Conhecido sobretudo por obras cruas e ásperas como "Polícia sem Lei" ou "O Funeral", o norte-americano Abel Ferrara exibe em "Maria Madalena" (Mary) uma vertente mais polida, debruçando-se sobre a religião e a fé.
Partindo de uma actriz que, ao interpretar o papel de Maria Madalena, se sente inspirada por esta e descobre a sua espiritualidade, mudando radicalmente de vida (Juliette Binoche), a acção segue ainda o percurso do realizador desse filme (Matthew Modine), assim como o do apresentador de um talk-show dedicado à temática religiosa cuja esposa está grávida (Forest Whitaker).
Ferrara apresenta aqui uma obra formalmente incomum, dado que tanto se aproxima de tons documentais (Jean-Yves Lelous, Amos Luzzatto e Elaine Pagels, estudiosos no Evangelho de Maria Madalena, debatem as ideias e pertinência deste no programa televisivo) como aposta no modelo de filme-dentro-do-filme, pois contém cenas da película em que duas das personagens centrais de "Maria Madalena" participaram.
Partindo de uma actriz que, ao interpretar o papel de Maria Madalena, se sente inspirada por esta e descobre a sua espiritualidade, mudando radicalmente de vida (Juliette Binoche), a acção segue ainda o percurso do realizador desse filme (Matthew Modine), assim como o do apresentador de um talk-show dedicado à temática religiosa cuja esposa está grávida (Forest Whitaker).
Ferrara apresenta aqui uma obra formalmente incomum, dado que tanto se aproxima de tons documentais (Jean-Yves Lelous, Amos Luzzatto e Elaine Pagels, estudiosos no Evangelho de Maria Madalena, debatem as ideias e pertinência deste no programa televisivo) como aposta no modelo de filme-dentro-do-filme, pois contém cenas da película em que duas das personagens centrais de "Maria Madalena" participaram.
No entanto, se esta curiosa combinação de registos poderia enriquecer o projecto, tal acaba por ser subaproveitado, uma vez que o filme raramente contém sequências caracterizadas pela subtileza e não poupa o espectador a uma perspectiva claramente tendenciosa e fácil, apontando uma via de sentido único em vez de potenciar a reflexão.
Embora o nome do realizador fizesse esperar algo mais, "Maria Madalena" é um mero panfleto espiritual que se torna cada vez mais óbvio à medida que se aproxima do desenlace.
As cenas do debate entre o jornalista e o realizador chegam a ser penosas de tão maniqueístas, e a melodramática (tearjerker, quase) sequência da personagem de Whitaker na Igreja é ainda mais gritante.
De resto, o filme falha logo nas personagens, figuras estereotipadas que Ferrara trata como marionetas. A de Juliette Binoche é especialmente desinteressante, pois a actriz recém-convertida, de look inexpressivo, anémico e new age, dificilmente convence ou desperta entusiasmo.
O realizador composto por Matthew Modine é igualmente unidimensional, já que Ferrara o caracteriza como um céptico ridículo e megalómano, pouco mais do que um saco de pancada por representar o oposto da perspectiva que "Maria Madalena" pretende veicular.
Forest Whitaker fica com o melhor desempenho e com a personagem mais complexa, sendo um dos poucos trunfos do filme, mas mesmo assim o seu papel acaba por funcionar como mais um utensílio da lógica moralista da película.
Para além da escassa substância, "Maria Madalena" é ainda prejudicado por um ritmo que faz com que o filme pareça ter o dobro da duração, onde poucos são os momentos que fogem à monotonia. Há fugazes cenas onde Ferrara capta com intensidade as intrigantes ambiências nocturnas, mas essa energia visual está ausente em grande parte do filme, no geral um amontoado de sequências amorfas e bafientas.
É este objecto inconsequente um filme do mesmo autor do soberbo "O Funeral"?? Heresia!
Embora o nome do realizador fizesse esperar algo mais, "Maria Madalena" é um mero panfleto espiritual que se torna cada vez mais óbvio à medida que se aproxima do desenlace.
As cenas do debate entre o jornalista e o realizador chegam a ser penosas de tão maniqueístas, e a melodramática (tearjerker, quase) sequência da personagem de Whitaker na Igreja é ainda mais gritante.
De resto, o filme falha logo nas personagens, figuras estereotipadas que Ferrara trata como marionetas. A de Juliette Binoche é especialmente desinteressante, pois a actriz recém-convertida, de look inexpressivo, anémico e new age, dificilmente convence ou desperta entusiasmo.
O realizador composto por Matthew Modine é igualmente unidimensional, já que Ferrara o caracteriza como um céptico ridículo e megalómano, pouco mais do que um saco de pancada por representar o oposto da perspectiva que "Maria Madalena" pretende veicular.
Forest Whitaker fica com o melhor desempenho e com a personagem mais complexa, sendo um dos poucos trunfos do filme, mas mesmo assim o seu papel acaba por funcionar como mais um utensílio da lógica moralista da película.
Para além da escassa substância, "Maria Madalena" é ainda prejudicado por um ritmo que faz com que o filme pareça ter o dobro da duração, onde poucos são os momentos que fogem à monotonia. Há fugazes cenas onde Ferrara capta com intensidade as intrigantes ambiências nocturnas, mas essa energia visual está ausente em grande parte do filme, no geral um amontoado de sequências amorfas e bafientas.
É este objecto inconsequente um filme do mesmo autor do soberbo "O Funeral"?? Heresia!
E O VEREDICTO É: 1,5/5 - DISPENSÁVEL
22 comentários:
Pois, também me deixou bastante apático :(
Sabes que eu gostei muito do filme, mas este comentário não é "do contra".
Mas tenho questões: tendencioso e maniqueísta em que sentido? Panfleto de quê? Não está no texto.
Panfleto pró-religião ou, num sentido mais abrangente, pró-fé, que não dá espaço para argumentos que o contrariem, a não ser através da personagem de Matthew Modine, que está ali para ser ridicularizada. Senti que tentaram impingir-me uma perspectiva.
bem... finalmente algum com a mesma perspectiva que eu :) Já estava um pouco cansado de ser a única voz a criticar o pretenciosismo de Ferrara e a forma como nos impingi a sua visão católica. Vi-o no âmbito do Indie e fui o único, das pessoas com quem fui, que não gostou do filme. Aliás, chega a ser escandalosa a forma como Ferrara nos manipula. Mas pelos vistos não fui o único a sentir isso ;)
Aconteceu-me o mesmo, as pessoas com quem fui adoraram mas achei-o mesmo manipulador, algo que não esperava vindo de quem vem.
Já vi análises darem nota máxima a este Mary. Deves ter achado mesmo manipulador, para dares esta nota.
Abraço :)
Sim, e para além disso bastante aborrecido e com personagens desinteressantes (excepto a do Forest Whitaker, até certo ponto). Fica bem :)
parece que não perdi grande coisa, quando isto passou no indie :S
Vejo as coisas de outra forma. Não acho que seja pró-religião, embora acho que perceba o teu ponto de vista.
Começando pelas personagens do Modine e da Binoche. O Modine talvez seja difícil de aceitar (não acho que o filme seja perfeito) e a Binoche também está no limite. Mas a verdade é que eu acho que o filme tem o centro no Whitaker (aproveito para dizer: um dos maiores actores de sempre).
A partir deste centro é que eu digo que não é pró-relegião. Isto porque acho que, à partida, ele já "queira" ter fé (e isto sou eu a interpretar), mesmo tendo todas as dúvidas que tem. Mais: é uma personagem trabalhada a partir de outra coisa que me atrai muito: a solidão. Ou seja, os problemas dele vão muito mais longe de ter ou não fé, acreditar ou não acreditar, ser católico ou não ser.
E mesmo que se ache (eu não) que o filme acabar com Whitaker a acreditar, limitar o filme a esse último acto parece-me limitar uma enorme complexidade a algo muito fácil.
Maniqueísta e tendencioso são adjectivos que associo à Igreja Católica. E não me parece que o catolicismo de Ferrara ande sequer perto da Igreja. Aliás, a fé de Whitaker é uma fé muito individual, ou seja, é uma fé muito mais protestante (mesmo pietista) do que a católica. Não sei até que ponto se colou o Ferrara católico ao Ferrara realizador. E isso seria um erro.
É assim que vejo apenas esta parte de um filme (de que gosto mesmo muito) complexo e estimulantemente aberto.
André: Há quem goste, arrisca que talvez não te arrependas.
Daniel: Algumas das tuas ideias vão de encontro ao que me disseram as pessoas com quem vi a sessão e que, tal como tu, gostaram do filme. Ok, talvez não seja propriamente pró-religião, mas é, pelo menos, pró-fé (daí ter dito "panfleto espiritual"), e não ofecere muito espaço para o desenvolvimento de outras perspectivas (enfim, oferecer oferece, mas não as encara como legítimas nem com complexidade). Concordo com as tuas observações acerca do Ferrara e da sua interligação com o catolocismo, mas ainda assim considero o filme é tendencioso.
Embora não se deva avaliar um filme pelo trailer, o facto é que este filme não me puxou.
Para mim, Ferrara fez 'o' filme quando realizou 'O Funeral'. De resto, a sua filmografia não me cativa.
Achei "O Funeral" bastante superior, "Maria Madalena" está, quanto a mim, longe de ser um filme marcante.
Bem, concordo que o filme está longe de ser dos melhores do Ferrara, mas... dispensável, Gonçalo?
Acho que o filme teve bons momentos, v.g. todas as encenações dos Evangelhos Gnósticos e as opiniões dos especialistas convidados (e calculo que sejam especialistas de verdade, não actores). O Forest Whitaker esteve, como sempre brilhante - e a Juliette Binoche também!
O que me aborreceu a sério no filme foram os telefones: imensas, longuíssimas e intermináveis conversas ao telefone. Ora, toda a gente sabe que, salvo raras excepções, os telefones em cinema não funcionam, são anti-dramáticos.
Ah e irritou-me também o umbiguismo do Ferrara, com aquelas opiniões da treta sobre a liberdade de expressão.
As encenações dos Evangelhos não me convenceram muito, e as opiniões dos especialistas (reais) têm algum interesse, mas são mais usadas como adereço do que como cenas que conduzam a algo de relevante.
Também acho que o Whitaker esteve bem, mas a Binoche manteve sempre o mesmo ar de enfado, já fez muito melhor.
Apesar de todo o anti-consenso que paira sobre este "Mary", queria mesmo muito ir vê-lo- duvido que venha para a minha terra, talvez na TV, mas queria muito fazê-lo.
O último que me lembro de ver de Ferrara(e tenho vários a querer muito descobrir) foi "R Xmas"- gostei razoavelmente.
Bela crítica. Um bocado dura, como muitos filmes merecem, mas espero que não me aconteça o mesmo quando o ver:)
Ena, seja bem-aparecido, por onde tem andado? :)
Parece-me que o melhor é esperares pelo DVD, mas como reparaste para mim este filme está longe de ser uma prioridade.
Fica bem ()
Com que então a Binoche tem um «ar de enfado»? Marca aí a hora e o lugar para um duelo, Gonçalo :)
E não tem?? Parecia que não a deixavam dormir há dias, coitada...
Duelo? Parece que não aprendeste nada com o filme :P
Bem, no último comment que fiz há 1 longo tempo disse que andava consideravelmente ocupado- encargos escolares e tal. Agora tou mais aliviado:) Mas vinha sempre aqui ver os desenmvolvimentos da tua mente, aquela tal viagem em que, nem tudo, mas muito pode acontecer:P
Pois disseste. Espero que tenha corrido tudo bem, então, e assim já não há desculpa para o realizador da semana não aparecer :P
O diretor conseguiu tratar do tema sem o desnecessário contexto religioso, geralmente nossa expecitativa num filme assim é de ter um embrate contra a igreja, o diretor brilhantemente conseguiu fugir a isso e tocar no ponto real do cristianismo que é o relacionamento real de cada personagem com Deus, acho que é ai que fica a mensagem do filme, não vi o diretor tão preocupado com sequência, fotografia ou parâmetros técnicos cinematrograficos para entusiasmar ou deixar o publico satisfeito com a execução técnica, o foco é a mensagem, se poderia ser melhor técnicamente, é só uma questão de execução, que Holywood já faz muito bem só que sem conteúdo
Não é um embate contra a Igreja mas é tendencioso na mesma, e obriga todas as personagens a terem a tal relação com Deus.
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