Cinco anos depois de "Sala de Pânico", David Fincher regressa finalmente com "Zodiac", o muito aguardado thriller baseado no caso verídico do serial killer que atormentou São Francisco durante as décadas de 60 e 70. Recuperando a matriz de "Se7en - Sete Pecados Mortais", a obra que inscreveu o realizador entre os nomes fulcrais do cinema dos anos 90 e funcionou como template para muitos imitadores, "Zodiac" é no entanto um filme bem distinto deste e mesmo um trabalho atípico dentro da filmografia do cineasta.
Longe da tensão e paranóia fim-de-milénio dos superlativos "O Jogo" ou "Clube de Combate", esta é uma película que revela menor ousadia formal, não sendo um exercício de ruptura mas antes uma obra que se suporta nos cânones do policial sem contudo deixar de evidenciar a mestria que distingue um cineasta rigoroso de um mero tarefeiro.
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A marca de Fincher continua presente, pois mesmo sem grandes tentativas de desconstrução "Zodiac" é uma experiência cinematográfica densa e consistente. Desta vez, o argumento surpreende não pelo facto de oferecer reviravoltas mirabolantes ou assentar numa narrativa que descoordena o espectador, mas antes pelo facto de apostar numa linearidade que não deve, contudo, ser confundida com ligeireza ou convencionalismo, já que o realizador mostra, talvez como nunca antes, um olhar minucioso sobre a realidade que retrata, naquele que é o seu filme mais cerebral.
Essa sobriedade manifesta-se também na componente visual, distante do grotesco sofisticado de alguns momentos de "Se7en - Sete Pecados Mortais" ou da energia cinética hi-tech de "Clube de Combate" e "Sala de Pânico". A vertente experimental do cinema de Fincher - que, recorde-se, tem um passado ligado à publicidade e videoclips - volta contudo a demarcar-se através do recurso à câmara digital Thomson Viper, que potencia um absorvente jogo de luz e sombra nas cenas nocturnas, por vezes aproximando-se das paisagens de outro esteta norte-americano, Michael Mann, e nesse campeonato "Zodiac" nada fica a dever a "Colateral" ou "Miami Vice".
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O cineasta afirmou que pretendeu manter-se o mais próximo possível da forma como as investigações dos assassinatos decorreram, seguindo de perto os dois livros de um dos investigadores, o cartoonista Robert Graysmith, e isso é palpável ao longo do filme. O espectador é assim poupado a cenas onde a sua suspension of desbelief é ameaçada, já que as sucessões da acontecimentos são quase sempre plausíveis e factuais, e o realizador nunca lhe tira o tapete debaixo dos pés, ao contrário do que ocorre na maioria dos títulos da sua filmografia.
Este aspecto talvez ajude a explicar o relativo falhanço da película nas bilheteiras norte-americanas, uma vez que "Zodiac" é um policial pausado e meticuloso, onde a intensidade não provém de dinâmicas sequências de perseguições ou tiroteios nem de um banal exercício whodunit mas do estado obsessivo que se vai ocupando progressivamente dos seus protagonistas.
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Num thriller de actores e não de efeitos, a escolha do elenco é essencial e neste caso revela-se certeira. Jake Gyllenhaal, na pele de um cartoonista obstinado em descobrir - e provar - a identidade do serial killer, não se afasta muito do tipo de papéis pelos quais se celebrizou, o que não é um problema já que volta a aliar sensibilidade, espontaneidade e discrição, e tem ainda a vantagem da sua personagem ser a mais desenvolvida. Mark Ruffalo é também credível como detective de homicídios, ainda que o filme não lhe dê o devido espaço para atingir voos mais altos, mas quem mais convence é Robert Downey Jr, actor que a cada desempenho demonstra uma notável capacidade camaleónica e aqui repete o feito, encarnando com presença e carisma um memorável jornalista criminal.
Chloë Sevigny ou Brian Cox complementam uma sólida direcção de actores, e embora nenhum dos nomes do elenco desiluda, fica a sensação de que alguns são subaproveitados devido a um argumento que, apesar de interessante, não mergulha tanto no âmago das personagens como seria desejável.
Se a crise pessoal, familiar e profissional do cartoonista Graysmith é eficazmente trabalhada, os abismos emocionais dos outros dois protagonistas são alvo de uma abordagem algo superficial, já que o filme concede maior enfoque aos pormenores técnicos da investigação e à personagem de Gyllenhaal. Será por aqui que, não obstante as qualidades enunciadas, "Zodiac" mais falha, nunca atingindo um peso dramático que o torne no grande filme que se sabe que Fincher é capaz de fazer.
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Este intrincado thriller fica, assim, uns furos abaixo de obra-primas como "Clube de Combate" mas é ainda uma proposta irrecusável, sobretudo para os apreciadores de policiais sérios e inteligentes. Mesmo com um desenlace anti-climático (atípico nas obras do realizador), encontram-se aqui duas horas e meia de suspense nada despiciendo de onde sobressai uma carga visual hipnótica - a estupenda fotografia de Harris Savides ajuda - e uma soberba reconstituição de época (ou épocas, já que a acção decorre ao longo de várias décadas mas é a de 70 que adquire maior protagonismo).
Não sendo genial, "Zodiac" é uma prova de maturidade e deixa ainda várias cenas de antologia - como a inquietante sequência inicial ao som de "Hurdy Gurdy Man", de Donovan -, motivos mais do que suficientes para saudar o regresso de um dos cineastas mais estimulantes dos últimos anos, capaz de retratar o caos urbano como poucos.
E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM