre domínios do terror e da ficção científica.
Ambientado nos recantos mais obscuros de Londres, este cruzamento de thriller e drama centra-se numa enfermeira que, após ter ajudado a dar à luz uma bebé cuja mãe adolescente morreu no parto, tenta encontrar a sua família tendo como única pista um diário.
A sua busca leva-a a contactar com alguns elementos da máfia russa, já que a jovem que ajudou era vítima de uma rede de prostituição de leste, e a situação complica-se quando o dono de um restaurante que lhe propõe ajuda parece, afinal, ter mais interesse no diário do que o aparente altruísmo inicial sugeria. O circunspecto motorista deste acaba por ser uma peça essencial no jogo de forças que então se impõe, proporcionando algumas das principais surpresas da narrativa.

Cronenberg recorre a um argumento de Steve Knight, o mesmo autor do de "Estranhos de Passagem", filme de Stephen Frears que oferecia outro pungente olhar sobre o submundo londrino, e a precisão milimétrica com que desenha retratos de conflitos ambíguos é um dos trunfos de "Eastern Promises". Outro é a fotografia de Peter Suschitzky, que muito contribui para a criação de uma intrigante energia visual, reforçando a aspereza e verosimilhança dos por vezes claustrofóbicos cenários urbanos que aqui são percorridos.

Aliados à segura realização, capaz de servir algumas cenas de antologia - como as dos (literalmente) cortantes momentos iniciais ou de uma sequência de combate num balneário -, estes elementos concedem ao filme um assinalável equilíbrio, felizmente complementado pela apurada direcção de actores.

Viggo Mortensen apresenta aqui um dos seus melhores desempenhos, mais conseguido do que o de "Uma História de Violência", conferindo densidade a uma personagem enigmática e envolvente. Naomi Watts também não desaponta como enfermeira obstinada, ainda que nao se desvie muito do seu registo habitual, Vincent Cassel oscila entre o frágil e o histriónico numa das personagens mais surpreendentes, e o veterano Armin Mueller-Stahl é apropriadamente austero e nebuloso.

Coeso e absorvente, "Eastern Promises" não chega a ser arrebatador devido a um desenlace algo abrupto, fechando demasiado cedo uma história que talvez ganhasse com mais alguns minutos - a personagem de Watts, por exemplo, poderia ter sido mais desenvolvida. Ainda assim, é um filme acima da média e o melhor do cineasta em muitos anos, demonstrando que, não obstante alguns altos e baixos na sua obra, Cronenberg continua a ser um realizador singular e um atento observador do mundo de hoje.


E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

"Eastern Promises" é exibido nesta terça-feira pelas 16h30 no Cinema Villa, em Cascais, no âmbito do European Film Festival

sábado, novembro 10, 2007

26

E pronto, a barreira do quarto de século foi ultrapassada, e já me encontro mais perto dos 30 do que dos 20. Mas mesmo estando a aproximar-me da suposta crise que daí advém, enquanto tiver gente como a Shirley, a Björk ou as meninas das Cibo Matto a cantar para mim, vou continuar a festejar:



Sugarcubes - "Birthday"



Garbage - "When I Grow Up"



Cibo Matto - "Birthday Cake"

quinta-feira, novembro 08, 2007

UMA BANDA PARA ADMIRAR

Se dúvidas houvessem, os Interpol provaram ontem que são uma das bandas actuais que melhor incorpora a herança do pós-punk, sensação que já havia sido sugerida no disco de estreia, "Turn on the Bright Lights" (2002), reforçada em "Antics" (2004), e apenas levemente colocada em causa em "Our Love to Admire" (2007), o disco mais recente, que acusou alguma estagnação na sonoridade do quarteto nova-iorquino, mesmo não deixando de concentrar uma série de boas canções.

E foi de grandes canções que viveu o alinhamento de um esgotadíssimo concerto do Coliseu de Lisboa, a confirmar o crescente mediatismo de uma banda que já ganhou lugar cativo na lista de essenciais do rock actual, e prova disso foi o modo efusivo como alguns dos temas foram recebidos, demonstrando que os Interpol possuem na sua discografia meia dúzia de hinos urbanos.

O arranque, com "Pioneer to the Falls", que também é o primeiro tema do novo disco, cativou pela imponência, mas com canções mais antigas, como "Say Hello to the Angels", "Narc" e "Obstacle 1", logo a seguir, é que a banda acendeu um rastilho que a levou a resultados explosivos, e que de resto preencheram grande parte do alinhamento.

O desequilibrado "Our Love to Admire" não teve, felizmente, muito mais espaço do que os dois álbuns anteriores, e todos foram devidamente representados por pela maioria das melhores composições do grupo. Não faltou a pujante "Slow Hands", com um refrão que não deu descanso aos corpos de muitos dos que dançaram na plateia, nem outros pontos altos de "Antics" como a irresistível "Evil" ou a belíssima canção de amor que é "C'Mere", cuja ressonância emocional foi visível.
Nem todos os temas mais recentes conseguem atingir esse impacto, mas os que o concerto incluiu resultaram bem, tanto "Mammoth", com o seu atípico compasso dinâmico, como o abrasivo "Heinrich Maneuver", o dolente "No I in Threesome" e sobretudo "Rest My Chemistry", o melhor momento de "Our Love to Admire".

Cruzamento brilhante entre melancolia, excitação e sentido de urgência, a hora e meia servida pela banda ganhou ainda pelo cuidado cénico, que se reflectiu nas recorrentes projecções e nas mudanças de tonalidades de canção para canção, entre azulados e violetas ou em estratégicos episódios surpreendentes como a explosão de luz na contemplativa "Lighthouse".

Se na sua estreia em Portugal, na última edição do festival Super Bock Super Rock, muitos acusaram o quarteto de adoptar uma postura demasiado fria e distante, nesta nova visita o grupo não foi propriamente caloroso mas demonstrou simpatia através dos frequentes agradecimentos emitidos pelo vocalista Paul Banks - nem faltou o obrigatório "obrigado" - ou dos seus elogios a Lisboa. Antes isto do que tagarelices forçadas e dispensáveis, até porque no que realmente interessa - a música - o desempenho dos Interpol foi inatacável, exibindo uma evidente coesão, com uma segurança instrumental invejável e uma não menos envolvente entrega vocal de Paul Banks.

O encore sublinhou o carisma e consistência de um grande espectáculo, com "Take You on a Cruise", a muito aguardada "Stella Was a Diver and She Was Always Down" e a certeira "PDA", esta última com direito a uma extensão instrumental de guitarra e bateria, que alargou o apelo dançável presente na maioria do concerto e fechou da melhor forma uma clara prova de solidez.

Antes do óptimo concerto dos Interpol, a noite começou com uma primeira parte à altura, a cargo do trio italo-japonês Blonde Redhead, também sediado em nova-iorque embora praticante de um rock mais etéreo e onírico, suportado por atmosferas intrigantes e pelas convincentes vozes de Kazu Makino e Amadeo Pace.

Temas do aclamado "23", o seu mais recente álbum, dividiram o protagonismo com recordações de registos anteriores, num aquecimento durou pouco mais de meia hora mas chegou para comprovar que não eram poucos os conhecedores do grupo. Quem não conhecia teve em momentos como "Equus", "23" e principalmente "Spring and by Summer Fall" (uma das mais apaixonantes canções de 2007) excelentes portas de entrada para uma banda que, tal como a de Paul Banks, merece um concerto em nome próprio por estes lados.


E O VEREDICTO É: 4/5 - MUITO BOM

Fotos: Vera Moutinho

ESTREIA DA SEMANA: EUROPEAN FILM FESTIVAL

A partir de hoje, há mais um festival de cinema a acrescentar à lista que não tem parado de aumentar ultimamente: o European Film Festival, que até dia 17 se instala nas salas do Casino do Estoril e do Cascais Villa. O evento, dirigido por Paulo Branco, exibe 14 obras inéditas em competição e inclui, noutras secções, várias ante-estreias como o (recomendável) novo filme de David Cronenberg, "Eastern Promises", ou "Control", de Anton Corbijn.

Pedro Almodóvar e David Lynch são os realizadores em destaque, e o primeiro estará presente na cerimónia de abertura, esta noite (assim como algumas das suas actrizes de eleição, como Rossy de Palma ou Marisa Paredes), e amanhã à tarde num encontro com o público. As obras de ambos ocupam uma considerável fatia do cartaz, que as revisita na íntegra e inclui alguns títulos nunca exibidos antes por cá (como os primeiros filmes de Almodóvar ou as curtas-metragens de Lynch).

O European Film Festival contempla ainda concertos de Victoria Abril, Bernardo Sassetti Trio e Julee Cruise, que tal como as Master Classes de Werner Schroeter ou Raoul Ruiz, entre outros, são de acesso gratuito. Todas as informações no site oficial.

Das estreias da semana propriamente ditas não há muito a destacar, ainda que "A Morte do Sr. Lazarescu", de Cristi Puiu, ou "30 Dias de Escuridão", de David Slade (o realizador de "Hard Candy"), mereçam uma espreitadela.

terça-feira, novembro 06, 2007

UMA HISTÓRIA SIMPLES

Quem nunca sentiu uma cumplicidade imediata com um conhecimento novo, que acabaria por perder-se inexplicavelmente ao fim de alguns contactos, talvez não se reveja em "Click", um dos minicomics da norte-americana Sara Ryan. Mas como presumo que não seja o caso da maioria dos que lêem estas linhas, recomendo que o descubram no ComicSpace, onde esta pequena história da argumentista de BD indie pode ser lida na íntregra.

segunda-feira, novembro 05, 2007

FESTIVAL DE INTERPRETAÇÕES NUM DRAMA SÓBRIO

"Ao Anoitecer" (Evening) chega às salas discretamente mas tem desde logo um forte factor de interesse, o impressionante elenco, praticamente um "quem é quem" de algumas das melhores actrizes de hoje, divididas por várias gerações. Não são muitos os filmes que podem orgulhar-se de reunir Claire Danes, Meryl Streep, Glenn Close, Toni Collette, Miranda Richardson ou Vanessa Redgrave, mas se por um lado Lajos Koltai consegue juntá-las no mesmo projecto fica também sujeito às expectativas que muitos poderão depositar numa obra que envolve tamanho talento interpretativo.

Felizmente, o realizador húngaro não desaponta e, mesmo não gerando aqui uma experiência cinematográfica insuperável, é capaz de apresentar um filme interessante, onde o resultado final não fica ofuscado pelos nomes do elenco e permite identificar aqui outros elementos meritórios.

Adaptado do livro homónimo de Susan Minot, "Ao Anoitecer" teve um argumento que contou com a colaboração da escritora e de Michael Cunningham (autor de "As Horas" ou "Uma Casa no Fim do Mundo", também já transpostos para cinema), e do trabalho da dupla saiu um drama intimista e complexo, que funciona como um envolvente estudo de personagens.

O filme parte do estado actual de Ann, uma mulher de idade avançada que se encontra acamada, vítima de cancro, enquanto é tratada pelas duas filhas e lhes revela, num estado entre o sono e a vigília, nomes de pessoas da sua juventude que elas não reconhecem. O espectador, no entanto, fica a conhecê-las através de constantes flashbacks rumo aos anos cinquenta, em particular à breve estadia de Ann em casa de uma amiga da classe alta britânica prestes a casar, e que aí acaba por ser um dos vértices de um inesperado triângulo (aliás, quadrado) amoroso.


Aos poucos, "Ao Anoitecer" vai revelando acontecimentos fulcrais passados nesses tempos que influenciaram toda a vida da protagonista, e que são recordados por ela, num misto de entusiasmo e frustração, à medida que a morte se insurge como destino cada vez mais próximo. É, de resto, na sua juventude que se alicerça grande parte da acção do filme, regressando pontualmente ao presente para seguir as inquietações das suas filhas.
Tanto num cenário como noutro há espaço para várias personagens, o que não há muito é tempo para algumas, já que ao longo das suas duas horas a película opta por desenvolver com mais profundidade a protagonista e mais duas ou três figuras, deixando outras entregues às necessidades do argumento.

Não é que "Ao Anoitecer" não tenha uma série de cenas com densidade emocional, pelo contrário, o problema é que da soma destas não resulta um todo muito coeso, ou pelo menos não tanto para o tornar num filme de excepção.
Tecnicamente, Lajos Koltai oferece um trabalho sem reparos, uma vez que a sua realização é leve e fluída, a reconstituição de época é convincente e com óbvios bons valores de produção e a fotografia seduz e conduz a momentos de fascinante energia visual (ou não tivesse sido um dos trunfos do seu primeiro filme, "Sem Destino"), o que com a mais-valia de um elenco irrepreensível poderia fazer desta uma obra de calibre superior.

Contudo, quando actrizes como Miranda Richardson, Meryl Streep ou Glenn Close não têm oportunidade de desenvolver as suas personagens e o argumento contém algumas soluções algo apressadas, questões por explorar (o fascínio da protagonista por Harris, por exemplo) ou uma carga poética e simbólica por vezes forçada, o resultado não é tão estimulante, ainda que mereça elogios.

Em contrapartida, é bom ver que, para além das actrizes já consagradas, "Ao Anoitecer" permite testemunhar o talento de nomes em ascensão como Mamie Gummer, filha de Streep, numa interpretação promissora, ou Hugh Dancy, que defende uma das melhores personagens com um comovente desempenho, a confirmar as boas impressões deixadas em "Shooting Dogs — Testemunhos de Sangue", de Michael Caton-Jones. Já Patrick Wilson é menos memorável, pois embora seja competente ampara-se mais no magnetismo físico do que na entrega interpretativa (embora o seu papel também não lhe forneça grandes desafios).

Mesmo sem dar o salto para o núcleo de obras obrigatórias, "Ao Anoitecer" é uma proposta bastante recomendável, desenhando um subtil mapa de experiências e memórias e captando com sensibilidade detalhes das relações amorosas, familiares e sociais, evitando ainda cair na formatação e previsibilidade de um anódino "filme de prestígio". Uma das boas estreias recentes.


E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

domingo, novembro 04, 2007

FERA FERIDA

Pobre Milla Jovovich. É esta a ideia que fica depois de visto ".45", o mais recente filme que protagoniza, e que prova que ainda não é desta que a modelo tornada actriz consegue um papel que a confirme como uma certeza da sétima arte.
É certo que o seu currículo inclui a participação em obras de Richard Linklater, Spike Lee ou Wim Wenders, embora nos últimos anos as suas escolhas tenham incidido em títulos pouco aliciantes como "Resident Evil" ou "Ultravioleta", que lhe oferecem pouco espaço para demonstrar o seu talento interpretativo.

".45", estreia na realização do norte-americano Gary Lennon, poderia ser um ponto de viragem na sua carreira, já que lhe pede que faça mais do que contracenar com explosões e efeitos especiais, sendo um drama urbano com potencial, mas é pena que arranque mal e nunca consiga melhorar.

Jovovich encarna Kat, a atraente e carismática namorada de um respeitado traficante de droga, Big Al, e tudo lhes corre bem até ao momento em que as constantes crises de ciúmes ameaçam dinamitar a relação. Juntando desconfianças sobre a infidelidade da sua companheira e muito álcool, Big Al adopta um comportamento cada vez mais agressivo, passando do insulto verbal à violência física, e deixa Kat numa encruzilhada sobre o seu futuro.

".45" começa com um misto de irreverência e tentativa de provocação, apresentando personagens feias, porcas e más, ainda que supostamente cool, que disparam diálogos carregados de palavras pouco simpáticas. Nada contra, afinal nem todos os filmes têm que focar gente adorável, o problema é que não é Tarantino nem Scorsese quem quer, e Gary Lennon não constrói mais do que personagens caricaturais, sem a espessura emocional que as torne interessantes.

Isto até poderia funcionar se o argumento do filme fosse minimamente criativo e surpreendente, e se por vezes até acaba por sê-lo, é só pelos piores motivos. A protagonista passa de mulher de armas a menina desprotegida, vítima das circunstâncias, e ".45" aproveita a oportunidade para se transformar num panfleto contra a violência doméstica, apelando a que as mulheres não hesitem na denúncia dos horrores que sofrem em privado.
O propósito poderá ser nobre, já o modo como é trabalhado não vai além dos vícios de telefilme "caso-da-vida", e nem as cenas de nudez (algo desnecessárias) nem o misto de ficção e reportagem (através dos depoimentos das personagens de frente para a câmara) fazem com que o produto final seja mais arrojado.

Filme de auto-ajuda disfarçado de retrato realista, cruel e visceral do quotidiano em bairros "perigosos" de Nova Iorque, ".45" até acaba por trair as suas boas intenções quando a protagonista adopta atitutes não muito menos condenáveis do que as do namorado. Pelo menos a "mensagem" que Lennon passa é a de que na vida vale tudo, desde que feito em nome da emancipação feminina, num testemunho de girl power que até faria corar de vergonha as Spice Girls.

Na recta final do filme há ainda espaço para o twist mais previsível do ano - mal preparado, mesmo, e revelado numa cena anterior -, resultado de um conjunto de sequências inverosímeis que infelizmente pretendem ser levadas a sério.
No meio disto os actores pouco podem fazer, e se Angus MacFadyen é um Big Al canastrão, Stephen Dorff e Sarah Strange ainda são capazes de injectar alguma consistência às suas personagens, mais do que a que ".45" merece. Milla Jovovich também se esforça, e chega a gritar muito em cenas "chocantes" que, contudo, se habilitam a causar pouco impacto já que a sua personagem insiste em não gerar empatia. Como este pouco auspicioso filme, de resto.


E O VEREDICTO É: 1/5 - DISPENSÁVEL

WINDOWS 2007

Espectáculo que recorre a 4 artistas de várias áreas diferentes, "Window" junta Mônica Coteriano (dança/voz/textos), Tó Trips e Pedro Gonçalves - os Dead Combo -(música) e André Gonçalves (multimédia).
Em causa está uma reflexão em torno do conceito de janela que ora oferece momentos cantados ou de spoken word, pequenos devaneios espirituosos e muita imaginação na forma como são aproveitados os dois painéis do palco, resultando numa criativa conjugação de som e imagem.

Uma das iniciativas do Festival Temps D'Images a descobrir esta noite pelas 21h30 no Teatro Maria Matos, em Lisboa.

sexta-feira, novembro 02, 2007

UM FILME PARA ACORDAR O PASSADO

Um dos temas recorrentes de parte do cinema português dos últimos anos é o do passado recente do país, em particular questões relacionadas com o antigo regime, exploradas em títulos como "Inferno" ou "20,13", de Joaquim Leitão; "Os Imortais", de António-Pedro Vasconcelos; "Capitães de Abril", de Maria de Medeiros; ou "Preto e Branco", de José Carlos de Oliveira, entre outros.

"Julgamento", de Leonel Vieira, também volta a mexer em algumas feridas eventualmente por sarar, uma vez que no centro dos acontecimentos estão reminiscências de torturas efectuadas pela PIDE a alguns dos protagonistas, obrigando-os a lidar com fantasmas de uma outra época que regressam através de um reencontro inesperado.

Ao assistir a um julgamento em que a sua filha participa como advogada de defesa, Jaime, um professor universitário de meia idade, reconhece no arguido traços de um agente da PIDE que o torturou nos seus tempos de jovem antifascista, e que terá sido um dos responsáveis pela morte de Marcelino, um dos seus melhores amigos.

A revolta que acumulou ao longo dos anos encoraja-o a procurar respostas e a fazer justiça pelos seus próprios meios, e assim rapta o suposto ex-agente e leva-o para a sua casa de campo, onde as regras do jogo são agora ditadas por si. Esse confronto torna-se ainda mais conturbado quando a filha de Marcelino, com quem mantém uma relação, e dois amigos de longa data também alvo da acção da PIDE, acabam por ter conhecimento do rapto e reagem de modo díspar e hesitante, gerando um problema legal e moral de difícil resolução.

Desdobrando-se entre o thriller e o drama, "Julgamento" confirma o eclectismo estilístico de Leonel Vieira, que aqui apresenta um filme nos antípodas da comédia de "A Bomba", do romance de "A Selva" ou do olhar sobre a juventude urbana de "Zona J".
De tom menos ligeiro do que alguns desses títulos, mergulha num retrato geracional de forma mais densa e madura do que se esperaria, evitando as tentações de algum cinema assumidamente comercial que se faz por cá - não há por aqui overdoses de cenas de sexo gratuitas, linguagem censurável ou violência despropositada.

Tecnicamente, Vieira mantém a eficácia pela qual já se havia distinguido, apostando numa realização fluída e dinâmica, mas não epiléptica, num apurado trabalho de fotografia e iluminação e numa banda-sonora capaz de sugerir tensão sem resvalar para picos dramáticos insuflados.

O argumento exibe algumas semelhanças com o de "A Noite da Vingança", de Roman Polanski, que também era marcado por fortes contornos políticos (nomeadamente ditatoriais), onde uma vítima raptava o seu suposto torturador, ainda que "Julgamento" esteja longe de ser um exercício copista, conseguindo definir personagens e ambientes próprios.

Por vezes o debate interno do protagonista é previsível e o de algumas das outras personagens fica por explorar com um grau de complexidade mais acentuado, mas o filme está uns degraus acima de um mero objecto panfletário pronto a despertar consciências, contando com figuras adequadamente ambíguas e credíveis. Também era difícil não o fazer tendo em conta o elenco, sem dúvida um dos mais consistentes vistos numa película portuguesa nos últimos tempos, que concentra uma galeria de veteranos como Júlio César, José Eduardo, Carlos Santos e Henrique Viana, este no seu último papel.

Todos oferecem fortes interpretações, embora Júlio César talvez seja o que mais impressione uma vez que a sua personagem, a protagonista, é a que permite maior versatilidade. Alexandra Lencastre confirma as sólidas impressões que os seus últimos trabalhos têm reforçado, sobretudo os que fez com Fernando Lopes ("O Delfim", "Lá Fora"), e Fernanda Serrano não compromete num papel que poderia ter mais relevo.

"Julgamento" poderá não ser ainda o filme que levará a que Leonel Vieira seja considerado um "autor" pelos seus detractores, mas é um digno exemplo de cinema que tem em vista o grande público sem prescindir de uma abordagem inteligente às questões que foca, servindo-a com uma profissionalíssima embalagem industrial. Caso raro tanto em filmes portugueses como estrangeiros, e que por isso mesmo impõe que este seja saudado, visto e divulgado.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

quinta-feira, novembro 01, 2007

TECHNO MINIMAL NUMA NOITE ESPECIAL

Na madrugada de hoje, a discoteca Lux, em Lisboa, teve uma sessão de Halloween diferente ao acolher Gui Boratto, produtor, compositor e DJ brasileiro cuja música não podia estar mais distante do cardápio sonoro habitual no dia das bruxas.

Não que isso tenha sido uma condicionante, pelo contrário, já que não foram poucos os que quiseram dançar ao som de "Chromophobia", o disco de estreia do músico, gerando uma enchente impressionante e longas filas à porta do espaço, onde mesmo durante a actuação muitos aguardavam ainda a entrada.

Um dos nomes mais fortes da Kompakt, editora alemã que tem dado cartas na área da música de dança, em particular do techno minimal, Gui Boratto conta já com 10 anos de percurso como produtor, durante os quais colaborou com figuras tão diferentes como Manu Chao, Chico Buarque, Des'ree ou Garth Brooks.
Esses trabalhos pouco ou nada têm a ver, contudo, com os que faz hoje, alicerçados numa electrónica engenhosa e subtil, simultaneamente dançável e contemplativa, recheada de pormenores mas com um apelo melódico directo.
Singles como "Arquipélago" ou "Like You", assim como remisturas para temas da banda-sonora do filme "Cidade de Deus", de Fernando Meirelles, concederam-lhe uma aura de respeito que o disco de estreia consolidou, sendo uma das edições mais entusiasmantes do ano.

No set que apresentou nesta madrugada, Boratto voltou a demonstrar os seus méritos em cerca de duas horas onde desfilaram não só composições de "Chromophobia" mas também algumas dos EPs que lançou antes.

Ao vivo a maioria dos temas adquiriu uma vertente mais funcional e por vezes abrasiva do que o que pode ouvir-se nos discos, onde o apelo dançável surgiu mais pronunciado e o techno nem sempre foi minimal, optando a espaços por um maior dinamismo e aceleração. Esta opção impediu que o alinhamento fosse tão ecléctico como o do álbum de estreia do DJ, uma vez que não incluiu, por exemplo, nenhum dos episódios de tons mais ambientais, embora no geral Boratto tenha dado uma prova de eficácia, sabendo como animar a expectante multidão que preenchia toda a pista de dança e que não parou enquanto as canções se foram sucedendo.

Não por acaso, as de "Chromophobia" foram que resultaram melhor, recebidas com recorrentes aplausos e gritos, em especial a mecânica e incisiva "Gate 7" ou a reluzente "Beautiful Life", um dos raros casos que se desviou do techno para se aproximar das fronteiras de uma pop encantatória e imediata.

Suficientemente hipnótico e pulsante, este set de Gui Boratto contribuiu para reforçar o estatuto de rapaz-prodígio que muitos lhe têm concedido, dando bons motivos para que os seus passos continuem a ser acompanhados pois o melhor ainda poderá estar para vir.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM