terça-feira, agosto 29, 2006

REBELDES SEM CAUSA

Cineasta veterano e nem sempre consensual, Philippe Garrel regressa em 2006 com um filme que se arrisca, tanto pela temática como pela abordagem, a situá-lo num espaço tão pessoal quanto hermético.
Crónica do quotidiano de um grupo de jovens durante e após o Maio de 68, “Os Amantes Regulares” (Les Amants Réguliers) apresenta uma visão pessoal, com traços autobiográficos, de um período controverso da história francesa recente, mas se a película parte de um tema com potencial os resultados são no mínimo desequilibrados e ficam aquém das expectativas.

Desnecessariamente longo e repetitivo, arrastando-se por cansativas três horas pontuadas por várias cenas de relevância discutível, o filme evidencia a espaços que Garrel tem boas ideias mas a estruturação destas corre o risco de desinteressar até o espectador mais paciente.

O tom quase documental com que são focados os actos de revolta dos estudantes nas ruas começa por ser intrigante, propondo um realismo cru e palpável, sugerindo tensão e sentido de urgência. Contudo, estes primeiros momentos do filme tornam-se incipientes quando prolongados até à exaustão, impossibilitando qualquer carga dramática devido a uma monótona e aleatória sucessão de atritos e perseguições.

Já na ressaca dos conflitos do Maio de 68, a segunda parte de “Os Amantes Regulares” segue a convivência de parte dos jovens revolucionários na mansão de um deles, dando particular ênfase à relação que nasce entre um poeta, François, e uma escultora, Lilie. Oscilando entre a utopia e o cepticismo, o relacionamento do jovem casal espelha o clima de ambivalência e hesitação que se disseminou após uma revolta que descoordenou ideais e motivações.
Nas cenas entre os dois amantes, Garrel consegue implementar pontuais momentos de intimismo e densidade emocional, ausentes no filme até então, mas ainda assim os protagonistas surgem quase sempre como figuras distantes e demasiado indecifráveis, e em última instância pouco envolventes.

Relato de um panorama onde o activismo é mais demonstrado do que sentido, “Os Amantes Regulares” acaba por fornecer uma perspectiva dos jovens rebeldes não muito diferente da de “Os Sonhadores”, mas onde o filme de Bertolucci oferecia uma vibrante e sedutora experiência cinematográfica, o de Garrel raramente vai além de uma pouco absorvente mediania.

A película tem os seus méritos, já que Louis Garrel, filho do realizador e, curiosamente, um dos protagonistas de “Os Sonhadores”, obtém aqui uma interpretação correcta na pele de François, assim como Clotilde Hesme como Lilie. A belíssima e intensa fotografia a preto-e-branco de William Lubtchanski concede às imagens uma singular energia, e alguns diálogos são inspirados e oportunos, mas mesmo estes elementos convincentes não compensam o ritmo letárgico nem a palha narrativa que “Os Amantes Regulares” vai acumulando, deixando-o como um rascunho do que poderia ter sido.
E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL

7 comentários:

gonn1000 disse...

Já tinha visto que tinhas gostado muito do filme, mas para mim foi uma decepção. Tem momentos interessantes mas no geral falha mais do que acerta.

Anónimo disse...

concordo plenamente. até o acho pior que razoável, foram 3 horas penosas.

gonn1000 disse...

Houve muita gente a sair antes do fim na sessão a que fui, mas apesar de alguns momentos entediantes acho que o filme ainda tem interesse.

Anónimo disse...

Subscrevo as palavras de h.
O filme, tem uma fotografia excelente. Quem gosta de cinema alternativo/independente, ate diria mais um filme francês de boa qualidade age com uma visão diferente, falo por mim nada me escapa, cada pormenor tem um significado. les amantes reguliers, de Garrel, na ausencia de qualquer tipo de "argumento" transmite varios indicios para entender o total da historia de dois jovens. indicios tais como os quadros do pintor, os poemas...
Quanto aos Sonhadores, apenas visualizei o trailer, por curiosadade, (por causa do Louis), sinceramente, n cativou.. ;)
Gostei do blog ;)
Muitos filmes!! vou ter todo o prazer em comentar brevemente... ate la..
baciu
Ahhh!!! Les amants régulieres -> 4/5 :)

gonn1000 disse...

Concordo na parte da fotografia, é de facto muito boa, mas o "argumento" não me pareceu tão estimulante.
Estás convidada para coemntar brevemente, então, bons filmes ;)

Hugo disse...

PAlha narrativa?

PArece que nem estamos a falar de um dos melhores exercícios cinematográficos dos últimos anos. LEs amants réguliers, sempre na lógica do eterno retorno, funciona como manifesto. Manifesto de cinema artesanal, com capacidade de abstracção e, mais importante, capaz de receber criticamente os ensinamentos alheios (desde a NOuvelle Vague, passando pela Segunda Vaga Italiana). Neste particular, esta obra-prima de Garrel é o contraponto perfeito de "La maman et putain", de Jean Eustache.

Em qualquer cso, chamar à colação "the dreamers" é que não. The dreamers é o filme de quem sonha com algo que não viveu, enquanto que este "les amants réguliers" é o retrato agridoce de quem lá esteve...

Salvo o devido respeito, uma afirmação dessas é descabida e sem sentido. "les amants réguliers" não é uma experiência hermética. Pelo contrário. Basta que o espectador se deixe levar.

Devo dizer que das vezes em que o vi (incluindo a ante-estreia na Cinemateca) também os espectadores saíram. Motivo simples: preguiça para se concentrar em algo que exige atenção. De uma vez por todas, há que se convencer que ir ao Cinema não é só uma mera distracção visual. Pelo contrário, é um exercício de reflexão sobre o aqui e agora, a partir de algo que é projectado na tela. Algo que André Bazin já há muito tempo ensinava.

gonn1000 disse...

"Salvo o devido respeito, uma afirmação dessas é descabida e sem sentido. "les amants réguliers" não é uma experiência hermética. Pelo contrário. Basta que o espectador se deixe levar."

Resta acrescentar que os espectadores não são todos iguais, nem a forma como acolhem um filme. No meu texto descrevi a forma como encarei "Os Amantes Regulares", e quando o fui ver não creio que tenha sido "preguiçoso", pelo contrário, estive sempre concentrado mas no final não achei que o filme merecesse muito as três horas que lhe dispensei.
Referi "Os Sonhadores" porque a acção decorre no mesmo período mas Bertolucci conseguiu criar um filme bem mais entusiasmante e sim, sem palha narrativa.