domingo, dezembro 23, 2007

VIAGEM SONORA À NOITE LONDRINA

No ano passado, tornou-se numa das figuras de proa da música de dança ao gerar um dos discos de estreia mais aplaudidos do underground londrino, e agora desencadeia reacções igualmente entusiasmadas com o registo sucessor, "Untrue". Burial, cuja identidade permanece uma incógnita, volta a dar motivos para que haja esperança para o dubstep, subgénero que congrega reminiscências do 2step, dub e beats hip-hop, entre outros condimentos, e que tem despertado atenções em torno de nomes como Boxcutter, Skream ou Kode9.

Se no álbum anterior Burial se distinguiu destes ao apresentar traços de personalidade bem vincados, o seu sucessor reforça-os ao conceder protagonismo a vozes que complementam as complexas texturas instrumentais pelas quais o músico já se havia notabilizado. Estas vocalizações, de travo soul on acid, por vezes quase alienígenas, aumentam a estranheza das composições e tornam-nas numa apropriada banda-sonora para viagens nocturnas em ambientes urbanos, traduzindo uma aura por vezes sinuosa, ocasionalmente claustrofóbica e sempre sombria.

"Untrue" talvez não seja a pedrada no charco que muitos aqui identificam, uma vez que o que contém já foi percorrido por outros - notam-se aqui atmosferas negras próximas do trip-hop de Tricky, uma ousadia rítmica que remete para Goldie ou os primeiros passos de DJ Shadow e um espectro onírico herdeiro dos experimentalismos dos Future Sound of London.

Admita-se, no entanto, que apesar desses paralelismos Burial consegue ainda um som único, capaz de gerar episódios absorventes e inquietantes como o R&B bizarro e espacial de "Archangel", o apropriadamente intitulado "Homeless", que transpõe para a música o isolamento e solidão das grandes metrópoles, o contemplativo mas dançável "Raver", que incorpora elementos do techno minimal, ou os fantasmagóricos "Etched Headplate" e "Near Dark", este último com uma voz que repete "I can't take my eyes of you" e deixa dúvidas sobre se esta é uma canção de amor ou de obsessão.
"In McDonalds", de tom nostálgico, quase podia ser do primeiro álbum dos Bent, já "Endorphin" percorre territórios algo duvidosos quando as vozes parecem saídas de um projecto new age na linha de uns Deep Forest.

Tal como o seu autor, "Untrue" é um disco misterioso, para ir descobrindo aos poucos, conseguindo prender a atenção durante várias audições à medida que se vão descortinando novos pormenores, seja no barulho da chuva no início de uma canção, nos pequenos estalos de vinyl ou em qualquer outro efeito que parecia submerso nas intrincadas texturas mas que acaba por se evidenciar. Se é um grande álbum só o tempo o dirá, mas por enquanto vai-se revelando viciante q.b..


E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM



Burial - "Ghost Hardware"

8 comentários:

João disse...

Estou totalmente de acordo contigo - é um álbum extraordinário, cheio de formas e têxturas fantasmagóricas , mas que, se por um lado precisa de tempo para ser descoberto - é certo -, por outro também não me parece que seja a "revolução" que muitos lhe chamam ou que tenha a "importância" que outros lhe dão. Ainda assim, um álbum fascinante. Mas, como diria um conhecido blogger... isto pode ser do meu ouvido, que é um pouco mouco!

BOM NATAL!

gonn1000 disse...

Sim, há texturas e camadas que se vão (re)descobrindo de audição em audição, mas não acho que seja uma pedrada no charco - como nunca achei que o dubstep fosse, ainda que tenha gerado alguns discos interessantes. Mas cada ouvido, sua sentença.

Bom Natal para aí também :)

Anónimo disse...

Gostei bastante do álbum!!!

gonn1000 disse...

Pois, há uns quantos adeptos fervorosos.

Spaceboy disse...

disco do ano. e vai lá ver o resto das listas ao blog e mandar as tuas farpas, e já agora colocar a tua lista se quiseres/tiveres. abraço e bom natal.

gonn1000 disse...

Diria antes um dos bons discos do ano, mas esses até foram muitos. Grandes discos é que nem por isso... e sim, já sei que discordas :P

A minha lista ainda demora, o fim do ano não acaba do Natal, já espreitei a tua e hei-de ir lá apresentar as devidas reclamações, sim.

Ah, e bom Natal ;)

strange quark disse...

Nutro pelo dubstep um sentimento ambíguo: se por um lado parece estar aqui algo de muito entusiasmante, por outro tenho algumas dúvidas que venha a ser consequente. Em termos de revolução, propriamente dita, acho o trip-hop de um Tricky ou Massive Attack bem mais interessante. Por outro lado, o tempo dir-nos-á muito, pois se estes últimos ainda se ouvem hoje muitíssimo bem, não sei se o mesmo acontecerá com o dubstep. Com isto não retiro o quanto este disco é, de facto, interessante. É claro que quem anda nestas andaças a nível mais profissional (eu sou um mero curioso que me divirto e tiro um certo prazer pessoal com isto, nada mais) tem um medo do caraças de falhar a próxima revolução para o futuro. Faz lembrar os analistas políticos e a queda do muro de Berlim! Ninguém o previu, como normalmente acontece... :)

Um bom natal.

gonn1000 disse...

Também acho que, comparativamente, o trip-hop foi mais revolucionário e disseminou-se mais rapidamente, o que como dizes não invalida que o dubstep tenha coisas interessantes. Esperemos para ver (e ouvir).

Bom Natal :)