segunda-feira, setembro 11, 2006

O ÚLTIMO DESTINO

Cinco anos após a tragédia do 11 de Setembro, começam a surgir os primeiros olhares cinematográficos centrados nas várias situações que decorreram nesse dia, tanto nas dos ataques às Torres Gémeas (em que se concentra “World Trade Center”, de Oliver Stone”) como na dos aviões que foram desviados pelos terroristas, foco principal de “Voo 93” (United 93), de Paul Greengrass.

É certo que ecos dos acontecimentos deste dia que parou o mundo já se manifestaram noutras obras, de forma mais ou menos explícita, desde “A Última Hora”, de Spike Lee, a “Homem-Aranha 2”, de Sam Raimi, mas só agora surgem os primeiros títulos em que os atentados terroristas e as reacções das vítimas são o cerne da acção.

O filme de Greengrass acompanha, em tempo real, as peripécias decorridas no voo 93 da United Airlines, um dos quatro aviões desviados e o único que não atingiu o destino programado pelos terroristas, despenhando-se na Pensilvânia antes de conseguir chegar a Washington.
Tendo em conta que o voo não decorreu da forma que os terroristas esperavam devido às reacções a tripulação, a película oferecia material mais do que suficiente para se tornar numa mera desculpa para elogiar a determinação, coragem e união dos tripulantes, mas Greengrass, embora não ignore a atitude proactiva de muitos passageiros, também não transforma o filme num objecto patriótico e manipulador.

Recorrendo a um estilo próximo dos docudramas de matriz britânica (que já havia explorado, mas com resultados pouco estimulanets, em “Domingo Sangrento), o realizador inglês é capaz de se distanciar o suficiente para que “Voo 93” impressione pelo respeito e equilíbrio com que aborda os acontecimentos em torno da conturbada viagem.
Ao recusar heroísmos grandiloquentes e maniqueísmos fáceis, Greengrass tenta ser o mais factual possível, tendo contado com a colaboração de amigos e familiares dos passageiros (acedendo inclusivamente às conversas telefónicas efectuadas durante o voo) para a reconstituição dos acontecimentos decorridos antes e durante a viagem.

Dispensando nomes mediáticos entre o elenco e não chegando a construir personagens, reforçando assim o enfoque no acontecimento e não numa figura específica, o filme convence também pela apropriada realização nervosa que torna as cenas ainda mais plausíveis.

Com uma primeira hora concentrada quase sempre nos múltiplos centros de controlo dos voos - gerando meticulosamente uma tensão que se torna cada vez mais palpável - e um longo segmento final ambientado maioritariamente a bordo do avião - onde a perspectiva clínica presente até então dá origem a sequências mais perturbantes, uma vez que documentam a inquietação dos passageiros (e dos próprios terroristas) - “Voo 93” resulta numa projecto atípico, pois apesar do espectador já saber qual o desenlace (ou talvez por isso mesmo) não deixa de ser contaminado por um considerável sentimento de frustração e impotência face a situações que, embora retratadas num filme, ultrapassam o campo da ficção.

O esquematismo da narrativa poderá encorajar críticas dos detractores do filme, mas é determinante para que “Voo 93” funcione enquanto uma eficaz e crua experiência cinematográfica, que felizmente se distancia de um oportunista objecto centrado num dia trágico e merece ser visto pelo documento sério e honesto que é.

E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

18 comentários:

Marco Aurélio disse...

Quando naquele dia me deparei com a imagem dos aviões batendo no World Trade Center, pensei que fosse algum novo filme B de ação dos EUA. As imagens eram muito reais. Vou assistir esse filme, pensei. Só depois de alguns minutos que me dei conta do que estava acontecendo.

Um abraço

Marco Aurélio

gonn1000 disse...

Também assisti a tudo em directo e a sensação de incredulidade foi semelhante. Às vezes a realidade é mesmo mais estranha do que a ficção. Fica bem :)

Susana Fonseca disse...

Questão/desafio sobre os filmes de Almodóvar!!!

gonn1000 disse...

Off-topic, mas ok :P

great (tiny) artists disse...

nao aguento mais a tematica 9/11. foi horrivel eu sei, mas nao chega ja? e ver 100 documentarios sobre isto na televisao em todos os canais? quem e que aguenta? argh.

gonn1000 disse...

Pois então prepara-te, pois parece-me que a moda dos filmes centrados nessa temática está só a começar. Não que me incomode muito, desde que estes sejam bons, como creio ser o caso de "Voo 93".

Vinícius P. disse...

Achei o filme um pouco melhor, na verdade achei excelente. ótima crítica.

Nic disse...

boa critica com a qual concordo. uma recriacao da realidade, despida de sensasionalismos hollywoodescos!

gonn1000 disse...

Vinícius P.: Obrigado. Eu gostei, mas não me arrebatou.

Nic: Obrigado. Sim, a sobriedade que Greengrass consegue manter do início ao fim é o maior trunfo do filme.

Lid disse...

Concordo com a Filipa. A questão já deu o que tinha que dar.

gonn1000 disse...

No cinema ainda não deu quase nada, isto é só o princípio...

Barão da Tróia II disse...

Boa dica, fica registado, obrigado.

gonn1000 disse...

Disponha sempre :)

Anónimo disse...

Grande filmaço.

gonn1000 disse...

Não acho que seja um "filmaço", mas está acima da média.

Carlos M. Reis disse...

Não gostei. Existe um "Flight 93", feito para televisão (não, não é nenhum dos que passou nas televisões portuguesas) que é bem melhor do que este United 93. Mas muito melhor mesmo. Fica a sugestão, a quem o conseguir arranjar.

Cumprimentos Gonçalo.

gonn1000 disse...

Só vi mesmo este, e gostei, mas compreendo que não seja um filme consensual. Fica bem ()

gonn1000 disse...

Tendo em conta o teu texto e classificação, parece-me que gostaste mesmo ainda mais do que eu, sim.