Nos últimos meses, os Clã têm andado pelo país na digressão de promoção de "Cintura", o seu quinto disco de originais, mas foi no concerto de ontem na Aula Magna, em Lisboa, que a banda terá tido a maior prova de fogo até agora.
Com um maior número de espectadores do que nos espaços por onde tem passado e com um cuidado cénico adaptado às especificidades da sala, o espectáculo colocou a banda frente a um auditório quase repleto, ao qual apresentou o novo disco na íntegra pela primeira vez.
O ambiente foi quase sempre féerico e dinâmico logo desde os primeiros minutos, com três temas inaugurais retirados de "Cintura". "Vamos Esta Noite", que também é o tema inicial do álbum, lançou o mote, e juntamente com "Mandarim" e o single "Tira a Teima" promoveu um arranque suficientemente convidativo.
Foi, contudo, com o mais velhinho, mas ainda muitíssimo contagiante "GTI" que a noite registou o primeiro grande momento de êxtase generalizado, apresentando a canção com roupagens mais eléctricas.
"O Meu Estilo", outro tema de "Kazoo", foi ainda mais pujante, uma explosão de energia visceral devidamente canalizada pela atitude de Manuela Azevedo, a quem o epíteto "animal de palco" assentou aqui especialmente bem. O facto da canção ser menos mediática do que a anterior terá explicado o facto do público não ter reflectido muito a vibração da vocalista, embora não tenha impedido que este se inclua entre os grandes episódios do concerto.
Versátil mas coerente, o alinhamento mostrou as várias facetas da música dos Clã, desde estes acessos de dinamismo rocker até atmosferas nos seus antípodas, como numa versão minimalista de "Sopro do Coração", reduzida a voz e guitarra acústica (para muitos o momento de eleição do espectáculo) ou na igualmente discreta "Sexto Andar", um dos melhores temas do algo desequilibrado "Cintura", que "por pouco ficava de fora do álbum", como explicou Manuela, o que seria uma pena já que é uma bela reflexão de três minutos sobre a magia das canções.
Além de concentrados de aspereza e sensibilidade, houve ainda espaço para temas irreverentes e espevitados como "Carrossel dos Esquisitos" ou "Topo de Gama", este último com direito um (óptimo) final mais musculado e caótico do que a versão apresentada em "Rosa Carne".
Canções obrigatórias como "Problema de Expressão", "Dançar na Corda Bamba" ou "H2omem" (devidamente acompanhada pela conhecida coreografia, partilhada pela vocalista e público) conviveram sem problemas com as mais recentes, ainda que nem todos os momentos de "Cintura" convençam tanto como muitos dos mais antigos.
Ao vivo, contudo, essa relativa disparidade foi um pormenor quase irrelevante, uma vez que quer a singularidade cénica - com luzes de várias cores projectadas num painel de metais no fundo do palco, complementadas pela simplicidade de um barco e aviões de papel junto dos músicos - quer o empenho da banda mantiveram um ritmo quase sempre entusiasmante, ou pelo menos seguro.
Manuela Azevedo, além de cantar com a voz que já nada tem a provar, fez questão de se manter irriquieta, saltitando, dançando e pulando sem nunca se desequilibrar, não caindo nas armadilhas dos seus finos saltos altos.
Para o final de duas horas com mais de duas dezenas de canções e dois encores, a banda guardou "Amigos de Quem", a estupenda canção que conta com os créditos de Manuel Cruz (não por acaso, soa a um rebento rebelde dos Clã com os Ornatos Violeta) e um tema inédito, nunca gravado mas que funciona impecavelmente ao vivo, num cruzamento acelerado de guitarras em ebulição e voz gutural.
Quem quiser comprovar os méritos de uma banda em forma ainda vai a tempo de apanhar os concertos agendados para o Casino da Figueira da Foz, no próximo dia 8, ou para a Casa da Música, no Porto, dia 12.
E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM
Entrevista a Manuela Azevedo e Hélder Gonçalves