Após experiências recentes em obras como "A Pianista" (La Pianiste), de Michael Haneke, ou "Duas" (Deux), de Werner Schroeter, Isabelle Huppert regressa ao grande ecrã em mais um papel atípico. "Minha Mãe" (Ma Mère) é uma intensa proposta do cinema francês contemporâneo, centrando-se num universo claustrofóbico que congrega temas como o sexo, os laços familiares, o crescimento, a morte, a moral, a obsessão e o amor. O cineasta Christophe Honoré adaptou a obra literária homónima do "escritor maldito" Georges Bataille, inserindo na sua versão algumas influências de autores mais recentes como Bret Easton Ellis ou Dennis Cooper.
Focando as relações ambíguas entre um jovem de 17 anos, Pierre (Louis Garrel, que participou no muito recomendável "Os Sonhadores", de Bernardo Bertolucci) e a sua mãe Hélène, uma instável e hedonista mulher de meia-idade (Isabelle Huppert), "Minha Mãe" apresenta um denso olhar sobre personagens fracturadas que testam os limites da perversão e do amor.
Educado pela avó, Pierre encontra-se com os pais nas ilhas Canárias na perspectiva de se tornar mais próximo destes, mas pouco depois da sua chegada o seu pai sofre uma morte abrupta e inesperada. Com uma estrutura familiar dilacerada, o processo de crescimento e educação de Pierre será agora obtido através das experiências geradas pela sua mãe, que o inserem num mundo divergente das influências mais tradicionais e conservadoras que o moldaram até então. À medida que vai desvendando os segredos que Hélène lhe escondia, Pierre começa a sentir emoções cada vez mais extremas e profundas em relação à sua mãe, encetando uma caminhada numa complexa espiral descendente que o conduz ao abismo e a uma realidade difícil de suportar.
Christophe Honoré apresenta uma história marcada por atmosferas enclausuradoras e soturnas, ambientes caracterizados por personagens deslocadas e sem rumo que vivem experiências desprovidas de limites e fronteiras. A vertente transgressora do filme adensa-se continuamente, acompanhando a iniciação sexual de Pierre e as suas perspectivas (cada vez mais ambivalentes) acerca do novo mundo a que é exposto, despoletando um processo que mescla as margens entre a inocência e a perversão. Para melhor explorar este processo, o realizador recorre às ambiências nocturnas da ilha que, apesar de preenchidas por uma imensa multidão de turistas num contexto festivo e boémio, se caracterizam por cenários de sinistra melancolia e cruel solidão. Nestas viagens nocturnas ocorrem arriscados e intensos jogos de sedução, que originarão um conjunto de cenas cruas e abrasivas marcadas pelo desejo e sexo.
Christophe Honoré proporciona momentos que recorrem a um erotismo duro e visceral, essenciais para que Pierre se aproxime do universo e dos territórios de Hélène. Devido a cenas como essas, "Minha Mãe" arrisca-se a ser encarado como mais um filme-choque que tenta destacar-se pelo repúdio e abjecção que poderá eventualmente suscitar (um pouco à semelhança com o que ocorreu com "Ken Park - Quem És Tu?", de Larry Clark, que se estreou em Portugal em 2003 e abordava temáticas relativamente próximas). Contudo, o realizador preocupa-se em oferecer ambientes, personagens e linhas narrativas suficientemente convincentes e hipnóticos para que tal rótulo seja desconsiderado, gerando uma obra que tem tanto de emocional e caloroso como de gélido e distante.
Apresentando uma interessante perspectiva acerca da gestão dos afectos, das dores de crescimento, da sexualidade, da perversão e do desvio, "Minha Mãe" combina ambientes oníricos, algum humor negro, um desconcertante estudo de personagens e comprova a vitalidade do cinema francês recente. Dificilmente será um filme consensual, em certos momentos é mesmo pouco apelativo e e algo repetitivo, mas essa natureza dúbia (que tanto entusiasma e absorve como se estranha e repele) torna-o numa das obras mais ousadas e singulares do ano.
E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM
6 comentários:
oh God!
amo a forma como escreves para já...
depois...depois...temos Huppert a deusa..amo-a acima de tudo!
venerei Ma Mere, exactamente pela base, pela tematica, por td o q esta inerente na literatura adaptada do "maldito" Bataille, irrepreensivelmente interptetado por Huppert...e Garrel tambem...
merecia mais que 3...4 =)
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Obrigado :)
Gostei do filme, mas não me esmagou, mostra que o Honoré tem talento e sabe o que faz mas há por ali uma frieza emocional que me impede de gostar mais deste "Minha Mãe".
não sabia que tinhas respondido =)
Pois "Ma Mere", a meu ver, esta brilhante mas nao me esmagou tambem, nao me cativou no sentido de plenitude, pq li "O Erotismo" e alguns livros de Bataille e acho que Honore poderia ter criado melhor com esta materia.prima, sem duvida. Mas ha Huppert, e ela deixa-me sempre de beicinho, uma pessoa nao pode fazer nada..
Quanto à frieza emocional, em qq obra com ela existe uma pedra de gelo, uma x escrevi 1 post sobre ela em que o disse, mm em "Ma Mere" os supostos raios de sol eram mto glaciares, faz parte, agora axo q Ma Mere falha pq existe um retrato quase ridiculo das formas de transgressão expostas...nao sei...foi ambíguo no fundo. Mas a tematica para mim é tao enfatica que supera tudo.
Tem cenas ridículas, mas são intencionais. O final então não deixa dúvidas, já que alia uma atmosfera tensa e sofrida a um implacável humor negro. A Huppert está muito bem, gélida e impenetrável, mas faz parte.
Gostei muito da sinopse do filme, este filme se encontra nas locadoras do Rio de Janeiro, ou como posso compra-lo, meu no é Gláucio Ferreira, meu email: glaucio.j.m.f@pop.com.br
Não sei, não sou brasileiro, mas presumo que se deva encontrar algures por aí, ou então podes comprar via net através do Amazon (www.amazon.com), por exemplo.
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