quarta-feira, julho 06, 2005

ENTRE A LUZ E A SOMBRA

E quase trinta anos depois, a saga está finalmente completa (ou será que não?). "Star Wars: Episódio III - A Vingança dos Sith" (Star Wars: Episode III - Revenge of the Sith) fecha a mais famosa space opera de sempre, finalizando a trilogia de prequelas que complementam a série original.

Se é verdade que os novos episódios das aventuras intergalácticas geradas por George Lucas - "A Ameaça Fantasma" e "O Ataque dos Clones" - não foram capazes de recuperar as doses de surpresa que os primeiros apresentaram há três décadas, "Star Wars: Episódio III - A Vingança dos Sith" consegue, pelo menos, proporcionar um competente desenlace para a mais recente trilogia, recuperando algum do encanto inicial da saga, que já se julgava definitivamente perdido.

Expondo um dos momentos decisivos da série - a transformação de Anakin Skywalker em Darth Vader -, "Star Wars: Episódio III - A Vingança dos Sith" contém por isso uma considerável aura mítica, tendo em conta que as reviravoltas que apresenta são incontornáveis para o desenrolar de "Star Wars: Episódio IV - Uma Nova Esperança", "Star Wars: Episódio V - O Império Contra-Ataca" e "Star Wars: Episódio VI - O Regresso do Jedi".

Elogiado por algumas vozes, que o consideram um dos episódios mais complexos e ambíguos da saga, o filme tem, de facto, o mérito de reduzir o excessivo maniqueísmo presente nas aventuras anteriores, enveredando por atmosferas emocionais mais dúbias e cinzentas. Nesse sentido, a personagem de Anakin Skywalker é determinante, uma vez que concentra uma conturbada rede de inquietações e dúvidas acerca da postura a adoptar e dos ideias a defender.

Esta interessante dilaceração emocional é incomum na série, habitualmente marcada por personagens desprovidas de considerável densidade dramática, mas mesmo assim poderia ter sido melhor trabalhada, tendo em conta que a transformação do protagonista nem sempre é convincente (a abrupta revolta contra os Jedi, ainda que minimamente justificada, é pouco credível, assim como alguns actos extremistas que Anakin enceta).

"Star Wars: Episódio III - A Vingança dos Sith" é um filme por vezes vibrante, mas desigual no seu todo. Se a nível visual George Lucas volta a superar-se, oferecendo mais uma galeria de prodígios técnicos e cenários apropriadamente megalómanos, na narrativa essa eficácia não se manifesta de forma tão recorrente, uma vez que o filme está repleto de altos e baixos, oscilando entre combates demasiado longos e previsíveis (de que são exemplo os cansativos vinte minutos iniciais, onde os heróis derrotam os antagonistas com uma facilidade nada verosímil), e pequenos momentos onde o realizador revela maior singularidade (como nas bem conseguidas cenas finais, onde os destinos de Anakin e Amidala são apresentados em paralelo).

Ainda que possua algumas sequências arrepiantes, sobretudo na segunda metade (quando a tensão se adensa a cada minuto), "Star Wars: Episódio III - A Vingança dos Sith" não evita certos elementos mais débeis, casos dos imberbes e simplistas diálogos entre o par central, um argumento demasiado esquemático, personagens sem grande espessura (excepto Anakin Skywalker e Obi-Wan Kenobi) e uma mediana direcção de actores.

Há, contudo, algumas surpresas, como a sólida prestação de Hayden Christensen, capaz de evidenciar as contrariedades emocionais de Anakin, onde o actor expõe uma enigmática relutância que já tinha dado bons resultados em "Shattered Glass - Verdade ou Mentira", de Billy Ray. Não é um desempenho brilhante, mas é suficientemente competente e, por isso, contribui para que o filme resulte (se falhasse, "Star Wars: Episódio III - A Vingança dos Sith" não se aguentava).

Ficando longe do estatuto de obra-prima, ou mesmo de uma película especialmente ispirada, o terceiro episódio da trilogia de prequelas convence ao inserir um vital intimismo numa saga contaminada por uma constante (e excessiva) espectacularidade.

Não traz nada de novo ao universo da ficção científica (muito mudou em trinta anos), mas é, mesmo assim, uma recomendável aventura intergaláctica, resgatando o carisma (ou parte dele) de uma saga à beira do esgotamento. Um entretenimento escorreito com um eficaz contraste entre a luz e a sombra, e provavelmente o mais forte candidato ao título de "filme-pipoca de culto" de 2005...

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

15 comentários:

Anónimo disse...

Não passa disso, BOM, apesar de ser um episódio importante, os actores serem competentes e os efeitos especiais muitos bons, falta-lhe aquele carisma a clássico, como Donnie Darko por exemplo conseguiu.

gonn1000 disse...

Ah pois, o "Donnie Darko" prova que, por vezes (ou mesmo muitas vezes), "less is more"...

Daniel Pereira disse...

Comparar o Donnie Darko ao "Star Wars" foi das coisas mais estranhas que li ultimamente...

Em relação ao filme, queria só discordar sobre a passagem dúbia de Anakin para o lado negro. A meu ver é bastante lógica porque Anakin é desde sempre descrito como intempestivo nos seus sentimentos. E quando o amor por Amidala é enorme tudo faz clic.

gonn1000 disse...

Não acho a comparação assim tão descabida, uma vez que ambos os filmes se enquadram nos domínios da ficção científica. A diferença é que enquanto o novo Star Wars é mais do mesmo, "Donnie Darko" possui uma aura única e muito mais inovadora.

E sim, a alteração de Anakin foi um processo gradual, mas daí a passar de um guerreiro nobre para um obcecado sem escrúpulos que (SPOILERS) chega a assassinar crianças parece-me um pouco demais...

Daniel Pereira disse...

"Donnie Darko" um filme de ficção científica? Tenho que ver esse.

E muito acertada a explicação do André.

Anónimo disse...

Daniel Pereira: Donnie Darko é uma mistura de ficção, fantasia, terror, viagens do tempo, fim do mundo, coelhos gigantes e esquizofrenia. Mas como não conheces, é considerado uma das melhores surpresas dos últimos anos, dentro do seu género claro!

Daniel Pereira disse...

Conheço sim, Membio. Esqueceste-te de referir que "Donnie Darko" é ainda (e, na minha opinião, sobretudo) sobre a dificuldade de ser adolescente e todas as alegrias e amarguras daí resultantes. E também há ali muito amor...

Surpresa dentro do género não. Surpresa em todo o cinema. Por isso não gosto que reduzam "Donnie Darko" - filme que adoro - a um filme de ficção científica.

gonn1000 disse...

André Batista: Não se vê o assassínio, mas isso parece-me irrelevante, pois é óbvio que as crianças foram mortas por Anakin (e, como disse antes, acho uma atitude demasiado extremista para uma personagem que até então era nobre, embora hesitante)...

Daniel Pereira: "Donnie Darko" não é só um filme de ficção científica, mas pega nesse género para inverter as coordenadas e apresentar algo de novo, o que já não acontece com o mais recente episódio de "Star Wars", que não traz nada de inovador, a não ser a nível dos efeitos especiais (o que não é necessariamente mau, mas também não lhe permite juntar-se às obras dignas de nota). E já agora, isto é só a minha opinião...

Membio: Sim, é isso :)

Daniel Pereira disse...

Ainda em relação ao assassínio se não se vê é porque a elipse é bem feita e isso é fundamental para o bom/mau gosto da cena.

Gonçalo, continuas a comparar o "Donnie Darko" com o Star Wars, isso a mim interessa-me pouco. E continuo a dizer que o filme pouco tem de ficção científica.

É nelhor ir ficando por aqui senão também se alonga demais isto...

magnolias_forever disse...

Bem, gostos à parte, na minha opinião este "Star Wars: Episódio III - A Vingança dos Sith", não acrescenta realmente nada de novo ou inesperado se quiserem, mas o Star Wars tem aquela inexplicável dose de magia, que fez da trilogia original uma das coisas mais importantes da nossa infância, e apenas isso era exigido e na minha opinião de ádmiradora da saga foi sem dúvida conseguido!
Adorei! É bom .. é mesmo muito bom!!

Sem querer reacender a discussão,
isto vai sair daqui um novo filme:
Star Wars versus Donnie Darko
LOL, Donnie Darko é um excelente filme, genial! Adorei mas não comparem! Não pela qualidade de ambos (porque ambos, são muito bons) mas pela comparaçao de géneros, acho que não tem mm nada a ver um com o outro!!

gonn1000 disse...

Daniel: Eu não me referia ao bom ou mau gosto da cena, apenas à atitude de Anakin, que me pareceu exagerada. E sim, acho que "Donnie Darko" apresenta uma variação interessante sobre os moldes da ficção científica...

magnolias_forever: Pois, mas como não me considero fã da saga acho que este novo episódio não merece mais de 3/5, dada a escassez de novidade...

Anónimo disse...

Gostei de ler a tua análise, apesar de não concordar com tudo, mas enfim...opiniões :P! Continua o bom trabalho, como até aqui :).

Cumps. cinéfilos

gonn1000 disse...

Pela classificação (elevada) que lhe atribuíste, é natural que não concordes, mas pronto, são mesmo gostos...Fica bem ()

Francisco Mendes disse...

off-comment: É claro que "Donnie Darko" é ficção científica, o seu próprio criador definiu-o como tal! Aliás o enigma oculto criado por Kelly é pura ficção científica. Universos paralelos não estão relacionados com dramas adolescente!

Agora é assim: tal como disse na minha crítica, "Donnie Darko" transcende o género e efectua uma harmoniosa mescla de géneros... e é aqui k entra o poderoso grito adolescente e a crítica à década de 80 americana, etc...

Abraço ao Daniel e ao Gonn1000.

gonn1000 disse...

Concordo contigo, Francisco. Abraço para ti também ()