quarta-feira, agosto 09, 2006

CRIME E CASTIGO

À partida, e tendo em conta o trailer e restante material promocional, "Há Dias de Azar..." (Lucky Number Slevin) não parecia ser mais do que um blockbuster igual a tantos outros, que pouco ou nada acrescenta ao cinema ou a quem o vê, aparentando ser mais um concentrado de sequências de acção acompanhadas por alguns one-liners supostamente cómicos.

No entanto, e como por vezes as primeiras impressões enganam, esta película de Paul McGuigan consegue ser mais inventiva e imprevisível do que grande parte dos produtos do género, mérito de um argumento que de início se limita a seguir uma segura rotina mas que a meio do filme aposta numa arriscada, mas bem sucedida, mudança de registo, habilitando-se a retirar o tapete debaixo dos pés aos espectadores mais incautos.

Se o argumento é engenhoso, "Há Dias de Azar..." convence também em praticamente todos os outros aspectos, seja na realização e montagem fluídas q.b., capazes de gerar uma atmosfera carregada de coolness e energia cinética sem enveredar por um enjoativo estilo de videoclip; na construção das personagens, que apesar de esquemáticas se adaptam com eficácia a um enredo onde a vingança se interliga com o humor; ou na direcção de actores, pois o elenco é muito equilibrado e proporciona alguns desempenhos deliciosos por parte de gente como Morgan Freeman, Ben Kingsley, Bruce Willis, Stanley Tucci, Lucy Liu e Josh Hartnett, este último na pele do azarado protagonista que se vê envolvido num conflito entre dois chefes do submundo nova-iorquino.

De resto, os frequentes flashbacks não se tornam cansativos nem incongruentes, devido a um final que consegue atar com competência as pistas que vão sendo lançadas, e os diálogos são certeiros e irónicos, originando uma dose generosa de gags.
O filme só falha para quem levar demasiado a sério a moral de algumas personagens, ainda que "Há Dias de Azar..." pretenda (e ainda bem) ser mais um consistente entretenimento pipoqueiro do que um estudo psicológico sobre os abismos da esfera humana.

Longe de essencial, "Há Dias de Azar..." é contudo um blockbuster bastante satisfatório, com uma inteligente mistura de suspense e humor e reminiscências (mais do que assumidas) de filmes de Hitchcock, Tarantino e das aventuras de James Bond.
A par de "Kiss Kiss Bang Bang" e "Medo de Morte", é uma das refrescantes surpresas de 2006 capaz de dar novo fôlego aos códigos do crime noir, e tal como nesses casos a vertente comercial não anula, felizmente, a criativa.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

12 comentários:

serebelo disse...

Pouco a ver com o post em si, mas sim com o título. Acabei de ler as mais de 500 páginas do "Crime e Castigo" ainda há pouco e vejo este teu título.
Não há coincidências...?
Abraço insular.

gonn1000 disse...

Nuno: Hey, achei que a realização era boa, pelo menos se a comparar com blockbusters a la Michael Bay ou Bruckeimer, e a direcção de arte pode colocar o estilo visual à frente do resto em alguns momentos mas no geral resulta. Fica bem ()

Serebelo: Nunca o li, mas é daqueles que pretendo conhecer um dia... Também não li o "Não há coincidências" :P
Hasta ()

M0rg4n disse...

Todos os twists que nos vao sendo apresentados sucessivamente, quanto a mim, sao demasiado previsiveis, e concordo que, apesar de estilizada, toda a cenografia acaba por parecer demasiadas vezes demasiado forçada. Lucy Liu em grande, Ben Kingsley demasiado caricatural (sim, a estoria nao e' para ser levada a serio, mas acho que um pouco de equilibrio nao lhe tinha ficado mal), Morgan Freeman igual a si proprio (pronto, nao e' dos meus actores favoritos), Bruce Willis benzinho, Josh Hartnett vai-se aguentando... Mas este exercicio tarantino wannabe nao me convenceu mesmo nada.

Carlos M. Reis disse...

É bom mas poderia ter sido ainda melhor. De qualquer forma bate as espectativas iniciais. Até eu que não suporto Josh Harnett em lado nenhum, lá consegui aguentar com ele até ao fim. Peca por ser algo irregular, ora num bom ritmo, ora num ritmo muito morno.

Cumprimentos Gonçalo.

gonn1000 disse...

Nuno: Esses eventuais excessos estilísticos não me incomodaram muito, aliás até gostei dessa ousadia a nível formal, e se formos por aí então há certos filmes do Soderbergh, por exemplo, em que essa singularidade visual me parece ainda mais injustificada e quase ninguém reclama. A tradução do título é fraca, sim, mas isso já nem surpreende :)

Ahsonnutli: Não achei que os twists fossem assim tão previsíveis e penso que o elenco, goste-se mais ou menos, não envergonha ninguém.

H.: Também não acho que seja um filme extraordinário, mas dentro dos entretenimentos pipoqueiros que por aí andam está acima da média (mas também, quando às salas chegam coisas como "O Matulão da Vovó" ou "O Rafeiro" não é difícil fazer boa figura na comparação).

Knoxville: Sim, é o filme tem um ritmo irregular mas como esperava menos foi uma boa surpresa.

Cumprimentos para todos e bons filmes ;)

gonn1000 disse...

Eheh, o Ocean's (o Eleven, que o Twelve não cheguei a ver) achei banalíssimo de "The Limey" não vi.

Anónimo disse...

Das obras mais surpreendentes que vi nos últimos tempos. Dava-lhe talvez uma pontuação ligeiramente superior á tua: um 3,5/5. Estava á espera de bem pior antes de o ver!

Abraço

gonn1000 disse...

É de facto surpreendente, um entretenimento bem conseguido que também superou as minhas expectativas. Fica bem ()

Anónimo disse...

Vi este ontem, no dia do regresso à minha terra(sim, sempre consegui arranjar voo para o Porto) e... concordo praticamente com tudo o que escreveste, até a nota (6/10). Não é extraordinário, não é fracote- o que acontece é a sua qualidade ser 1 tanto maior que o esperado em vez de estar abaixo do aceitável, como era esperado. Ou seja, com balanças cinematográficas assim, o espectador fica a ganhar quando pensava que o contrário era o mais viável. Nice! Esperava também que houvesse muita inconsequência cómica e ainda bem que me enganei. E já agora, sempre simpatizei mais com o Roger Moore:)

gonn1000 disse...

Ocorre alguma inconsequência cómica na primeira metade do filme, mas muito menos do que o trailer dava a entender, felizmente. Então sempre conseguiste ir? Que tal o concerto, justificou a viagem??

Anónimo disse...

Hell yes!! O concerto foi magnífico e a banda deu 1 show de show, lol:P O Mick está numa forma incrível, tem 1 energia k contagia à vontade 47 mil pessoas. E a parte em k a banda principal deslocou-se numa plataforma para mt longe do palco e ficou lá a actuar algum tempo foi também magnífica e cheia de estilo. Foi histórico, grandioso e estrondoso. Long live the Stones!

gonn1000 disse...

Ainda bem, então, afinal depois de tanta preoupação ainda foste bem recompensado. Continuo sem perceber é porque é que eles não vieram também a Lisboa, mas enfim...