domingo, novembro 05, 2006

HERÓIS DO MAR

Admita-se que, à partida, "O Guardião" (The Guardian) não contém muitos elementos que suscitem especial curiosidade, tendo em conta que Kevin Costner, o protagonista, não tem escolhido projectos particularmente estimulantes há já vários anos (excepção feita ao muito recomendável "O Lado Bom da Fúria"), que Ashton Kutcher se destaca mais pelo facto de ser o marido de Demi Moore do que pelo seu talento interpretativo e que Andrew Davis, apesar de contar com o interessante "O Fugitivo" no seu currículo de realizador, nunca mais fez nada ao nível desse filme, dedicando-se a obras menores como "Um Homicídio Perfeito" ou "Danos Colaterais".
Para complementar, esta história sobre dois nadadores-salvadores da Guarda-Costeira é antecipada por um trailer que sugere um blockbuster edificante e recheado de clichés, onde o patriotismo exacerbado ameaça ser um dos mais fortes.

Visto o filme, e talvez devido às baixas expectativas, a impressão que fica é a de que "O Guardião", mesmo previsível e formatado a espaços, apresenta uma assinalável solidez, situando-se uns degraus acima do dramalhão insuflado e postiço que constituiria um rumo mais fácil. Costner regista aqui uma das suas apostas mais felizes dos últimos tempos, Kutcher cumpre mas ainda não é desta que se torna num actor digno de relevo e Davis revela eficácia, e embora não seja mais do que um tarefeiro não se pode apontar-lhe falta de competência.

Ainda que "O Guardião" possa ser considerado um filme de acção, será redutor limitá-lo a esse rótulo, uma vez que evidencia uma consistência dramática considerável. Esta deve-se sobretudo à personagem de Costner, um nadador-salvador veterano obrigado a ocupar o cargo de instrutor após uma missão mal sucedida que conduziu à morte dos seus colegas. Na sua nova função, vai consolidando uma ligação forte mas tensa com o seu instruendo mais apto - e é aqui que entra Kutcher -, inicialmente vincada por episódios algo conturbados e aos poucos amenizada à medida que são decobertos pontos de contacto, em particular a solidão e os fantasmas do passado que se escondem por detrás da palpável obstinação.

Andrew Davis não oferece aqui uma obra que respire novidade, porém tem o mérito de dar a Costner uma personagem complexa e tridimensional, a que o actor responde com um desempenho à altura, conciliando maturidade e densidade e fazendo lamentar a sua participação em filmes menores. O desenvolvimento do argumento é mais convencional do que arriscado, mas pelo menos resiste à tentação de injectar cenas de acção forçadas e inconsequentes, e as poucas que surgem são justificáveis e filmadas com eficácia.

Há algumas sequências demasiado expositivas e fastidiosas - caso das que focam os treinos dos jovens recrutas -, o desenlace delicodoce não faz justiça à sobriedade presente até então e a personagem de Kutcher poderia ser mais desenvolvida, assim como as de Sela Ward e Melissa Sagemiller (ambas com interpretações sem reparos), e por isso "O Guardião" resulta numa película irregular. Contudo, tem a seu favor o facto de ser um filme modesto, o que se não o torna num dos candidatos a integrar a elite dos memoráveis também não o impede de conseguir proporcionar um envolvente estudo de personagem.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

4 comentários:

Anónimo disse...

Nem mais. Um filme que não quer ser mais do que modesto e simpático, e como tal satisfaz mais do que outros, que apesar de melhores, desiludem. As três estrelinhas estão bem entregues.

Cumprimentos Gonçalo!

gonn1000 disse...

Sim, foi melhor do que esperava, e se não fica para a lista de melhores do ano pelo menos foi uma boa surpresa. Fica bem :)

Nuno Pedro Fernandes disse...

O Guardião resultou num filme pior do que esperava. O pretenso (e previssível) drama é apenas sustentado pelas boas interpretações de Costner e de Sela Ward. De resto, apenas uma colecção de clichés mal amanhados que tornam o filme chato e previsível. Se fosse Tony Scott a realizar...

gonn1000 disse...

Tem alguns clichés, é verdade, mas menos do que esperava, e as personagens não sã meramente utilitárias, vão ganhando consistência (os actores ajudam, claro). O que tem o Tony Scott?