quarta-feira, novembro 24, 2004

UM SALÃO COM 15 MINUTOS DE FAMA

23 horas. Levantamos os bilhetes e vamos beber um refrigerante no Café dos Teatros, no Teatro Municipal São Luiz.

23:15. Instalamo-nos numa das várias mesas de esplanada dispostas pelo Jardim de Inverno para assistir à comédia “Celadon”, com as "chalaceiras" Ana Bola e Maria Rueff. Enquanto aguardamos temos oportunidade de notar que, depois de dois meses de representações, a sala ainda se encontra repleta de espectadores, a confirmar a admiração de muitos pela curiosa dupla de actrizes. Ao fundo, no palco, há apenas um balcão onde está simplesmente escrito “Celadon”, as paredes laterais reflectem listas de várias cores, efeito da projecção das luzes que aí incidem, e a última lista contém imagens de jovens - obrigatoriamente fashion - a deambularem num fundo branco, e mais tarde percebemos que estas imagens sugerem a circulação de pessoas num centro comercial (ou melhor, num Fórum, que é sempre mais sofisticado e selectivo, onde até é preciso ir de carro).

23:30. Anuncia-se que o espectáculo vai começar e avisa-se que não é permitido captar imagens. É então que se houve algum barulho atrás de nós e reparamos que está a entrar a pitoresca Denise de Magalhães (Ana Bola) acompanhada pela sua recente assistente no seu salão de nails – Celadon – a madeirense Maria Delfina Caroço (Maria Rueff). Estas duas figuras, com penteados exuberantes, socas de saltos altíssimos e vestimentas igualmente sugestivas, chamando a nossa atenção para os "glúteos" ou "nádias" da chefona Denise, devem ter acabado de tomar uma refeição no Fórum onde trabalham, uma vez que cada uma traz um tabuleiro da fast-food, o qual deixam cair, Denise por instinto e Delfina por imitação.

Acontece de tudo um pouco neste salão de nails excepto aquilo que supostamente era óbvio fazer-se: trabalhar. Denise sabe muito bem inventar histórias, na verdade é fácil acreditar nela, consegue encarnar o estilo necessário para ser uma “tia” e é isso que ambiciona ser, viver nas festas, ser famosa e aparecer na revista “Trombas”. Delfina também tem tudo para ser famosa. Tal como a sua patroa, também não sabe fazer nada para além de nails - embora, vá lá, consiga trabalhá-las em porcelana, em gel, com ou sem piercing,…- nem sequer pensar. Querem alguém com melhor perfil para ser famoso em Portugal e posar para as fotos das incontáveis revistas à disposição num qualquer salão de cabeleireiro ou no lar de uma dona de casa que se preze?

A encenação (de António Pires) é adequada, até porque as actrizes conseguem transmitir eficazmente as peculiaridades do espaço através de uma competente e carismática representação. Guarda-roupa e cabelos igualmente fantásticos, ajudando muito para que esta comédia portuguesa - apesar dos muitos estrangeirismos, ou melhor, neologismos constantemente debitados por Denise - produza os seus efeitos. E, para o género de espectáculo que é, poder ser visto num café-teatro, de uma maneira descontraída, fumando um cigarro e tomando alguma coisa, faz com que os espectadores se libertem e consigam tirar proveito do que estão a assistir.

Uma peça mais divertida do que interessante, nada de surpreendente ou particularmente inesperado. Gera diversas gargalhadas – o público deliciou-se em múltiplas ocasiões - mas estas actrizes nem sempre conseguem dissociar-se das personagens que representam há alguns anos, pelo que “Celadon” pode descrever-se como um misto do humor algo corriqueiro e previsível dos sketches recentes apresentados no Herman Sic e de uma refrescante dose de nonsense digna dos melhores laivos de inspiração das Produções Fictícias (o texto, contudo, é da autoria de Ana Bola).

Com uma boa disposição suficientemente contagiante e um considerável espírito crítico – a fama em destaque, mais uma vez - “Celadon” consegue gerar momentos de antologia, como o relato da vida do azarado pai de Delfina ou a minuciosa e divertida descrição da festa de VIPs, da qual Denise foi (só acredita quem quer) espectadora. Entretenimento garantido.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

Qui a Sáb: 23h30 - Teatro Municipal S. Luiz:

Jardim de Inverno Rua António Maria Cardoso, 601200-027 Lisboa Telefone: 213 257 650

Artigo escrito por mim e pelo Olarques acerca do espectáculo da passada quinta-feira.

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