segunda-feira, dezembro 31, 2007

FELIZ ANO NOVO :)

Mais um ano a terminar, e ainda não foi neste que consegui colocar a lista de melhores filmes a tempo... mas prometo que não tarda. Entretanto, outros episódios marcantes de 2007 podem ser revisitados aqui.
E enquanto se aguarda a chegada de 2008, proponho que a festa vá começando ao som de canções como esta:




The Dandy Warhols - "Everyday Should be a Holiday"

sábado, dezembro 29, 2007

OS MELHORES DE 2007: DISCOS

Entre a new rave, o techno minimal, o regresso do french touch, algum dubstep, novos nomes do shoegaze, rock q.b. e três ou quatro singers-songwriters, deixo 2007 com memórias de muitos bons discos mas poucos que de facto me arrebataram.
Como é habitual, houve várias boas surpresas (NYPC, Maps), algumas desilusões (NIN, Smashing Pumpkins), outras tantas confirmações (The Go! Team, Bloc Party) e uma série de canções de excepção, e mesmo que os álbuns tenham sido menos brilhantes acho que pelo menos os 30 que enumero abaixo valem a pena (e a maior parte dos que ouvi está aqui):


1 - "Les Chansons d'Amour", Alex Beaupain
Nem sempre um dos melhores filmes do ano tem banda-sonora à altura, mas em "Les Chansons d'Amour" isso acontece. Partindo de composições de Alex Beaupain, os actores do filme dão voz a relatos de melancolia em canções simples mas exemplares como "Les Yeux au Ciel", "Ma Mémorie Sale" ou "La Bastille". Louis Garrel sai-se particularmente bem, embora todos mereçam elogios por um belo disco que se destaca - e de que maneira - como objecto que vale por si.

2 - "Fantastic Playroom", New Young Pony Club
Quando a maioria das bandas que recolhe influências do pós-punk apenas insiste em fórmulas gastas, a estreia dos NYPC prova que ainda há quem consiga gerar um álbum refrescante e enérgico do princípio ao fim. Basta ouvir "The Bomb", "Hiding on the Staircase" ou "Ice Cream" para tirar as dúvidas.

3 - "We Are the Night", The Chemical Brothers
Com o seu álbum mais consistente desde "Surrender", Tom Rowlands e Ed Simons provam que ainda são os reis das pistas de dança. Novamente concentrando várias colaborações, dos Midlake a Willy Mason, passando pelos Klaxons (que em "All Rights Reserved" têm a sua melhor canção), "We Are the Night" é um belo espelho da electrónica - facção dançável - que se fez em 2007.

4 - "Fur and Gold", Bat For Lashes
Lembra Feist, Tori Amos, Björk ou Cat Power, mas consegue diferenciar-se destas. Num dos mais sedutores e intrigantes discos do ano, a britânica Natasha Khan inaugura uma carreira promissora que deixa já admiráveis provas de talento e sensibilidade em canções como "Bat's Mout", "Prescilla" ou "What's a Girl to Do?".

5 - "Chromophobia", Gui Boratto
Uma das revelações recentes da editora alemã Kompakt, o brasileiro Gui Boratto oferece no seu primeiro álbum novas cores e camadas ao techno minimal, conjugando apelo dançável e momentos contemplativos. Seja em episódios luminosos como "Scene 1", mais sombrios como "The Blessing" ou no hino "Beautiful Life", "Chromophobia" é quase sempre um disco viciante, para ir (re)descobrindo aos poucos.

6 - "We Can Create", Maps
Num ano em que vários projectos revisitaram o shoegaze - Asobi Seksu, Film School, Relay -, o de James Chapman foi talvez o mais convincente. Inspirado testemunho de pop atmosférica, "We Can Create" é sempre cativante e por vezes irresistível, e não foram muitos os discos com pérolas do calibre de "Elouise", "Back and Forth" ou "You Don't Know Her Name".

7 - "The Bird of Music", Au Revoir Simone
A banda preferida de David Lynch apresenta no seu segundo álbum um conjunto de canções que não destoaria num filme de Sofia Coppola: etéreas, serenas e de considerável carga onírica, as suas experiências pop são algumas das mais bonitas e reluzentes que se ouviram em 2007.

8 - "Saltbreakers", Laura Veirs
Baseando-se em reflexões em torno do sal e da água, Laura Veirs narra no seu sexto álbum uma série de histórias condimentadas por um equilibrado cruzamento de folk, alternative country e indie rock. Da trepidante "Phantom Mountain" à melancólica "Don't Lose Yourself", "Saltbreakers" é mais uma obra recomendável de uma singer-songwriter que merece mais atenção.

9 - "This Bliss", Pantha du Prince
No seu segundo álbum, o alemão Hendrik Weber desenha algumas das mais fascinantes paisagens alicerçadas no techno minimal, em composições milimetricamente trabalhadas que por vezes originam autênticos oásis sonoros como o belíssimo "Saturn Strobe" ou o hipnótico "Florac". Mais um caso que ajuda a explicar porque é que a electrónica viveu um bom ano.

10 - "Happy Birthday!", Modeselektor
Conjugação improvável de hip-hop, electro, techno, dub e grime, o mais recente registo da dupla alemã Gernot Bronsert e Sebastian Szary alia excentricidade, sentido de humor e experimentalismo numa das propostas mais inventivas do ano. Canções como "Let Your Love Grow", "The White Flash" (com Thom Yorke) ou "Godspeed" fazem deste um disco a ter por perto para várias audições.

11 - "The Magic Position", Patrick Wolf
12 - "White Chalk", PJ Harvey
13 - "The One", Shinichi Osawa
14 - "Citrus", Asobi Seksu
15 - "A Weekend in the City", Bloc Party
16 - "Proof of Youth", The Go! Team
17 - "23", Blonde Redhead
18 - "Lucky Boy", DJ Mehdi
19 - "No Shouts No Calls", Electrelane
20 - "Stateless", Stateless
21 - "Idealism", Digitalism
22 - "Hideout", Film School
23 - "The Con", Tegan and Sara
24 - "Our Love to Admire", Interpol
25 - "An End Has a Start", Editors
26 - "Untrue", Burial
27 - "Walls", Apparat
28 - "Learn to Sing Like a Star", Kristin Hersh
29 - "V Live", Vitalic
30 - "LP 1", Plasticines

5 Discos Portugueses:

1 - "0dd Size Baggage", Micro Audio Waves
2 - "Console Pupils", U-Clic
3 - "Cintura", Clã
4 - "Adriano Aqui e Agora - O Tributo", Vários
5 - "Dreams in Colour", David Fonseca


Outras distinções:

- Barrete do ano: Battles
- Tanto barulho por (quase) nada: Radiohead - grande campanha de marketing para um disco mediano
- Ainda estão aí para as curvas: Chemical Brothers
- Que venham para ficar: New Young Pony Club
- Mais do mesmo, mas desta passa: Interpol
- Mais do mesmo, e já chateia: Manic Street Preachers
- "Apedrejamento" mais injusto: Bloc Party
- Melhor compilação: "Kitsuné - Boombox"

FOTOGRAMAS DE 2007 (X)

"No Mundo das Mulheres", de Jake Kasdan

sexta-feira, dezembro 28, 2007

OS MELHORES DE 2007: CANÇÕES

Foi difícil, mas lá consegui escolher as minhas 30 canções preferidas de 2007, e como seria ainda mais árduo apresentá-las por ordem de preferência optei por não o fazer. De qualquer forma, ponho as mãos (ou os ouvidos) no fogo por qualquer uma destas:

LCD Soundsystem - "Someone Great"
The Chemical Brothers - "Burst Generator"
New Young Pony Club - "Hiding on the Staircase"
Simian Mobile Disco - "Sleep Deprivation"
Digitalism -
"Pogo"
Au Revoir Simone - "The Way to There"
Laura Veirs - "Don't Lose Yourself"
Bat For Lashes - "Priscilla"
The Go! Team - "Grip Like a Vice"
Film School - "Compare"
Stateless - "The Language"
Pantha Du Prince - "Florac"
Pantha Du Prince - "Saturn Strobe"
Alex Beaupain /Vários - "La Bastille"
David Fonseca -
"This Raging Light"
Micro Audio Waves -
"Odd Size Baggage"
Supermayer - "Please Sunshine"
Metric -
"Soft Rock Star"
Riot in Belgium - "La Musique"
Maps - "You Don't Know Her Name"
Editors -
"An End Has a Start"
Interpol - "Rest My Chemistry"
Feist -
"My Moon My Man" (assim como a remistura de Boys Noize)
Blonde Redhead - "Spring and by Summer Fall"
The Honeydrips - "Fall From a Height"
Underworld -
"Glam Bucket"
Modeselektor - "Godspeed"
Modeselektor feat. Thom Yorke - "The White Flash"
Freescha - "Moving"
Shinichi Osawa - "Last Days"

Aceitam-se sugestões ou reclamações :)

FOTOGRAMAS DE 2007 (IX)

"As Vidas dos Outros", de Florian Henckel von Donnersmarck

quinta-feira, dezembro 27, 2007

OS MELHORES DE 2007: CONCERTOS

Num ano que pareceu querer bater os recordes de concertos por dia, os palcos portugueses acolheram muitos repetentes e estreantes - Nine Inch Nails, Interpol ou Beastie Boys, entre muitos outros -, sintoma da oferta massiva tanto em festivais como em espectáculos isolados.
Apesar de ainda ter ido a alguns festivais, com destaque para o meu primeiro Paredes de Coura, lamento ter perdido o Super Bock Super Rock, que contou com um dos melhores cartazes do ano. Mesmo assim, não me posso queixar já que vi alguns concertos de que gostei muito, o que já não ocorreu tanto em relação aos discos - mas a esses já lá vamos daqui a uns dias.
Abaixo deixo a lista dos 10 melhores, sem ordem de preferência porque os 6 primeiros estão empatados:

Bloc Party no Coliseu de Lisboa. Foto: Vera Moutinho

- The Chemical Brothers no Dance Station
-
Bloc Party no Coliseu de Lisboa
-
Nine Inch Nails no Coliseu de Lisboa
-
Soulwax no Creamfields
-
The Go! Team no Alive!
-
Interpol no Coliseu de Lisboa
-
Micro Audio Waves no MusicBox
-
Cansei de Ser Sexy no Lux
-
Patrick Wolf no Lux
-
Clã na Aula Magna

Destaque, também, para os Beastie Boys e Rakes no Alive!, New Young Pony Club em Paredes de Coura ou Massive Attack no Coliseu de Lisboa. Para as semi-desilusões entram os Placebo no Creamfields e os Smashing Pumpkins no Alive!, e dos mais fraquinhos que vi lembro-me dos Babyshambles, Dinosaur Jr ou New York Dolls, todos em Paredes de Coura.
E por aí, que concertos de 2007 merecem ser destacados?

quarta-feira, dezembro 26, 2007

FOTOGRAMAS DE 2007 (VIII)

"À Prova de Morte", de Quentin Tarantino

segunda-feira, dezembro 24, 2007

BOM NATAL :)


FOTOGRAMAS DE 2007 (VII)

"Homem-Aranha 3", de Sam Raimi

domingo, dezembro 23, 2007

VIAGEM SONORA À NOITE LONDRINA

No ano passado, tornou-se numa das figuras de proa da música de dança ao gerar um dos discos de estreia mais aplaudidos do underground londrino, e agora desencadeia reacções igualmente entusiasmadas com o registo sucessor, "Untrue". Burial, cuja identidade permanece uma incógnita, volta a dar motivos para que haja esperança para o dubstep, subgénero que congrega reminiscências do 2step, dub e beats hip-hop, entre outros condimentos, e que tem despertado atenções em torno de nomes como Boxcutter, Skream ou Kode9.

Se no álbum anterior Burial se distinguiu destes ao apresentar traços de personalidade bem vincados, o seu sucessor reforça-os ao conceder protagonismo a vozes que complementam as complexas texturas instrumentais pelas quais o músico já se havia notabilizado. Estas vocalizações, de travo soul on acid, por vezes quase alienígenas, aumentam a estranheza das composições e tornam-nas numa apropriada banda-sonora para viagens nocturnas em ambientes urbanos, traduzindo uma aura por vezes sinuosa, ocasionalmente claustrofóbica e sempre sombria.

"Untrue" talvez não seja a pedrada no charco que muitos aqui identificam, uma vez que o que contém já foi percorrido por outros - notam-se aqui atmosferas negras próximas do trip-hop de Tricky, uma ousadia rítmica que remete para Goldie ou os primeiros passos de DJ Shadow e um espectro onírico herdeiro dos experimentalismos dos Future Sound of London.

Admita-se, no entanto, que apesar desses paralelismos Burial consegue ainda um som único, capaz de gerar episódios absorventes e inquietantes como o R&B bizarro e espacial de "Archangel", o apropriadamente intitulado "Homeless", que transpõe para a música o isolamento e solidão das grandes metrópoles, o contemplativo mas dançável "Raver", que incorpora elementos do techno minimal, ou os fantasmagóricos "Etched Headplate" e "Near Dark", este último com uma voz que repete "I can't take my eyes of you" e deixa dúvidas sobre se esta é uma canção de amor ou de obsessão.
"In McDonalds", de tom nostálgico, quase podia ser do primeiro álbum dos Bent, já "Endorphin" percorre territórios algo duvidosos quando as vozes parecem saídas de um projecto new age na linha de uns Deep Forest.

Tal como o seu autor, "Untrue" é um disco misterioso, para ir descobrindo aos poucos, conseguindo prender a atenção durante várias audições à medida que se vão descortinando novos pormenores, seja no barulho da chuva no início de uma canção, nos pequenos estalos de vinyl ou em qualquer outro efeito que parecia submerso nas intrincadas texturas mas que acaba por se evidenciar. Se é um grande álbum só o tempo o dirá, mas por enquanto vai-se revelando viciante q.b..


E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM



Burial - "Ghost Hardware"

quinta-feira, dezembro 20, 2007

FOTOGRAMAS DE 2007 (VI)

"O Último Capítulo", de Darren Aronofsky

quarta-feira, dezembro 19, 2007

IT'S THE BEAT!

Autores de "Attack Decay Sustain Release", álbum que contém algumas das mais infecciosas canções dos últimos tempos - como "Sleep Deprivation" ou "Hustler" -, os Simian Mobile Disco foram uma das curiosas surpresas musicais do ano. Eu e o Pedro Neves falámos há uns tempos com James "Jas" Shaw, metade do duo britânico, e parte da conversa pode ser vista no vídeo aqui em baixo:


segunda-feira, dezembro 17, 2007

FOTOGRAMAS DE 2007 (V)

"As Canções de Amor", de Christophe Honoré

sábado, dezembro 15, 2007

OS MENINOS DANÇAM

Recentemente, a música de dança tem ganho alguns nomes que recuperam uma pujança e energia comparáveis às de outros que a catapultaram para o mainstream em meados da década de 90.
Projectos como os Justice, Digitalism, MSTRKRFT ou Simian Mobile Disco, entre outros, injectam hoje nas pistas uma visceralidade não muito distante da praticada por uns Prodigy, Chemical Brothers ou Daft Punk na década passada. Estes últimos são especialmente reconhecidos como uma das maiores influências de novos artistas em ascensão, e as fusões electro, rock, house e por vezes disco que os seus sucessores demonstram não deixam muitas dúvidas desse legado.

É o caso do alemão Alex Ridha, mais conhecido como Boys Noize, que no seu álbum de estreia, "Oi Oi Oi" se afirma como mais um nome confirmar a tendência.

As suas remisturas para gente como os Bloc Party, Kaiser Chiefs ou Depeche Mode já haviam demonstrado a sua precisão na gestão de ritmos infecciosos e abrasivos, e o disco segue essa linha através de batidas cruas, sintetizadores distorcidos, vocoders ruidosos e melodias ácidas.

Directo e intenso, "Oi Oi Oi" é um prodígio de eficácia nas pistas de dança, obrigando ao movimento dos músculos e susceptível de levar à euforia generalizada.
Temas como "& Down", que abre o disco de forma certeira, "Arcade Robot", com hipnóticas ondulações circulares, ou o contagiante e muito catchy "Oh!" justificam atenção, funcionando enquanto portentos de energia cinética e composições imaginativas. "Shine Shine" é um interessante misto de vozes robóticas e atmosferas um pouco mais apaziguadas e "Don't Believe the Hype" propõe uma absorvente viagem por camadas electro, e ainda que nada disto seja especialmente inovador prova que Boys Noize é um nome a reter.

Mesmo assim, embora todo o alinhamento seja inegavelmente funcional numa pista de dança, nem tudo resulta bem noutros contextos, e em audições caseiras "Oi Oi Oi" pode cansar pela repetição de ideias em algumas canções, que denunciam o escasso electismo do alinhamento. "The Battery" ou "Wu-Tang (Battery Pt.2)" são disso exemplo, queimando muita energia sem sairem da previsibilidade, lembrando os momentos mais fracos de "Human After All", o último de originais dos Daft Punk, registo que no geral "Oi Oi Oi" consegue superar.

Não sendo um disco de eleição, a estreia de Boys Noize cumpre e impõe-se como um sólido party album, ainda que obscuro q.b., e é especialmente recomendável na edição britânica, que inclui como tema bónus a estupenda remistura para "My Moon My Man", de Feist, que não só esmaga qualquer outro momento como é uma das melhores que se ouviu em 2007.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM



Boys Noize - "&Down"

quinta-feira, dezembro 13, 2007

ESTREIA DA SEMANA: "A HISTÓRIA DE UMA ABELHA"

Numa semana de poucas e não muito estimulantes estreias, o destaque possível vai todo para "A História de uma Abelha" (Bee Movie), o aguardado filme de animação que tem a particularidade de contar com Jerry Seinfeld na voz do protagonista. A premissa parte de uma abelha que não só se recusa a aceitar as regras que lhe são impostas para o seu modo de vida, como ainda trava amizade com uma florista e acaba por gerar uma guerra contra os humanos quando os processa por roubarem mel.
Em tempo de fracas comédias, talvez valha a pena espreitar esta.

Outras estreias:

"Amor e Outros Desastres", de Alek Keshishian
"O Irmão do Pai Natal", de David Dobkin
"O Sonho Comanda a Vida", de Jake Paltrow



Trailer de "A História de Uma Abelha"

quarta-feira, dezembro 12, 2007

FOTOGRAMAS DE 2007 (III)

"The Bubble", de Eytan Fox

CRIME E CASTIGO

Gus Vant Sant é uma das vozes mais respeitadas e singulares do cinema independente norte-americano, com uma filmografia que ultrapassou já as duas décadas e que inclui títulos tão aclamados como "O Cowboy da Droga" ou "My Own Private Idaho", da fase incial do seu percurso, "Descobrir Forrester" ou "O Bom Rebelde", onde se aproximou do mainstream, ou "Elephant", que após estes voltou a colocá-lo na lista dos cineastas mais inovadores do momento.

Esta originalidade e idiossincrasia nem sempre gerou, contudo, resultados interessantes, como os áridos e pretensiosos "Gerry" ou "Last Days - Últimos Dias" infelizmente confirmaram, e o mais recente "Paranoid Park", embora seja mais estimulante do que esses dois exemplos, aproxima-se mais da mediania do que de um memorável rasgo de génio.

O facto do filme ter sido nomeado para a Palma de Ouro na última edição de Cannes e de ter ganho o prémio do 60º Aniversário do mesmo festival confirma que o realizador continua com boa reputação junto de grande parte da crítica, e se é injusto não reconhecer alguns méritos nesta nova proposta também é verdade que esta pouco acrescenta ao universo temático de Van Sant.

Mais uma vez, há aqui uma abordagem à adolescência, à solidão e ao crescimento, neste caso através do retrato do quotidiano de um skater de 16 anos de Portland, à superfície um jovem igual a tantos outros mas que no seu íntimo se debate com as consequências de um inquietante segredo.
Quando a polícia vai à sua escola para o interrogar acerca de uma morte, o protagonista volta a confrontar-se com as memórias de uma noite em que se encontrou com outros adolescentes no Paranoid Park, local de culto para skaters, e de onde saiu para se envolver numa série de episódios que o filme vai revelando aos poucos.

Com uma narrativa não linear, que se desdobra pelas recordações da personagem principal e recusa a sucessão cronológica dos acontecimentos, "Paranoid Park" mergulha nas ansiedades e descobertas da adolescência, assim como na forma como um jovem lida com sentimentos de culpa e se debate com indecisões morais.

Van Sant investe aqui num realismo poético próximo do que dominou os seus três trabalhos anteriores - "Gerry", "Elephant" e "Last Days - Os Últimos Dias", a trilogia da morte -, tornando o filme numa experiência sensorial para a qual contribui a realização que entrecruzada cenas de skaters filmadas em 8MM com as restantes, em 35, quase a fazer a ponte com o docudrama.
Não menos determinante é a fotografia de Christopher Doyle, colaborador habitual de Wong Kar Wai - que aqui adapta a sua estética à de Van Sant, prescindindo da energia cinética a favor da sobriedade cenográfica -, ou a presença da diversificada banda-sonora - Elliott Smith, em particular, volta a resultar muito bem num filme do realizador, reforçando o tom melancólico tal como em "O Bom Rebelde".

O elenco, maioritariamente constituído por actores amadores seleccionados a partir do MySpace, exibe a espontaneidade necessária para que as situações sejam credíveis, e o protagonista, Gabe Nevins, tem precisamente o olhar entre o lacónico e o alienado que o papel requer.

E no entanto, apesar destes elementos meritórios, "Paranoid Park" não chega a ser uma obra que conquiste por completo, já que a narrativa não consegue afastar a monotonia que se instala ao fim de poucos minutos, sobretudo porque Van Sant volta a cair num excesso de cenas contemplativas que tentam compensar a intensidade que as personagens não têm.

É certo que se recusam estereótipos adolescentes veiculados por muitos filmes americanos, mas quem já viu títulos anteriores do realizador tem pouco a descobrir aqui. Os corredores de um liceu já foram percorridos e filmados desta forma, assim como a falta de comunicação e o desconforto urbano já foram abordados com este minimalismo estético e narrativo.

Esta história talvez resultasse melhor numa média metragem, que não precisaria tanto de insuflar a acção com sequências inconsequentes e circulares, uma vez que hora e meia é muito para o pouco que há para contar.
Sem grande pulsão dramática, acaba por resultar num filme demasiado clínico e distante, de duvidoso impacto emocional, onde alguns bons condimentos não são estruturados de forma a que o todo funcione.

Não chegando a ser constrangedor como o seu antecessor, "Last Days - Os Últimos Dias", "Paranoid Park" também não deixa de ser uma semi-desilusão, raramente saindo da competência que poderia ter sido atingida por um esforçado imitador ou colega de Van Sant. Uma proposta a considerar, ainda assim, mas quem quiser encontrar o realizador num trabalho à altura do seu estatuto fará melhor em (re)ver "Elephant".

E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL

domingo, dezembro 09, 2007

FOTOGRAMAS DE 2007 (II)

"Pecados Íntimos", de Todd Field

sexta-feira, dezembro 07, 2007

ENTRE A POP E O ROCK COM MUITO JOGO DE CINTURA

Nos últimos meses, os Clã têm andado pelo país na digressão de promoção de "Cintura", o seu quinto disco de originais, mas foi no concerto de ontem na Aula Magna, em Lisboa, que a banda terá tido a maior prova de fogo até agora.
Com um maior número de espectadores do que nos espaços por onde tem passado e com um cuidado cénico adaptado às especificidades da sala, o espectáculo colocou a banda frente a um auditório quase repleto, ao qual apresentou o novo disco na íntegra pela primeira vez.

O ambiente foi quase sempre féerico e dinâmico logo desde os primeiros minutos, com três temas inaugurais retirados de "Cintura". "Vamos Esta Noite", que também é o tema inicial do álbum, lançou o mote, e juntamente com "Mandarim" e o single "Tira a Teima" promoveu um arranque suficientemente convidativo.
Foi, contudo, com o mais velhinho, mas ainda muitíssimo contagiante "GTI" que a noite registou o primeiro grande momento de êxtase generalizado, apresentando a canção com roupagens mais eléctricas.

"O Meu Estilo", outro tema de "Kazoo", foi ainda mais pujante, uma explosão de energia visceral devidamente canalizada pela atitude de Manuela Azevedo, a quem o epíteto "animal de palco" assentou aqui especialmente bem. O facto da canção ser menos mediática do que a anterior terá explicado o facto do público não ter reflectido muito a vibração da vocalista, embora não tenha impedido que este se inclua entre os grandes episódios do concerto.

Versátil mas coerente, o alinhamento mostrou as várias facetas da música dos Clã, desde estes acessos de dinamismo rocker até atmosferas nos seus antípodas, como numa versão minimalista de "Sopro do Coração", reduzida a voz e guitarra acústica (para muitos o momento de eleição do espectáculo) ou na igualmente discreta "Sexto Andar", um dos melhores temas do algo desequilibrado "Cintura", que "por pouco ficava de fora do álbum", como explicou Manuela, o que seria uma pena já que é uma bela reflexão de três minutos sobre a magia das canções.

Além de concentrados de aspereza e sensibilidade, houve ainda espaço para temas irreverentes e espevitados como "Carrossel dos Esquisitos" ou "Topo de Gama", este último com direito um (óptimo) final mais musculado e caótico do que a versão apresentada em "Rosa Carne".

Canções obrigatórias como "Problema de Expressão", "Dançar na Corda Bamba" ou "H2omem" (devidamente acompanhada pela conhecida coreografia, partilhada pela vocalista e público) conviveram sem problemas com as mais recentes, ainda que nem todos os momentos de "Cintura" convençam tanto como muitos dos mais antigos.

Ao vivo, contudo, essa relativa disparidade foi um pormenor quase irrelevante, uma vez que quer a singularidade cénica - com luzes de várias cores projectadas num painel de metais no fundo do palco, complementadas pela simplicidade de um barco e aviões de papel junto dos músicos - quer o empenho da banda mantiveram um ritmo quase sempre entusiasmante, ou pelo menos seguro.

Manuela Azevedo, além de cantar com a voz que já nada tem a provar, fez questão de se manter irriquieta, saltitando, dançando e pulando sem nunca se desequilibrar, não caindo nas armadilhas dos seus finos saltos altos.

Para o final de duas horas com mais de duas dezenas de canções e dois encores, a banda guardou "Amigos de Quem", a estupenda canção que conta com os créditos de Manuel Cruz (não por acaso, soa a um rebento rebelde dos Clã com os Ornatos Violeta) e um tema inédito, nunca gravado mas que funciona impecavelmente ao vivo, num cruzamento acelerado de guitarras em ebulição e voz gutural.

Quem quiser comprovar os méritos de uma banda em forma ainda vai a tempo de apanhar os concertos agendados para o Casino da Figueira da Foz, no próximo dia 8, ou para a Casa da Música, no Porto, dia 12.

E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM



Entrevista a Manuela Azevedo e Hélder Gonçalves

quinta-feira, dezembro 06, 2007

ESTREIA DA SEMANA: "PEÕES EM JOGO"

Tom Cruise, Meryl Streep e Robert Redford são os protagonistas do novo filme realizado por este último, "Peões em Jogo" (Lions for Lambs). O elenco é promissor, e aliado à temática - os EUA actuais, com particular ênfase na abordagem à política, media, educação e guerra - parece torná-lo numa das obra com potencial. A conferir a partir de hoje.

Outras estreias:

"12:08 A Este de Bucareste", de Corneliu Porumboiu
"A Bússola Dourada", de Chris Weitz
"Corações Solitários", de Todd Robinson
"Elas Não Me Largam", de Mark Helfrich



Trailer de "Peões em Jogo"

quarta-feira, dezembro 05, 2007

FUNDO DE CATÁLOGO (7): THE BELOVED

Corria o ano de 1993 quando os britânicos The Beloved editaram o seu segundo álbum, "Conscience". A banda, hoje praticamente esquecida, ao contrário de artistas contemporâneos comparáveis como os New Order ou os Pet Shop Boys, deixou contudo um single que ainda não perdeu a frescura que exibiu na altura. "Sweet Harmony", viciante hino synth pop etéreo, continua uma bela canção com potencial para fazer aumentar a taxa de natalidade, e o videoclip ainda acentua mais essa vertente:


The Beloved - "Sweet Harmony"

Recordações anteriores

FOTOGRAMAS DE 2007 (I)

segunda-feira, dezembro 03, 2007

INDIE DAYS (REPRISE)

A imagem acima pertence a "Analog Days", o belo filme de estreia do norte-americano Mike Ott e uma das melhores surpresas da última edição do IndieLisboa. Este e outros títulos presentes no festival serão reexibidos durante esta semana na Reitoria da Universidade de Lisboa, pelas 18 horas, e a entrada é gratuita. O programa pode ser visto aqui.

domingo, dezembro 02, 2007

AONDE É QUE PÁRA A POLÍCIA?

"Hot Fuzz - Esquadrão de Província" chega a Portugal após uma boa recepção crítica internacional e múltiplas provas de entusiasmo demonstradas por admiradores na Internet, cimentando o estatuto de culto que Edgar Wright já tinha suscitado na série televisiva "Spaced" ou no seu primeiro filme, "Zombies Party - Uma Noite... de Morte" (Shaun of the Dead).

Se nesse trabalho antecessor o realizador britânico satirizou os filmes de zombies, agora vira-se para os de acção, guiando-se pelos mecanismos presentes em muitos blockbusters mas inserindo-os num contexto algo inesperado, uma (aparentemente) pacata aldeia inglesa.
O cruzamento dos códigos dos buddie movies com as idiossicrasias das pequenas povoações da Inglaterra profunda (exploradas em muitas britcoms) é uma boa base para o desenvolvimento de uma comédia original e arrojada, e embora "Hot Fuzz - Esquadrão de Província" tenha ganho muitos adeptos à custa dessa fusão, o seu apelo fica por esclarecer, já que as boas ideias da premissa nem sempre têm execução à altura.

O início é promissor, seguindo o destacamento de um polícia londrino para uma pequena localidade no interior, uma vez que o seu elevado profissionalismo, grau de exigência e eficácia deixavam na sombra os seus colegas. Quando chega ao seu novo local de trabalho, o protagonista mantém a sua obstinação, que mais uma vez é encarada com estranheza pelos que o rodeiam, e ainda que nos primeiros casos de debata com infracções menores acaba por se envolver nos motivos que geraram uma série de mortes, lançando suspeitas para a existência de um serial killer.

"Hot Fuzz - Esquadrão de Província" arranca com energia e diálogos certeiros, exibindo sinais de uma interessante comédia irreverente e offbeat, mas aos poucos vai aderindo a um convencionalismo que nem mesmo o seu flirt com cenas de acção ou gore consegue disfarçar. As conversas entre o protagonista e o seu atabalhoado colega revisitam cenas de filmes de acção emblemáticos como "Bad Boys II" ou "Point Break", o rumo dos acontecimentos lembra por vezes o da saga "Arma Mortífera", ainda que num cenário algo inusitado, e mesmo que esta componente de homenagem/sátira gere momentos curiosos, não vai além disso, sendo pouco para que haja aqui algo marcante.

Aliás, esta mistura de géneros acaba por se tornar num tiro no pé, já que Wright não consegue manter um tom uniforme e faz com que o argumento ande aos solavancos, deixando o espectador hesitante entre momentos cómicos e outros mais crus e de alguma violência gráfica (e o humor negro que se tenta retirar desse cruzamento raramente acerta).

As personagens também não ajudam, pois se Simon Pegg e Nick Frost ainda constituem uma dupla com algum interesse - ainda que presa aos estereótipos dos buddie movies - os secundários são caricaturas sem consistência, o que é pena tendo em conta que muitos são nomes talentosos da britcom, como Martin Freeman, Stephen Merchant ou Paddy Considine.

Com uma duração mais curta, talvez "Hot Fuzz - Esquadrão de Província" resultasse, mas duas horas é claramente demais para um argumento tão raso e que só a espaços oferece sequências de humor pelas quais tem sido destacado - e mesmo essas estão longe de ser hilariantes, confirmando que há mais carisma num episódio de meia hora de muitas comédias britânicas televisivas do que aqui.

Os últimos minutos são particularmente monótonos, assentando num tiroteio supostamente paródico embora tão banal como os de um filme de Jerry Bruckheimer ou Michael Bay. Wright tenta fazer desta uma obra auto-consciente e clever, só que essa pretensão sai vitimada quando não oferece momentos à altura, sendo poucos os rasgos de criatividade de uma comédia que no seu melhor se fica pela mediania e que, com as devidas distâncias, está geralmente mais próxima da banalidade de uma qualquer "Academia de Polícia" do que da ousadia delirante de "Team America - Polícia Mundial".

E O VEREDICTO É: 2/5 - RAZOÁVEL

sexta-feira, novembro 30, 2007

10 BLOGUES, 5 FILMES, 1 REALIZADOR


A tabela relativa a algumas das estreias de Novembro, mais uma vez organizada pelo Knoxville. O realizador do mês foi Robert Zemeckis, do qual não sou grande apreciador mas que ainda assim fez alguns filmes que me marcaram - "Quem Tramou Roger Rabbit?" é daqueles de que gostei aos 7 (ou perto disso) e julgo que continuarei a gostar aos 77.

quinta-feira, novembro 29, 2007

FUTURISMO OLD SCHOOL

Antes de se tornar numa dos nomes fortes da Ed Banger - editora que congrega alguns dos artistas mais emblemáticos da nova electrónica francesa -, DJ Mehdi, ou Mehdi Faveris-Essadi, tinha já um currículo musical respeitável que incluía a participação em bandas de hip-hop como Ideal J e 113, colaborações com MC Solaar, Cassius ou Daft Punk ou composições para as bandas-sonoras de “Mulher Fatal”, de Brian DePalma, ou “Reis e Rainha”, de Arnaud Desplechin.

“The Story of Espion”, o seu álbum de estreia editado em 2002, garantiu-lhe alguns elogios, que foram agora reforçados com o seu segundo disco em nome próprio, “Lucky Boy”, um claro passo em frente onde exibe maior eclectismo e segurança.

Ao contrário da maioria dos seus colegas de editora, como o duo Justice, que recontextualizam referências do french touch de 90 e investem numa nova abordagem entre a house e o rock, DJ Mehdi apresenta temas menos crus e explosivos, centrando-se numa simbiose de hip-hop old school, funk e electro vincada por uma forte carga cinemática e heranças da década de 80.

“Lucky Boy” resulta num interessante conjunto de ambientes, geralmente através de canções instrumentais não muito dinâmicas, de onde sobressai a eficácia de Mehdi como produtor e algum talento na composição, ainda que nunca registe um nível inventivo muito acima da média. Mais agradável do que desafiante, o disco é um curioso caleidoscópio que se empenha na revisitação de estilos e não tanto na projecção de novas ideias, o que não chega a ser um problema já que consegue ser quase sempre absorvente.

Há por aqui vários momentos contagiantes, seja a colaboração com a dupla Chromeo em “I Am Somebody”, um single certeiro e orelhudo, o brevíssimo concentrado de energia de “Signatune”, a sucessão de riffs de guitarra de “Boggin” (um dos poucos que se aproxima da matriz dos colegas da Ed Banger) ou a hipnótica e enigmática faixa-título, que assentaria bem num thriller urbano e elegante.
“Pony Rocking” e “Leave It Alone” ancoram-se num hip-hop sintético com vozes regadas a hélio, “Always Be an Angel” viaja por atmosferas árabes e “Love Bombing” vai desenhando um lento crescendo de intensidade, mantendo-se na fronteira entre o sereno e o inquietante.

Pontualmente há temas menos consistentes, como “Wee Bounce”, cuja percussão repetitiva e imutável acaba por cansar, mas na maior parte dos casos DJ Mehdi convence e faz com que “Lucky Boy” seja um disco capaz de resistir a muitas audições, com potencial para se tornar numa das bandas-sonoras para o quotidiano de muitos.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM



DJ Mehdi feat. Chromeo - "I Am Somebody"

quarta-feira, novembro 28, 2007

ESTREIA DA SEMANA: "PROMESSAS PERIGOSAS"

"Promessas Perigosas" (Eastern Promises) é o melhor filme de David Cronenberg em muitos anos - pelo menos para mim, que não sou um admirador incondicional do quase consensual "Uma História de Violência".
Tal como nessa obra precedente, aqui o realizador canadiano afasta-se dos domínios algo bizarros que dominaram parte da sua cinematografia mas não deixa de ser cru e cortante, oferecendo um consistente drama sobre os interstícios da máfia londrina. Viggo Mortensen, o protagonista, obtém aqui um dos seus desempenhos mais fortes e Naomi Watts e Vincent Cassel reforçam a coesão do elenco, num dos títulos mais aconselháveis do final de 2007. Opinião mais alargada aqui.

Outras estreias:

"Conversas com o Meu Jardineiro", de Jean Becker
"Hitman - Agente 47", de Xavier Gens
"Paranoid Park", de Gus Van Sant
"Uma História de Encantar", de Kevin Lima

segunda-feira, novembro 26, 2007

O MEU TIO

"A Outra Margem", o novo filme de Luís Filipe Rocha, gera desde logo alguma curiosidade por contar com uma dupla protagonista pouco habitual: um tio e um sobrinho onde o primeiro é um travesti e o segundo um adolescente com Síndrome de Down. O resultado, contudo, é menos atípico ou mesmo irreverente do que esta junção poderia sugerir, originando um drama sóbrio e contido que se debruça nas contrariedades das relações humanas, tanto familiares como amorosas, e sobretudo na forma como a diferença as influencia.

Ricardo, que faz espectáculos musicais como travesti num bar lisboeta, entra em desespero após o abrupto suicídio do namorado, mas depois de uma visita da sua irmã, que não via há anos, decide regressar com ela à sua terra natal, uma localidade no interior, local onde deixou um pai desiludido e uma noiva frustrada. É aí que conhece outro familiar, o seu sobrinho Tomás, um jovem com trissomia 21 que aos poucos o vai contagiando com a sua espontaneidade e optimismo, e as conversas que partilham acabam por os encorajar a encetar novas fases nas suas vidas.

Luís Filipe Rocha apresenta aqui um filme corajoso, honesto e sensível, características que compensam alguns dos seus problemas. Um dos maiores é o facto dos primeiros 15/20 minutos não serem especialmente envolventes, presos a cenas com planos demasiado longos e contemplativos que impõem um arranque desnecessariamente moroso.
Felizmente, o desenvolvimento da narrativa torna-se mais interessante à medida que as personagens se vão dando a conhecer, e mesmo com um ritmo irregular este drama acaba por ir conquistando através de um argumento consistente e um assinalável rigor formal.

Tal como em outras obras do cineasta, "A Outra Margem" demonstra apuro tanto na realização como na direcção de actores, tendo esta última sido distinguida no Festival de Montreal, onde Filipe Duarte e Tomás Almeida foram ambos galardoados com o prémio de melhor actor. Percebe-se porquê, já que a dupla oferece aqui interpretações sentidas, e Duarte é especialmente notável, compondo uma personagem que facilmente poderia cair na caricatura mas que aqui surge num retrato tridimensional - das expressões faciais à linguagem corporal, o actor sofre uma impressionante metamorfose face ao que já demonstrou em qualquer outro papel que encarnou.

Maria D'Aires e Sara Graça convencem na pele das duas personagens femininas e a fotografia de Edgar Moura potencia alguns belíssimos planos - as paisagens de Amarante, onde grande parte da acção foi filmada, também ajudam -, complementando os seguros enquadramentos de Rocha. Igualmente curiosa é a banda-sonora criada pelos Corvos, ainda que a sua quase omnipresença possa ser cansativa a espaços.

Pena que os interessantes conflitos entre as personagens não sejam tão explorados como se desejaria, impondo um desenlace que deixa várias pontas soltas. Situações como a do reencontro do protagonista com o pai - claramente simbólica, a explicar o título do filme - perdem força por não terem seguimento, não aproveitando ao máximo as possibilidades da premissa.
Aliadas aos problemas iniciais da narrativa, fazem de "A Outra Margem" uma obra desequilibrada, embora não a impeçam de se destacar como um dos bons títulos do final de 2007 e, principalmente, como um dos escassos filmes portugueses dos últimos tempos que vale a pena descobrir.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

VER E OUVIR (2)

Colaborou com os The The, Dee-Lite ou Curtis Mayfield, editou dois álbuns a solo e mais recentemente juntou-se aos Soul Investigators, com quem gravou o disco "Keep Reachin' Up". São estes últimos que acompanham Nicole Willis hoje, no Casino de Lisboa, para um concerto de entrada livre que deverá começar pelas 22h30. Espera-se uma noite de soul e funk clássicos, que terão continuidade no DJ set de Keb Darge.

Como aperitivo para o espectáculo deixo a colaboração da cantora com os Leftfield num dos poucos grandes momentos de "Rythm & Stealth", o último álbum do duo britânico:




Leftfield - "Swords"

domingo, novembro 25, 2007

VER E OUVIR

Com o final do ano a aproximar-se, o Posto de Escuta já escolheu as 10 capas de discos de 2007 que melhor ficam no Cover Flow do iTunes. Apesar de gostar da maioria das escolhas do Pedro, as minhas duas capas preferidas - para ver no iTunes ou não - pertencem ao mesmo álbum:


As capas são enganadoras, já que "A Weekend in the City" não é um disco tão conseguido, ainda que os Bloc Party já o tenham compensado com um dos melhores concertos do ano - no Coliseu de Lisboa, em Maio - e com uma nova canção, "Flux", que primeiro se estranha mas depois se entranha e aponta novas (e interessantes) direcções para o grupo.

Para ver e ouvir aqui em baixo, mas melhor do que o single é uma versão mais longa, que pode ser ouvida e descarregada aqui, juntamente com o óptimo instrumental do mesmo tema e a também recomendável remistura de Burial para "Where is Home?".



Bloc Party - "Flux"

sábado, novembro 24, 2007

POR FAVOR NÃO ME DEVOREM O PESCOÇO

Com o filão dos super-heróis quase esgotado, Hollywood tem investido ultimamente em adaptações da BD norte-americana de outros contornos, direccionando-se para graphic novels dos mais diversos estilos - como pode comprovar-se pela transposição de "300", "Stardust" ou "Sin City" para o grande ecrã. "30 Dias de Escuridão" (30 Days of Night) é um dos exemplos mais recentes, inspirando-se nas pranchas de Steve Niles e Ben Templesmith para criar um filme vincado pelo suspense e algum terror, ou não contasse com a presença de temíveis vampiros.

A premissa é excelente, focando a invasão de uma pequena localidade do Alaska por um grupo de sugadores de sangue durante 30 dias em que nunca se vê a luz do Sol. O cenário frio, hostil e sobretudo nocturno é o ideal para que o grupo de vampiros consiga fazer um banquete duradouro, e o realizador de David Slade - o mesmo do muito promissor "Hard Candy" - é hábil na confecção de atmosferas com tanto de inquietante como de absorvente.

A tradição dos vampiros no cinema vem já desde longe, mas até agora nenhum tinha tido algumas das ideias que "30 Dias de Escuridão" apresenta, desde o peculiar espaço em que acção decorre até à própria caracterização dos descendentes de Nosferatu, que poucas vezes terão sido retratados de forma tão crua, primitiva e arrepiante, sendo aqui pouco mais do que criaturas predadoras desprovidas de qualquer tipo de romantismo.

A realização de Slade não desaponta e mantém a hipnótica energia visual que já era um dos trunfos de "Hard Candy", propiciando belíssimos contrastes entre o sangue e a neve, e o realizador imprime um ritmo eficaz, por vezes vertiginoso, que mantém o suspense ao longo das quase duas horas de duração.

Este evidente savoir faire compensa alguns aspectos menos conseguidos, sendo o mais flagrante a do desenvolvimento das personagens, quase todas carne para canhão - ou pescoço para dentição - e não tanto figuras que surtam especial empatia.
Josh Hartnett, o protagonista, será das raras excepções, muito por culpa de um underacting carismático, e através da conturbada relação com a personagem de Melissa George fornece a âncora emocional do filme. Ben Foster oferece também, como habitual, uma interpretação segura, ainda que a sua personagem tenha uma relevância quase nula para o argumento, e Danny Huston sai-se bem como o arrepiante líder dos vampiros, mesmo tendo um papel sem grandes possibilidades dramáticas.

Outro elemento que compromete o brilhantismo de "30 Dias de Escuridão" é o facto da passagem do tempo não ser apresentada de modo convincente, pois apesar das legendas anunciarem a sucessão dos 30 dias, as atitudes - e mesmo o aspecto - das personagens leva a crer que decorreram apenas algumas horas ao longo do filme.

Mesmo assim, esta é ainda uma experiência cinematográfica meritória, que se não redefine o género - como a premissa poderia sugerir - também não o envergonha, apresentando muitas sequências certeiras e envolventes, dominadas por explosões de cor e tensão. Slade aposta, e bem, numa narrativa directa e escorreita, com uma eficácia de série-B - não por acaso, a sombra de Carpenter, e de "The Thing" em particular, nota-se em algumas cenas -, e serve aqui uma refeição recomendável para apreciadores destas iguarias. Quem tiver estômagos mais sensíveis deve, contudo, optar por menus mais ligeiros.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

quarta-feira, novembro 21, 2007

FUNDO DE CATÁLOGO (6): MULU

Hoje poderão estar no esquecimento, mas há precisamente dez anos um dos seus singles era dos que mais airplay tinha. Foi, de resto, o único tema que fez com que os britânicos Mulu ganhassem algum mediatismo na altura, já que o disco que então editaram, "Smiles Like a Shark", é o seu primeiro e último.

O álbum é também um dos que não resistiu muito bem ao tempo, marcado pelo misto de trip-hop e de uma pop dançável de finais de 90 que, apesar de exibir alguma frescura nesses dias, está agora datado. O tal single, que dá pelo nome de "Pussycat", é continua a ser, mesmo assim, uma canção eficaz e indispensável em qualquer revisitação aos one hit wonders da década passada. Mas nada como recordá-la para tirar as dúvidas, aqui em baixo:


Mulu - "Pussycat" Recordações anteriores

terça-feira, novembro 20, 2007

NOVAS AMEAÇAS NA HISTÓRIA DO COSTUME

"A Invasão" (The Invasion) é a mais recente versão de uma série de filmes iniciada em "Invasion of the Body Snatchers", obra de Don Siegel que se tornou num dos marcos do cinema de ficção científica em 1956 e foi alvo de reinterpretações por parte de Philip Kaufman ("Invasion of the Body Snatchers", 1978) e Abel Ferrara ("Body Snatchers", 1993).
Os filmes tiveram como ponto de partida o livro "The Body Snatchers", de Jack Finney, editado na altura da Guerra Fria, cuja história podia ser vista como metáfora desses tempos, e essa perspectiva política/social manteve-se também nas adaptações cinematográficas, de forma mais ou menos óbvia, sofrendo evoluções ao longo das décadas em que cada versão foi criada.

O mesmo volta a ocorrer neste olhar do alemão Oliver Hirschbiegel, que não desperdiça oportunidades de injectar numa aventura com extraterrestres uma evidente crítica aos comportamentos humanos e à suposta evolução das civilizações, em particular ao potencial que cada um tem para cometer as maiores atrocidades.

Não é novidade que grande parte da ficção científica sempre teve no âmago uma análise a contextos políticos e sociais, por vezes lançando interessantes questões sobre a natureza humana, e se é verdade que "A Invasão" se esforça por empreender um debate não o é menos que essa tentativa resulta num esforço forçado e pouco subtil, que impõe pontos de vista ao espectador em vez de fazer com que este se interrogue.

Este misto de transparência e didactismo não seria muito problemático caso o filme apresentasse doses de criatividade e surpresa que o compensassem, mas pouco acrescenta às versões anteriores, funcionando como mais do mesmo para quem já as conhece e arriscando-se a defraudar as expectativas de quem espera encontrar aqui uma obra de ficção científica que entusiasme e inquiete.

A premissa, centrada numa epidemia onde um microorganismo se insere nos humanos e passa a controlá-los após estes dormirem, poderia estar na origem de bons resultados, e embora Hirschbiegel consiga ofecer alguns eficazes momentos de suspense acaba por perder-se numa narrativa mecânica e formulaica.
Muitas das situações foram já vistas e revistas em filmes da série ou fora dela - a fuga da protagonista com o seu filho faz lembrar a jornada de Tom Cruise e Dakota Fanning em "Guerra dos Mundos", de Spielberg, e perde na comparação -, o desenlace é particularmente apressado e pouco satisfatório e a realização, mesmo sendo sempre competente, não tira o filme do anonimato já que nunca gera sequências memoráveis.

O elenco, à partida um dos elementos apelativos, acaba por não trazer especiais mais-valias, uma vez que nem Nicole Kidman nem Daniel Craig têm grandes personagens para defender e os seus papéis podiam ser interpretados por quaisquer outros. Craig então tem mesmo pouco para fazer, desperdiçando o seu carisma numa figura mal desenvolvida, e Kidman limita-se a servir as etapas do argumento, correndo de um lado para o outro e oscilando entre o pânico e o nervosismo controlado. Curioso, mesmo, só o facto de ambos serem aparentemente invulneráveis a acidentes de viação, ainda que esse aspecto não pareça ser intencional no argumento.

"A Invasão" não chega a ser um filme despiciendo, pois apesar de pouco imaginativo não se torna aborrecido, é escorreito e por vezes interessante de seguir. Contudo, também nunca nunca vai além de uma mediania indistinta, o que é pouco para uma obra que, tanto pela premissa como pelos nomes envolvidos, tinha obrigação de ser mais do que um entretenimento descartável.

E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL

sábado, novembro 17, 2007

ROCK MELANCÓLICO SERVIDO COM ENERGIA

Em 2005 foram uma das boas surpresas da geração de bandas que revisitou o pós-punk ao longo desta década, servindo em "The Back Room" uma estreia convincente e auspiciosa, devedora de muitas refêrências incontornáveis - Joy Division, Echo and the Bunnymen - ainda que com com uma personalidade já denunciada.
Este ano, os Editors regressaram com "An End Has a Start", um digno sucessor que manteve o carisma de um projecto seguro, não alargando muito os seus horizontes musicais mas cimentando as boas impressões iniciais.

Estes dois registos constituíram o cerne do alinhamento de ontem no Pavilhão do Restelo, onde o jovem quarteto de Birmingham se apresentou pela segunda vez em Portugal após uma breve passagem pelo festival Super Bock Super Rock do ano passado.

Com uma rápida e pontualíssima entrada em palco (precisamente às anunciadas 22 horas), iniciaram o espectáculo com o tema de abertura do disco de estreia, "Lights", sendo imediatamente aplaudidos pelo público que aí preenchia já quase todo o recinto.

O vocalista Tom Smith, que em disco remete para a carga soturna de vocalistas urbano-depressivos da década de 80, exibiu uma vivacidade que contrastou com o tom melancólico da maioria das canções, e subiu para cima do piano logo aos primeiros minutos, gerando uma química com os espectadores que se manteve ao longo da quase hora e meia de concerto.

A banda satisfez tanto em momentos dinâmicos e épicos como "Bones" ou "An End Has a Start" como nos mais contemplativos e serenos "The Weight of the World" ou "When Anger Shows", perdendo pouco tempo com conversas com a audiência - embora Smith não tenha sido parco nos já tradicionais "obrigados" - e oferecendo uma rápida sucessão de temas, praticamente sem pausas, impondo um ritmo que só desacelerou em episódios de alguma monotonia como "Spiders".
Esta e algumas outras canções do segundo álbum, ainda que bem recebidas e muito aplaudidas, perderam na comparação com as do primeiro, que felizmente dominaram grande parte do repertório.

Singles certeiros como "Bullets" ou "Blood" despoletaram uma óbvia resposta emocional do público, e a magnífica "Munich", que ainda é a melhor canção do grupo, foi a responsável pelo pico de intensidade da noite, surgindo numa versão mais longa do que a do disco (sendo também das poucas que se diferenciou do original).

Entre passagens pelos dois discos hove ainda espaço para um inédito, "Banging Heads", e o lado-B "You Are Fading", ambos igualmente bem acolhidos, complementando uma sucessão de consistentes portentos de rock negro ora dançável ora medidativo.
Com uma actuação escorreita e empenhada, os Editors só não entusiasmaram quando a bateria e a guitarra eclipsaram o piano em demasiadas ocasiões, ou quando Smith procurou imitar os trejeitos vocais de Ian Curtis, algo de que não precisou nos discos e que ao vivo soou forçado e balofo, comprometendo o carisma de algumas canções. Não ameaçaram, no entanto, as reacções do público, sempre dedicado e atento, que acompanhou muitas vezes o vocalista e revelou-se um profundo conhecedor da discografia da banda.

A julgar pelo entusiasmo mútuo entre os espectadores e o grupo, os Editors têm carta branca para voltar a Portugal, e espera-se que caso o façam incluam no alinhamento "Camera", um dos melhores temas do primeiro álbum e uma das falhas de uma noite interessante e a espaços tão empolgante como a resposta dos espectadores sugeriu.

Antes do quarteto de Birmingham subir a palco, coube a Mazgani receber o público que foi chegando sem pressas. O músico iraniano, actualmente a residir em Setúbal, levou ao Pavilhão do Restelo o seu álbum de estreia, "Song of the New Heart", substituindo os previstos Boxer Rebellion. Durante pouco mais de meia hora, o cantor e a sua banda obtiveram uma quantidade assinalável de aplausos após uma actuação competente, vincada pela matriz singer songwriter que por vezes lembrou a angústia de um Nick Cave. Não sendo a primeira parte mais óbvia ara um concerto dos Editors, acabou por antecipar eficazmente o rock negro que se seguiu.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM


Fotos: Eduardo Santiago

MODELO E DETECTIVE

Tony Scott é muitas vezes acusado pelos seus detractores de contar com uma filmografia onde o estilo esmaga quase sempre a substância, eclipsando personagens e linhas narrativas em prol de uma pirotecnia ostensiva e outras formas de exibicionismo estético.
No entanto, nada que o realizador tenha feito a esse nível se compara com o que apresenta em "Dominó" (Domino), onde hiperboliza essa tendência e leva o seu delírio visual ao limite num filme com tanto de experimental como de megalómano, onde momentos de inspiração surgem lado-a-lado com outros de desnorte criativo.

O ponto de partida já era invulgar q.b., uma vez que o filme pretende ser o biopic de Domino Harvey, uma jovem modelo que trocou a sua vida próspera e confortável por experiências mais extremas ao aderir a um grupo de destemidos caçadores de prémios, que se divertem e ganham a vida a caçar criminosos em fuga.
O facto do argumento ser assinado por Richard Kelly, o realizador do filme de culto "Donnie Darko", indicia que esta será uma obra pouco convencional, e a embalagem em que Scott a envolve só o confirma, atirando-a para a categoria de onvis cinematográficos, um objecto intrigante e inclassificável mas não necessariamente conseguido.

Não falta ambição ao projecto, que de resto pode ser confirmada na lista de ilustres (ou não tanto) que integram o elenco: além da protagonista Keira Knightley e do renascido Mickey Rourke, também Christopher Walken, Lucy Liu ou Mena Suvari marcam presença, embora o mais inesperado seja ver, no mesmo filme, gente tão díspar como Macy Gray, Jerry Springer(!), Tom Waits(!!) ou Brian Austin Green e Ian Ziering, dois actores de "Beverly Hills 90210" que fazem deles próprios(!?!).

Para além de incluir tantos nomes aparentemente incompatíveis, "Dominó" é igualmente arrojado ao apostar numa narrativa que atira em várias direcções, o que se por um lado pode ser desafiante aqui torna-se mais confuso e cansativo, já que Scott parece não saber distinguir o essencial do acessório.
Assim, o filme não é tanto sobre os dilemas da protagonista mas antes uma sátira ao lixo televisivo dos últimos anos, escolhendo alvos fáceis como séries juvenis ou reality shows.
Ou se calhar é sobre as diferenças étnicas, culturais e sociais e das injustiças que a elas estão ligadas, tornando válido um jogo de vale tudo quando encetado a favor da defesa dos mais frágeis e inocentes.
Ou talvez não queira ser nada disso, contentando-se em funcionar como um concentrado pós-moderno que quase dilui as fronteiras entre a linguagem cinematográfica e a do videoclip - o que nem é inédito na filmografia do realizador, vincada pelos recorrentes planos curtos e montagem hiperactiva.

No meio de garridos borrões de cor tão omnipresentes e intrusivos como a voz off da protagonista (que não se cansa de repetir muitas frases), assim como da constante mudança de azimutes do argumento, não há grandes hipóteses de sair daqui um resultado consistente, o que faz de "Dominó" um filme que está quase sempre na corda bamba entre o brilhantismo e a banalidade, sem que se mova definitivamente para um dos lados.

Os actores são pouco mais do que bonecos de papelão e em nenhum momento ganham especial interesse, sobretudo quando, lá para o final, Scott tenta fazer passar a protagonista e amigos por bons samaritanos numa jogada manipuladora que só conquistará os mais ingénuos. Knightley interpreta uma ex-modelo supostamente bad girl mas não lhe retira a postura mimada e snob, numa interpretação com mais pose do que intensidade e que se assemelha a um cruzamento dos trejeitos de Tank Girl e Posh Spice - e infelizmente longe do assinalável magnetismo que atingiu em "Orgulho e Preconceito", de Joe Wright.

"Dominó" tem então potencial para irritar quem já não era adepto do estilo de Scott, mas quem não depositar aqui expectativas muito elevadas ainda pode divertir-se com o descaramento de alguns momentos e com o tubo de ensaio estético que ocasionalmente gera sequências hipnóticas. E mesmo sendo um filme inconsequente e parcialmente falhado, este tem o mérito de arriscar mais do que a maioria dos produtos made in Hollywood, o que já é motivo para que mereça alguma atenção.

E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL