Finalizando uma série de treze espectáculos no âmbito da 6ª edição do FATAL - Festival Anual de Teatro Académico de Lisboa -, a peça "Ao Segundo", encenada por Ana Lacerda, propôs uma reflexão acerca da singularidade do corpo humano e daqui partiu para apresentar vários retratos de múltiplas vidas e experiências.
No passado dia 29 de Maio, o FATAL exibiu assim o seu último espectáculo deste ano, colocando fim a um ciclo que decorreu no Teatro da Politécnica (Museus da Politécnica - Rua da Escola Politécnica) desde dia 17, num total de 13 peças.
Esta última foi criada pelo Ultimacto, da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, e baseou-se em textos de autores como Sarah Kane, Sofia Melo, Herberto Hélder e António Lobo Antunes. A escolha destes autores, aparentemente díspares, justifica-se pelo olhar acerca do corpo humano que todos desenvolvem em algumas das suas obras, e "Ao Segundo" congregou estes universos gerando uma interessante amálgama de perspectivas e referências.
Começando de forma intrigante, durante uma autópsia, a peça oferece inicialmente um cenário de carregada escuridão durante alguns minutos, num possível retrato da morte, sempre inexorável. Contudo, depois dessa introdução o espectáculo destaca múltiplos acontecimentos e situações que poderão ocorrer entre o momento do nascimento e da finitude de um corpo - ou vida - humano.
Apresentando uma estrutura episódica e fragmentada, muitas vezes não-linear, "Ao Segundo" oferece visões ambíguas sobre a relação de um indivíduo com o seu corpo, temática que origina momentos onde se focam os códigos sociais (numa das cenas mais certeiras e perspicazes, proporcionando uma atenta crítica ao comportamento humano), a (im)possibilidade do suicídio, o carácter dúbio do amor e das relações humanas, o prazer e degradação físicos ou o contacto com a inevitabilidade da morte.
As formas de abordagem são versáteis, não só pela diversidade dos autores dos textos mas também pelos contrastes entre monólogos/diálogos, drama/comédia (por vezes de difícil distinção) e pela vibrante energia que os actores conseguem injectar à peça, num coeso trabalho de empenho e entrega (não raras vezes arriscada e visceral).
As atmosferas assentam quase sempre em ambientes surreais e oníricos, não raras vezes com algumas doses de absurdo e nonsense, territórios eficazmente ilustrados através de uma encenação minimalista que apenas recorre aos adereços indispensáveis (privilegiando, assim, o olhar sobre o corpo), com um discreto, mas apropriado, trabalho de iluminação.
Qualitativamente, o balanço é interessante e promissor, mas algo irregular, nem sempre expondo solidez e coesão, e a espaços a peça abusa das doses de pretensão, optando por cenas demasiado monótonas e sem ritmo. No final, fica a vontade de seguir os próximos passos do Ultimacto, uma vez que talento é algo que se insinua por aqui, só falta mesmo é limar algumas arestas e uma certa dispersão de ideias. Nada que não possa ser remediado em breve, de forma a "dar corpo" às intenções conceptuais de um modo mais consistente.
E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL
1 comentário:
legal...
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