segunda-feira, fevereiro 28, 2005
A DROGA PERFEITA
Não seria fácil criar um sucessor para "The Downward Spiral", o disco mais emblemático dos Nine Inch Nails e, para muitos, um dos melhores da década de 90.
A banda de Trent Reznor assinalou um regresso ambicioso, em 1999, através de um álbum duplo e, mais uma vez, conceptual, registando mais uma decisiva etapa no percurso do grupo.
Apesar de não ter sido tão aclamado como o seu antecessor - a recepção do público e da crítica foi mais discreta e o disco não marcou uma época - "The Fragile" não deixa de ser um portentoso trabalho, consolidando uma linguagem pessoal e singular e distanciando-se cada vez mais de algumas influências - Ministry ou Skinny Puppy, entre outros - presentes nos primeiros discos dos Nine Inch Nails.
Paralelamente, o álbum ensina a projectos na linha dos Marilyn Manson como fazer rock de contornos industriais/góticos/electrónicos sem cair em facilitismos ou estruturas formatadas. Sim, Marilyn Manson pode gerar mais controvérsia, com inevitáveis ódios e paixões, mas musicalmente a banda de Trent Reznor está num plano bem mais elevado e influente, como "The Fragile" pode confirmar.
O disco apresenta atmosferas um pouco mais apaziguadas e calmas do que os registos anteriores do grupo, embora ainda contenha múltiplos momentos carregados de dinamismo e energia cinética, quase sempre envolventes e intrigantes.
Os ambientes encontram-se dominados por densas auras de tensão, despoletando uma considerável carga claustrofóbica a espaços, o que pode tornar muitas das canções pouco imediatas e cativantes às primeiras audições. No entanto, "The Fragile" é um disco - ou antes, dois, uma vez que é duplo - para ir descobrindo aos poucos, dado que as complexas estruturas das composições e a minuciosa produção o tornam num álbum difícil de assimilar rapidamente.
Quando a estranheza inicial desvanece, "The Fragile" assume-se então como um conjunto de canções viciantes e absorventes que exigem diversas audições, gerando um todo que é mais do que a soma das partes. O alinhamento dos temas está criteriosamente pensado, de forma a que cada canção flua naturalmente e se torne indissociável da seguinte, e verifica-se ainda um bom doseamento entre temas instrumentais e os que recorrem à voz de Trent Reznor.
Repleto de nuances, apostando tanto em momentos melancólicos e lacónicos como em episódios de maior rudeza e visceralidade, "The Fragile" destaca-se como um muito interessante concentrado que funde o universo do rock com electrónicas negras, um dos melhores dos NIN.
As atmosferas penumbrentas e sinistras não se encontram muito distantes de composições próprias para uma banda-sonora de um eventual filme de culto, dada a carga cinemática de grande parte das canções (o que nem é de estranhar, tendo em conta que a banda colaborou nas bandas-sonoras de "Estrada Perdida", de David Lynch, ou "Assassinos Natos", de Oliver Stone).
Determinante para a concepção do disco é a presença de Trent Reznor, mentor do projecto, que para além da criatividade na composição dos temas e na escrita das letras proporciona ainda a carga dramática adequada na sua colaboração vocal. As canções fornecem perspectivas acerca da desilusão, desespero, perda, alienação, amor ou solidão, questões que sempre estiveram presentes na identidade da banda e que, mais uma vez, são exploradas, por vezes de forma um pouco exaustiva e niilista (não evitando mesmo alguns desvios para uma cansativa e redundante teen angst).
O álbum proporciona uma série de brilhantes canções, casos de "The Day the World Went Away" (com uma excelente alternância de ambientes calmos e pesados), "La Mer" (num inesperado contacto com territórios estranhamente serenos), "Starfuckers, Inc." (um dos temas mais acessíveis e vibrantes), "The Great Below" (um nebuloso e inquietante momento, na linha do emblemático "Hurt"), "The Frail" (um dos episódios mais arrepiantes e hipnóticos do álbum), "Just Like You Imagined" (um dos mais surpreendentes instrumentais) ou a faixa-título "The Fragile" (com um efusivo crescendo emocional).
Intenso e ecléctico, "The Fragile" é um ousado álbum de um dos mais criativos nomes do rock actual que, mesmo com alguns momentos mais fechados e herméticos, não deixa de conter um conjunto de canções brutais e fascinantes.
Por estas paragens, o rock ainda não perdeu vitalidade...
E O VEREDICTO É: 4/5 - MUITO BOM
domingo, fevereiro 27, 2005
QUEM SAI AOS SEUS
Tendo em conta que "Um Sogro do Pior" (Meet the Parents) foi uma das mais bem-sucedidas comédias norte-americanas de 2000, juntando a dupla de peso Robert DeNiro/Ben Stiller, a concepção de uma sequela era quase inevitável.
Quatro anos depois, o realizador Jay Roach reuniu o elenco do filme do original, acrescentou algumas personagens e proporciona agora uma nova aventura para a família Focker.
"Uns Compadres do Pior" (Meet the Fockers) foi um êxito de bilheteira nos EUA no final de 2004, comprovando que o título original marcou grande parte dos espectadores, e conta com a participação de Dustin Hoffman e Barbra Streisand no papel dos pais do protagonista. Desta vez, o casal Focker e sogros viajam até Detroit para conhecer os pais de Greg e acertar os preparativos para o casamento do jovem par, o que irá despoletar mais uma série de episódios obrigatoriamente atribulados e desconcertantes.
As diferenças em relação ao primeiro filme não são muitas, embora agora o antagonismo não ocorra tanto entre Jack (DeNiro) e Greg (Stiller) - ainda que este persista - , mas antes entre o temível "sogro do pior" e os seus pitorescos compadres.
Mais uma vez, Jay Roach apresenta uma boa direcção de actores, apostando num elenco coeso e sólido, algo que nem sempre está presente em muitas comédias norte-americanas mainstream. Roach consegue gerar também um ritmo fluído e dinâmico, com uma eficaz gestão dos gags e uma boa noção de timing.
Estes elementos já tinham tornado "Um Sogro do Pior" numa comédia um pouco acima do nível geralmente desinspirado proveniente das produções comerciais made in USA, encaradas como uma banal sequência de disparates apatetados e infantis.
"Uns Compadres do Pior" tem o mérito de oferecer personagens minimamente trabalhadas e com algum carisma, interpretadas por actores competentes neste registo. É certo que o argumento é esquemático e rotineiro, vincando o choque de mentalidades entre os casais, e a realização não proporciona cenas de antologia que tornem o filme particularmente marcante, mas se o que se espera aqui é uma comédia escorreita e razoavelmente divertida, Jay Roach consegue estar à altura.
Por vezes, as situações cómicas enveredam por alguma escatologia e momentos de gosto duvidoso, que já se notavam no primeiro filme mas não de forma tão frequente. Mesmo assim, essas ocasiões não impedem que "Uns Compadres do Pior" contenha uma série de gags bem conseguidos, suficientemente competentes para o tornar numa experiência agradável, apropriada para quem procura um filme leve e simpático sem sofrer atentados à inteligência.
Não há por aqui nada de inovador ou especialmente criativo, mas por enquanto ainda vale a pena ir conhecer os Fockers...
E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL
O ESTRANHO MUNDO DE JONATHAN
Nos últimos anos, o cinema documental tem sido alvo de uma notória vitalidade e destaque, tornando-se num género cada vez mais aceite pelo grande público.
"Fahrenheit 9/11", de Michael Moore, ou "Super Size Me - 30 Dias de Fast-Food", de Morgan Spurlock, foram dois dos títulos mais mediáticos de 2004, mas há outros exemplos dignos de atenção oriundos de círculos mais alternativos e marginais. "Tarnation", de Jonathan Caouette, é um deles, e proporciona uma imprevisível e absorvente viagem pelas memórias do realizador, levando ao limite o princípio do do-it-yourself.
Caouette debruça-se sobre alguns dos mais marcantes acontecimentos da sua vida recorrendo a imagens do seu arquivo pessoal, recolhidas desde os seus 11 anos através de câmaras Betamax, VHS, Hi-8 ou Mini-DV.
Expondo gravações privadas que focam situações do seu quotidiano familiar, o realizador evidencia sobretudo a tensa e dolorosa relação com a sua mãe Renee Leblanc, doente bipolar, responsável por alguns dos momentos mais perturbantes da sua vida.
Paralelamente às filmagens, geradas ao longo de 19 anos, "Tarnation" inclui ainda álbuns de fotografias, gravações de atendedores de chamadas, cenas de programas de TV e filmes, diários registados em cassetes e canções emblemáticas do percurso do autor, resultando numa complexa e criativa colagem de fragmentos díspares.
Mais do que um intrigante exercício de cut n' paste, "Tarnation" é um denso e inquietante olhar sobre as relações familiares, o crescimento, a identidade e a disfuncionalidade, originando um retrato onde a fronteira entre o genuíno e o encenado é ténue e dúbia.
Por vezes narcisista e auto-indulgente, noutros momentos sensível e comovente, o filme - ou antes, esta inclassificável experiência audiovisual - tanto aposta numa crua vertente realista como em atmosferas de inebriante onirismo, gerando uma insólita perspectiva acerca de uma vida vincada pela melancolia.
Expondo a sua infância conturbada e a não menos difícil adolescência - onde se manifestou o contacto com as drogas, a dilaceração familiar ou a afirmação sexual -, Caoette apresenta uma obra dolorosamente pessoal marcada pela vulnerabilidade afectiva. Para além da relação com a sua mãe (e com a desconcertante doença mental desta), o realizador foca também a sua paixão pelo cinema e música underground - a determinante banda-sonora contém nomes como Magnetic Fields, Low, Nick Drake ou Cocteau Twins -, pelos musicais ou pela cultura gay (com a qual lidou desde muito cedo).
Embora não evite alguns passos em falso, enveredando por um voyeurismo eticamente questionável - até que ponto Caouette terá legitimidade para divulgar certos episódios pessoais dos seus avós e mãe? - e oferecendo ocasionais cenas redundantes e dispensáveis, o turbilhão emocional que "Tarnation" contém é tão pujante que se sobrepõe às suas evidentes fragilidades.
Atípica, memorável e inovadora, a primeira obra de Jonathan Caouette é um dos mais surpreendentes filmes do início de 2005, uma pequena pérola indie que pode gerar ódios e paixões, mas dificilmente deixará algum espectador indiferente. No meio de tantos filmes inócuos e indistintos, essa é já uma característica meritória - mas não a única - deste peculiar e recomendável home movie.
E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM
quinta-feira, fevereiro 24, 2005
CYBERPOP 3D
Com o seu segundo álbum de originais, os Garbage proporcionaram, em 1998, um dos melhores registos pop de final do milénio.
Em "Version 2.0.", a amálgama de rock e electrónica aprimora as desafiantes sonoridades do igualmente recomendável disco de estreia e oferece um saboroso conjunto de doze canções, qualquer delas candidata a single perfeito e inesgotável.
Se em "Garbage" a banda apostava numa simbiose de influências que percorriam o grunge, indie rock, shoegazer e alguns travos góticos, devidamente acompanhadas por uma considerável carga electrónica, em "Version 2.0." os ambientes centram-se numa estimulante power-pop mesclada com reminiscências techno/industriais e trip-hop.
Mais acessível do que o álbum antecessor, não é por isso menos ousado e inventivo, dado que as cativantes e trauteáveis melodias encontram-se imersas numa complexa rede electrónica composta por um minucioso trabalho de produção.
Devido à densa presença de loops e samples (profissionalmente trabalhados), "Version 2.0." consegue surpreender ao longo de várias audições, e cada canção possui um recanto com territórios inexplorados e refrescantes.
As absorventes texturas e camadas sonoras que o grupo utiliza nas suas composições já seriam suficientes para entusiasmar, mas a sedutora e carismática voz de Shirley Manson fornece uma considerável mais-valia. Por vezes frágil e delicada, como na etérea balada "You Look So Fine", noutros momentos portentosa e rude, como na dinâmica "I Think I'm Paranoid", a presença da vocalista é um condimento tão essencial como o intrincado trabalho de estúdio originado por Buth Vig e demais elementos da banda.
Mais polido e "limpo" do que "Garbage", uma vez que não possui atmosferas tão claustrofóbicas e nebulosas como este, "Version 2.0." contém, ainda assim, uma série de canções pop de alto calibre, como a intrigante "Sleep Together", a belíssima "The Trick is to Keep Breathing", a irresistível e ultra-dançável "Dumb" ou a criativa e viciante "Hammering in My Head" (com uma estranha, mas hipnótica, mistura de techno e spoken word, num dos momentos mais experimentais do álbum).
Apelativo, ecléctico e consistente, "Version 2.0." é um brilhante sucessor de "Garbage", destacando-se, juntamente com este, como um dos mais interessantes discos da década de 90 a interligar as linguagens do rock e da electrónica, numa soberba combinação de referências e universos cada vez mais indissociáveis.
E O VEREDICTO É: 5/5 - EXCELENTE
quarta-feira, fevereiro 23, 2005
O AMOR NÃO ESCOLHE IDADES (NEM ENCARNAÇÕES)
Há dois anos, o norte-americano Dylan Kidd foi apontado por algumas vozes como um dos mais promissores jovens realizadores dos últimos anos devido aos méritos da sua primeira longa-metragem.
O motivo do considerável entusiasmo era "Roger Dodger", uma comédia razoavelmente subtil e perspicaz sobre "as regras da atracção", apresentadas a partir dos ensinamentos de um tio playboy, Roger Dodger, a um sobrinho adolescente em busca de afirmação. Embora fosse um filme bem interpretado (sobretudo pelo actor principal, Campbell Scott) e com uma curiosa perspectiva da noite nova-iorquina, a obra de estreia de Dylan Kidd não continha a tal genialidade que justificasse a aclamação que alguns suscitaram.
O segundo filme do realizador, "P.S. Amo-te" (P.S.), também não possui atributos que tornem Kidd num cineasta particularmente inspirado.
Desta vez, a acção centra-se numa personagem feminina, Louise Harrington (Laura Linney em mais uma interpretação segura), uma professora da Universidade de Columbia de 39 anos com uma vida pouco motivadora. Algumas doses de irreverência são injectadas no seu quotidiano quando entrevista um jovem pintor de 18 anos candidato à escola de artes onde lecciona (Topher Grace, um actor a reter) e nasce entre ambos uma repentina atracção. A situação é ainda mais inusitada tendo em conta que o jovem, com quem Louise enceta uma relação, exibe diversas semelhanças - tanto na fisionomia como na personalidade e até no nome - com um ex-namorado seu, falecido há vinte anos.
Inspirado num romance de Helen Schulman, "P.S. Amo-te" tem um mote relativamente interessante, mas à medida que o filme se desenvolve as ideias descoordenam-se e a narrativa oscila entre cenas de drama e comédia nem sempre bem combinadas.
A ligação entre o par central é envolvente e as cenas iniciais entre ambos expõem uma visível química, por isso lamenta-se que outros elementos da película não estejam à altura dessa intensidade, uma vez que há personagens secundárias pouco interessantes - sobretudo a de Marcia Gay Harden - e alguns momentos inconsequentes que denotam uma certa relutância quanto ao rumo que o argumento deve seguir.
As cenas entre Louise e a melhor amiga, nos minutos finais, são particularmente desinspiradas, levando o filme para territórios próximos de um esoterismo nada abonatório (quando se questiona a hipótese de uma reencarnação) misturado com os piores vícios das comédias românticas.
Sobram alguns episódios vincados por uma absorvente tensão emocional, que conseguem gerar um olhar maduro sobre a complexidade das relações humanas (as cenas entre Linney e Gabriel Byrne, por exemplo), e um argumento que por vezes surpreende - pela positiva e pela negativa - por tentar contornar alguns lugares-comuns dos chick-flicks.
O resultado final de “P.S. Amo-te” é aceitável e competente, mas ainda não foi desta que Dylan Kidd trouxe sangue novo ao cinema independente norte-americano.
E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL
terça-feira, fevereiro 22, 2005
AMOR DE PERDIÇÃO
A expectativa era considerável, tendo em conta, sobretudo, o sucesso do emblemático "O Fabuloso Destino de Amélie" (Le Fabuleux Destin d`Amélie Poulain), mas o novo filme de Jean-Pierre Jeunet, "Um Longo Domingo de Noivado" (Un Long Dimanche de Fiançailles) permite finalmente ver o resultado da segunda colaboração entre o realizador e a actriz Audrey "Amélie" Tautou.
A dupla gerou, no filme anterior, um dos mais acarinhados filmes franceses dos últimos anos, muito bem recebido pelo público a uma escala considerável (a crítica, no entanto, não foi tão unânime), por isso o novo projecto despoletou alguma ansiedade entre os fãs do realizador de "Delicatessen" ou "A Cidade das Crianças Perdidas".
"Um Longo Domingo de Noivado" desenrola-se em inícios do século XX e foca a relação de dois jovens, Mathilde (Audrey Tautou) e Manech (Gaspard Ulliel) que são obrigados a separar-se quando ele tem de ir combater durante a Primeira Guerra Mundial. O romance torna-se mais conturbado quando Manech é apontado como uma das vítimas mortais das batalhas, mas a esperança de Mathilde contraria essa trágica revelação e a jovem inicia uma persistente busca de pistas acerca do paradeiro do seu namorado.
A partir daqui, "Um Longo Domingo de Noivado" aborda a investigação da protagonista e, em paralelo, apresenta alguns dos episódios dos combates nas trincheiras através de flashbacks gerados a partir das memórias das figuras que Mathilde vai encontrando.
Jeunet tempera esta sucessão de acontecimentos com toques de romance, drama e algum humor, referências habituais nas suas obras, e mesmo nos momentos mais pesados e nebulosos deixa espaço para pequenas fagulhas de optimismo e esperança (embora em menores doses do que em "O Fabuloso Destino de Amélie").
Outro dos elementos-chave do filme é, claro, a impressionante componente visual, onde o realizador recorre, mais uma vez, a criativos ângulos de câmara, uma montagem refrescante, múltiplos filtros, um trabalho de iluminação irrepreensível e uma sedutora fotografia. Grande parte do culto em torno do cineasta deve-se, essencialmente, ao apelo estético das suas obras, que contêm sempre pequenos prodígios criativos herdados da mais arrojada linguagem publicitária. "Um Longo Domingo de Noivado" não é excepção e oferece uma mão cheia de belas imagens com cativantes tons dourados e acastanhados, gerando cenas muito bem conseguidas a nível visual.
Infelizmente, a nível de argumento nem tudo funciona tão bem, uma vez que este não é suficientemente intrigante para sustentar duas (longas) horas de filme.
O ponto de partida até é curioso, mas há por aqui demasiadas personagens e raras são as que vão além de uma pouco surpreendente unidimensionalidade. O ritmo da narrativa é irregular, e por vezes a investigação da protagonista conduz a tantas revelações que é quase inevitável o espectador não se perder no meio dos diversos flashbacks.
Fragmentado e desequilibrado, "Um Longo Domingo de Noivado" acerta em cheio no estilo mas não corresponde nas doses de substância, pois a densidade emocional é escassa, embora haja um ou outro momento de maior tensão dramática (as bem construídas cenas da infância do duo principal ou os momentos do par no farol).
Assim, o filme é quase sempre visualmente agradável mas raramente proporciona momentos de antologia, ainda que a banda-sonora de Angelo Badalamenti (não tão boa como a de Yann Tiersen, mas recomendável) e a minuciosa reconstituição de época quase coloquem o filme acima da mediania.
No entanto, depois do visionamento, esses detalhes não evitam que "Um Longo Domingo de Noivado" marque mais pela superficialidade do que por méritos em termos de conteúdo, resultando num filme que, apesar de bonito, é algo inconsequente e subaproveitado.
E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL
domingo, fevereiro 20, 2005
O GOSTO DOS OUTROS
Depois de cumprido o dever cívico do dia (AKA votar) e de um almoço de família, Sesimbra foi o destino escolhido para tarde de domingo.
Tudo corria bem, até que chegou a hora da inevitável escolha para a banda sonora a ouvir na viagem de carro. Como ia como co-piloto, coube-me a mim fazer a selecção, que acabou por consistir em álbuns dos Nine Inch Nails e Muse. Se a primeira banda ainda foi tolerada pelos restantes passageiros - embora com algum esforço -, o grupo de Matt Bellamy gerou as mais diversas reacções (curiosamente, todas negativas). "Estes gajos são conhecidos?", "Não ouves música moderna?", "Bem, deves ter sido o único a compar esse disco...", "Fogo, mas quem é que canta assim???", "Não há uma música que se aproveite", "Não tens Maroon 5?", "Que cena deprimente..." ou "Porque é que não mudas para a Cidade ou para a Mega?" foram algumas das críticas que circularam de forma unânime...
Temos pena, mas o dono do carro é que escolhe a música, não é muito democrático mas a política do gosto tem destas coisas...
sábado, fevereiro 19, 2005
NÃO ESQUEÇAM AS BALEIAS
Depois de uma elogiada estreia com "We Care", de 1995, disco que contou com a colaboração de Tricky e incluía o single "Hobo Humpin Slobo Babe" (que obteve considerável passagem pela MTV), os suecos Whale editaram, em 1998, o seu segundo álbum de originais, "All Disco Dance Must End in Broken Bones" (onde é que foram buscar um título destes??).
Se no registo de estreia as canções eram tendencialmente rudes e áridas, expondo um rock alternativo algo agressivo, no álbum sucessor o grupo envereda por tons mais atmosféricos e estranhamente calmos.
O primeiro single, "Crying at Airports", combina trip-hop e spoken word e evidencia as consideráveis doses de electrónica presentes no disco. Para além destas sonoridades, "All Disco Dance Must End in Broken Bones" contém ainda momentos marcados pelo rock, pop, folk, gótico/industrial e mesmo alguns traços hip-hop.
O eclectismo dos Whale manifesta a tendência fusionista de finais dos anos 90, onde múltiplos projectos optaram pela combinação - muitas vezes improvável e arriscada - de referências e registos.
"All Disco Dance Must End in Broken Bones" é um álbum saudavelmente diversificado, mas irregular, pois o entusiasmo gerado pelas primeiras canções do alinhamento vai decrescendo progressivamente.
Temas como a nebulosa balada "Roadkill", o sombrio e inquietante "Smoke" ou o delicioso e irreverente "Losing CTRL" mostram os Whale no seu melhor, com assinaláveis cargas de criatividade e frescura, mas essa energia não se mantém em episódios mais mornos e desinspirados como "Go Where You're Feeling Free", "Into the Strobe" ou "No Better", canções mais banais e lineares.
Mesmo desequilibrado, "All Disco Dance Must End in Broken Bones" não deixa de ser um disco convincente e apelativo, brilhantemente produzido (o uso de samples, loops e restante panóplia electrónica é sedutor) e vincado por uma voz interessante (a vocalista Cia Soro, gélida mas envolvente, lembra Toni Halliday dos Curve ou Claudia Sarne dos 12 Rounds, o que só reverte a seu favor).
Um álbum recomendável, portanto, que percorre domínios próximos dos Garbage, Massive Attack, Sneaker Pimps, Nine Inch Nails ou Lamb mas consegue, ainda assim, gerar uma linguagem própria e peculiar.
E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM
TERNA É A NOITE
"Sapatos Pretos" ou "Ganhar a Vida" já tinham comprovado a singularidade de João Canijo no panorama do cinema português actual, e o título mais recente do realizador, "Noite Escura", volta a confirmar os méritos do cineasta, impondo-se como um dos melhores filmes nacionais dos últimos anos.
Inspirado na tragédia grega "Ifigénia em Áulis", de Eurípedes, "Noite Escura" apresenta um visceral drama familiar centrado em tensos ambientes nocturnos. A tragédia propaga-se por todos os recantos do bar de alterne onde decorre o filme, interligando as vidas dos quatro elementos da família que gere aquele espaço.
Nelson (Fernando Luís), o proprietário, vê-se forçado a entregar a filha mais nova, Sónia (Cleia Almeida) à máfia russa, de forma a reparar uma dívida e reduzir alguma da inquietação e temor que contamina a sua vida. Esta decisão desperta um ciclo de acontecimentos cada vez mais claustrofóbicos e carregados de tensão, uma vez que Celeste (Rita Blanco), a mãe, e Carla (Beatriz Batarda), a filha mais velha, tentam a todo o custo evitar que a sua família seja estilhaçada.
Canijo retrata esta inevitável espiral descendente - embora a família tente contrariar o destino - com assinalável intensidade e fulgor, construindo personagens densas envoltas em atmosferas convincentes e perturbantes. A câmara segue de perto os protagonistas, denunciando os seus movimentos e expondo as suas vulnerabilidades, com um muito eficaz trabalho de realização a conseguir traduzir a agitação e carga sufocante que se propaga pela casa de alterne.
A frequente mistura de conversas paralelas deixa transparecer a atmosfera nebulosa que invade aquele espaço, e o rigoroso e sedutor cuidado na iluminação, com fortes contrastes de verdes e vermelhos, gera uma hipnótica efervescência visual, perfeitamente adequada.
Para além de um ambiente de cortar à faca, "Noite Escura" tem ainda a seu favor uma boa direcção de actores, dispondo de um elenco competente e capaz de dar alma às personagens (algo que, infelizmente, nem sempre ocorre no cinema português). Beatriz Batarda e Rita Blanco são particularmente soberbas, compondo duas figuras marcantes e surpreendentes que terão um papel decisivo no portentoso desenlace.
Com uma profícua combinação de ingredientes, "Noite Escura" é uma das boas surpresas cinematográficas de 2004 e um dos mais sólidos filmes portugueses dos últimos tempos. Um memorável murro no estômago e um sinal de vitalidade para o cinema nacional.
E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM
quinta-feira, fevereiro 17, 2005
UMA QUESTÃO DE PERSPECTIVA
Há quem acuse Woody Allen de ter entrado numa fase pouco criativa e demasiado repetitiva, com recurso constante aos mesmos ambientes, personagens-tipo e referências.
De facto, os seus últimos filmes não têm marcado propriamente pela surpresa, embora contenham traços de eficácia - os diálogos, sobretudo - que permitem ignorar, pelo menos parcialmente, alguma insistência na auto-citação.
"A Vida e Tudo o Mais" (Anything Else), de 2004, foi talvez o mais refrescante filme do realizador nos últimos anos, convocando o par Jason Biggs/Christina Ricci para uma bem-conseguida comédia romântica.
"Melinda e Melinda" (Melinda and Melinda), a sua nova obra, apresenta uma premissa diferente do filme anterior e aposta na exploração das peripécias de uma personagem - Melinda - segundo duas perspectivas: uma tendencialmente cómica, outra baseada numa vertente mais dramática.
O cinema de Allen sempre conciliou, com maior ou menor intensidade, estas duas componentes, por isso "Melinda e Melinda" não traz nada que o realizador não tenha já abordado. De resto, a história cómica de Melinda adquire, aos poucos, episódios mais dramáticos, enquanto que a história inicialmente trágica incorpora, a espaços, momentos de humor.
Esta interligação, quase inevitável na filmografia do cineasta, já não é propriamente uma novidade, mas tal não seria problemático para "Melinda e Melinda" caso o ponto de partida fosse trabalhado com consistência e uma forte carga inventiva. Contudo, esta(s) história(s) de uma mulher emocionalmente vulnerável que encontra algum calor humano ao interromper um jantar de amigos e vizinhos - naturalmente, ligados ao meio artístico -, que até começa de forma promissora, não gera muitas surpresas ou particular envolvência.
O tipo de personagens de "Melinda e Melinda" segue a linha habitual de Allen, ou seja, são neuróticas q.b., vivem amores desencontrados e encontram-se algo desorientadas.
O problema é que nenhuma suscita muita empatia ou complexidade, em parte porque não há nenhuma que seja muito explorada, com eventual excepção da(s) protagonista(s). É pena, porque no vasto elenco há actores que mereciam personagens mais fortes e consistentes - Chloë Sevigny (sempre apelativa, ainda que subaproveitada), Amanda Peet, Chiwetel Ejiofor ou mesmo um irregular Will Ferrell -, mas que aqui mais não são do que figuras bidimensionais e pouco carismáticas.
A protagonista Radha Mitchell é competente, mas Melinda - tanto na vertente cómica como na dramática - não é uma personagem especialmente aliciante, e por isso o filme nunca chega a conquistar.
Claro que, sendo "Melinda e Melinda" produto da criatividade de Woody Allen, contém ainda episódios cativantes e divertidos, com cenas bem-escritas e profissionalmente filmadas, mas o resultado final é demasiado fragmentado e inconstante.
O filme é geralmente agradável de seguir, mas pouco mais do que isso, nunca efectuando muitos desvios a uma rotina que tem marcado a obra recente do realizador.
"Melinda e Melinda", apesar de algumas tentativas de inovação na forma, acaba por ser mais do mesmo em termos de conteúdo e apresenta Woody Allen em piloto automático, sem grandes ousadias ou rupturas. No entanto, esta opinião poderá variar e ser contrariada, mediante o ponto de vista, pois as formas de perspectivar uma história são, como o filme demonstra, múltiplas e abrangentes.
E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL
terça-feira, fevereiro 15, 2005
ALL YOU NEED IS LO...MUSIC!
Sim, o Dia dos Namorados já passou, mas como não cheguei a comemorá-lo no blog (nem em lado nenhum, aliás...), sugiro algumas canções adequadas à época, mas desprovidas de lamechice. Um período que nunca me disse muito, é certo, mas se calhar o meu coração ainda é muito verde ou então, como diz a Madonna - num dos melhores temas do álbum "Music" -, é porque "I Deserve It"...
Garbage - "#1 Crush"
Air - "All I Need"
The Dandy Warhols - "The Last High"
Beck - "Everybody's Gotta Learn Sometimes"
Lamb - "Softly"
Ornatos Violeta - "Coisas"
Bran Van 3000 - "Everywhere"
The Gift - Dream With Someone Else's Dream
dEUS - "Roses"
Bjork - "All is Full of Love"
Nine Inch Nails - "Something I Can Never Have"
Morcheeba - "Blindfold"
Furslide - "Love Song"
Moby - "Porcelain"
The Smashing Pumpkins - "Love"
PJ Harvey - "The River"
Rádio Macau - "De Azul em Azul"
Elliot Smith - "Twilight"
Placebo - "Special Needs"
Flunk - "Your Koolest Smile"
Hole - "Northern Star"
Primal Scream - "Keep Your Dreams"
Interpol - "Stella Was a Diver and She Was Always Down"
Gus Gus - "Bambi"
Há mais, muitas mais, mas ficam para o ano...Se quiserem digam quais as vossas escolhas...
OS BONS, OS MAUS E OS VILÕES
E depois de "Southpark" - a série e o filme - eis que chega "Team America - Polícia Mundial" (Team America - World Police), a nova arma de arremesso e produto da imaginação delirante da dupla Trey Parker/ Matt Stone.
Num período onde um assunto como o terrorismo está na ordem do dia, o criativo duo norte-americano prova que o humor não tem limites e apresenta mais uma obra em tons de sátira, mas em vez da animação minimalista característica de "Southpark" a aposta vai para um conjunto de personagens interpretadas por marionetas.
"Team America - Polícia Mundial" é uma espécie de "Thunderbirds" - a mítica série de culto com marionetas - on acid, onde uma equipa de intrépidos heróis (aqui norte-americanos, claro) tem a árdua missão de salvar o mundo do terrorismo, cada vez mais presente.
Parece familiar? Parker e Stone não poupam ninguém à caricatura e disparam tiros - literalmente - em todas as direcções, ridicularizando tanto os agentes terroristas como os seus adversários que tentam demovê-los.
Pelo meio, são ainda alvo de destaque os que se opõem à guerra ao terrorismo, e aqui a presença da equipa de actores de Hollywood a favor da paz (F.AG., cujo trocadilho não é decerto inocente) é fundamental, congregando nomes mediáticos como Alec Baldwin, Susan Sarandon, Sean Penn, Samuel L. Jackson ou Matt Damon (talvez o mais trucidado do grupo).
"Team América - Polícia Mundial" não poupa ninguém, por isso pouco ou nada escapa ao humor ácido e corrosivo (por vezes a roçar, intencionalmente, o mau gosto). As vítimas são não só alvos mais ou menos esperados, como Bin Laden (o estereótipo do terrorista), Kim Jong-Il (um solitário incompreendido?), ou Michael Moore (mais boçal do que nunca), mas também o produtor de blockbusters Jerry Bruckeimer (o filme "Pearl Harbour" é dizimado) ou Ben Affleck (já não bastava a sua carreira estar em fase descendente, ainda lhe preparam mais esta...).
Irónico e com alguns momentos hilariantes - desde a polémica cena de sexo entre marionetas até à mais nojenta cena de vómito de sempre, passando pelos múltiplos dilemas existenciais do protagonista Gary, the one - "Team América - Polícia Mundial" volta a apresentar um requintado e imaginativo jogo de contrastes saído das mentes de Trey Parker e Matt Stone. Há algumas quebras de ritmo, e a espaços o tom jocoso pode ser gratuito e previsível, mas o resultado é mais do que coeso e o humor, embora por vezes finja que não, é do mais perspicaz e atento que tem chegado de terras do Tio Sam ultimamente.
As emotivas frases-feitas dos protagonistas (lamechices banais como "Sarah, I treasure your friendship!!") e a tenebrosa, mas muito apropriada banda-sonora - paródias aos clichés de alguns filmes de acção norte-americanos repletos de personagens de papelão -, são logo motivos mais do que suficientes para tornar "Team América - Polícia Mundial" num divertimento bem conseguido.
Quem, contudo, prefere filmes acolhedores, certinhos e politicamente correctos, talvez queira considerar outras hipóteses antes de se aventurar nesta invulgar experiência cinematográfica. Fica o aviso…
E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM
BLINKS E LINKS
Ó TU QUE FUMAS...
domingo, fevereiro 13, 2005
ESTRADA PERDIDA
A estreia de Vincent Gallo na realização, "Buffallo 66", apostava em domínios associados ao cinema independente norte-americano: personagens solitárias e soturnas, ritmo pausado, banda-sonora melancólica, fotografia rude e um argumento que mesclava drama com algum humor negro. Vincent Gallo e Christina Ricci, a dupla protagonista, marcou 1999 com uma interessante história de amores desencantados e ambientes disfuncionais.
"The Brown Bunny", a segunda obra do cineasta - que aqui se ocupou também da produção, montagem, argumento e direcção de fotografia - envereda por atmosferas semelhantes, mas desta vez o tom solitário e alienado é ainda mais denso e demarcado.
Vincent Gallo interpreta Bud Clay, um corredor de motos amargurado que tenta reencontrar-se e superar as feridas amorosas que o tornaram mais vulnerável. Como no filme anterior, Gallo proporciona aqui um road movie pelos locais mais áridos e escondidos da América profunda, encetando uma viagem de tons solitários e pouco esperançosos.
Se "Buffallo 66" já era minimalista, "The Brown Bunny" segue ainda mais essa vertente, que se manifesta tanto na escassez de diálogos como no reduzido número de personagens, passando pela discreta banda-sonora ou pelo argumento quase nulo.
Se esta opção poderia originar um resultado interessante, tal acaba por não acontecer, uma vez que Gallo abusa da auto-indulgência e torna entediante aquilo que pretende ser profundo.
A fragilidade confunde-se com narcisismo e os ambientes intimistas são mais maçadores do que envolventes. Em alguns momentos, a vertente realista, quase documental, chega a criar prometedoras cenas de teor contemplativo, mas o ritmo monocórdico e a inconsequência crescente tornam o filme num objecto desinspirado e pretensioso. Nem mesmo a polémica cena de sexo oral no desenlace, com a actriz Chloë Sevigny, consegue inserir maior intensidade a "The Brown Bunny", embora faça algum sentido na narrativa.
Embora procure despoletar tensão emocional e exibir episódios de considerável sensibilidade, Gallo abusa da sofreguidão e aproxima-se do risível, como na cena em que encontra uma mulher de meia-idade na mesa de um jardim e com ela partilha a dor. É um filme diferente e pouco convencional? Sim, mas isso não o torna necessariamente numa película interessante e meritória.
Infelizmente, "The Brown Bunny" é uma amarga desilusão, um inesperado passo em falso depois de uma estreia entusiasmante como "Buffallo 66". Espera-se, por isso, que Vincent Gallo reencontre a sua musa no próximo filme...
E O VEREDICTO É: 1,5/5 - DISPENSÁVEL
CONTA-ME HISTÓRIAS
One hit wonders é uma expressão que se adequa a uma banda como os Dandy Warhols, dado que o grupo de Portland, EUA, só adquiriu maior visibilidade aquando da edição do seu terceiro disco, "Thirteen Tales From Urban Bohemia", naquele que foi o pico da sua carreira até agora. A canção responsável pelo relativo sucesso foi, claro, "Bohemian Like You", o ultra-mediático tema de uma conhecida marca de telemóveis.
No entanto, reduzir a obra de um grupo a uma só canção pode ser injusto, e no caso dos Dandy Warhols é-o decididamente.
"Dandy's Rule OK?", o álbum de estreia de 1995, provou que a banda tinha potencial para se tornar um dos nomes fortes do rock alternativo recente, e "The Dandy Warhols Come Down", dois anos depois, reforçou a boa impressão através de um conjunto de canções entre o power-pop e discretos momentos herdados de escolas indie. Os irresistíveis singles "Not If You Were the Last Junkie On Earth" e "Every Day Should Be an Holiday" despoletaram alguma atenção e foram relativamente bem acolhidos pela MTV, mas ainda assim o grupo não foi alvo de grande destaque.
"Thirteen Tales From Urban Bohemia", de 2000, foi o disco que, finalmente, conseguiu catapultar os Dandy Warhols para o sucesso e proporcionar-lhes os 15 minutos de fama a que todos têm direito (isto segundo Andy Warhol, uma das figuras que a banda decidiu "homenagear").
Mais coeso e heterogéneo do que o álbum seguinte, "Welcome to the Monkey House", de 2003, o terceiro disco do grupo é um dos grandes momentos rock dos últimos anos e congrega tudo o que os Dandy Warhols têm de melhor: um forte sentido de humor, influências descaradas mas bem utilizadas, uma atitude cool e descomplexada e um saudável eclectismo sonoro.
As primeiras três canções do disco estão entre as melhores que a banda já fez, criando um fabuloso tríptico que inicia o álbum brilhantemente.
A melódica e harmoniosa "Godless", com uma boa utilização do trompete e uma excelente forma vocal do vocalista Courtney Taylor, é um pequeno grande épico. "Mohammed", o tema seguinte, oferece mais cinco minutos de beleza etérea e viciante que só melhora com múltiplas audições, e "Nietsche", o mais abrasivo dos três, aposta num inspirado loop de distorção e voz (e entra em territórios próximos dos shoegazers Ride).
"Thirteen Tales From Urban Bohemia" exibe diversas influências mas não proporciona mais do mesmo, antes as utiliza para originar uma criativa fusão de estilos e sonoridades. Há de tudo um pouco, desde a mistura folk/country de "Big Indian" (a lembrar o Beck de "Mutations"), a britpop de "Solid" (com a voz de Courtney Taylor próxima da de Lou Reed, o que não é estranho já que a banda afirma que os Velvet Underground são uma das suas maiores referências) ou a saborosa indie pop de "Cool Scene" (não muito longe dos domínios de Elliot Smith).
O disco contém também uma curiosa combinação electroacústica (como no vibrante "Horse Pills") e alguns momentos marcados por uma dream-pop aconchegante, como na uplifting e belíssima balada "Sleep", uma das pérolas do álbum.
Para contrastar com estes episódios mais delicados, a banda gera outros com consideráveis doses de irreverência e ironia, como o contagiante "Shakin'" (Elvis Presley com scratching?), o inevitável "Bohemian Like You" ou o soberbo "Get Off", onde os efusivos tons power-pop proporcionam um single perfeito.
"Thirteen Tales From Urban Bohemia" poderá causar alguma estranheza inicial, mas depois acaba por se entranhar e viciar, tornando-se num disco cada vez mais convidativo e surpreendente. Em suma, é bom e recomenda-se...
E O VEREDICTO É: 4/5 - MUITO BOM
sábado, fevereiro 12, 2005
PSICOPATA INDUSTRIAL
Vivendo num estado de constante fadiga e perturbação devido ao facto de não conseguir dormir há mais de um ano, Trevor Reznik sobrevive a um quotidiano marcado pela solidão e algumas alucinações. Um inesperado e quase trágico acidente de trabalho alimenta ainda mais a inquietação do jovem operário fabril, à medida que a culpa e a paranóia se tornam cada vez mais claustrofóbicas e sufocantes.
Em poucas palavras, esta é a ideia-base de "O Maquinista" (The Machinist), o mais recente filme de Brad Anderson centrado na espiral descendente de um homem cujos estados físico e psicológico se tornam cada vez mais frágeis e irregulares.
Christian american psycho Bale dá corpo - literalmente - ao protagonista, e para participar no projecto teve de emagrecer 38 quilos de forma a se adequar ao anoréctico estado físico que a personagem exigia. "O Maquinista" começa por impressionar logo pela debilidade corporal do actor, que aqui se entrega totalmente a um papel difícil e arriscado. Bale consegue condensar uma postura algo lunática e alienada, tornando Trevor Reznik numa figura inquietante que tanto se desdobra em episódios de cruel humor negro como em cenas mais soturnas e perturbantes.
Reznik é o fio condutor deste thriller obscuro, carregado de atmosferas negras, densas e decrépitas, mas estranhamente fascinantes (e aqui, saliente-se o trabalho de Brad Anderson na concepção de convincentes ambientes industriais vincados pelo negrume). Através dele, o filme propõe uma viagem a domínios onde o real e o ilusório se interligam e confundem, gerando uma narrativa com mistérios suficientes para manter o interesse.
Individualista e solitário, Reznik possui uma vida social quase nula e é tratado com suspeita e desconfiança por quase todos os que o rodeiam, devido ao seu arrepiante estado físico e à postura circunspecta e nebulosa que o caracteriza.
Apesar de ser minimamente intrigante, "O Maquinista" perde parte do carisma por se assemelhar a outras obras que já trabalharam anteriormente, e de forma mais criativa, as suas temáticas.
A relação de Reznik com a personagem misteriosa que se depara diversas vezes no seu caminho é alvo de comparações inevitáveis com a dupla Edward Norton/Brad Pitt, de "Clube De Combate" (Fight Club), o marcante filme de David Fincher, e os tons de paranóia que se adensam progressivamente não estão muito distantes das reviravoltas constantes de "O Jogo" (The Game), do mesmo realizador.
Brad Anderson recolhe também traços do cinema de Christopher Nolan, uma vez que "O Maquinista" tem tanto de "Memento" - pela lógica de thriller não linear sobre os efeitos da memória fragmentada - como de "Insónia" (Insomnia) - o permanente cansaço de Bale é motivado pelas insónias, como acontece com Al Pacino nesse filme. Pelo meio, Anderson percorre territórios próximos de David Lynch ("Estrada Perdida", sobretudo) ou David Cronenberg (pela perspectiva algo clínica e árduo teste dos limites humanos).
Embora recolha as melhores influências, "O Maquinista" nem sempre está à altura das mesmas, e o resultado final é mais desequilibrado do que o que a interessante premissa sugeria. O problema é que Anderson nem sempre consegue gerar um ritmo absorvente e entusiasmante e alguns dos mistérios do filme são demasiado óbvios. A película mantém, ainda assim, tons intrigantes e inóspitos, embora abuse do mau gosto a espaços (como na cena do parque diversões, com a criança).
Ainda que esteja marcado por uma apelativa aura de "filme-de-culto", "O Maquinista" cativa mais pelo estilo do que pela substância, dado que o argumento aposta em caminhos já percorridos. Não deixa de ser uma experiência cinematográfica interessante, mas fica aquém do seu potencial.
E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL
sexta-feira, fevereiro 11, 2005
AO RITMO DA BRITPOP
Uma das boas estreias de finais dos anos 90, "One Love", dos britânicos Delakota, é um daqueles discos que, apesar de algo ignorado, consegue resistir à passagem do tempo através de uma eficaz indie pop dançável.
Embora tenham editado apenas um disco e, por isso, não tenham tido uma carreira duradoura que os permitisse entrar na linha da frente da britpop de finais dos anos 90, os Delakota assinaram, em 1998, um promissor álbum de estreia que, mesmo recheado de evidentes influências, não deixa de ser um apelativo conjunto de boas canções.
Praticante de uma pop alternativa com temperos dançáveis herdados da cena de Madchester, o grupo proporciona um cardápio de temas melódicos e acessíveis vincados por pontuais episódios de considerável experimentalismo.
O single e faixa de abertura do disco, "C'Mon Cincinnati", é um dos momentos mais fortes, exibindo sonoridades contagiantes que se propagam ainda por "I Though I Caught" ou "555", outros exemplos de uma sólida combinação de rock e electrónica.
"On the Trail" apresenta uma britpop não muito distante dos Oasis (inspirados), "Too Tough" envereda por domínios noise pouco convencionais, o efusivo "Brothers" aposta em cenários de maior visceralidade "a la" Jon Spencer Blues Explosion e "The Rock" é um elíptico ponto de refúgio mellow e acolhedor.
"One Love" é, portanto, um álbum relativamente versátil e heterogéneo, mantendo-se quase sempre entusiasmante em todas as vertentes ("Hook Line & Sinker" e "End of the Line", no entanto, sofrem de uma composição menos inventiva e algo previsível).
Não há por aqui nada de muito original, pelo menos para quem já conhece os Stone Roses, Charlatans, Primal Scream, Happy Mondays, Inspiral Carpets ou outros nomes emblemáticos de domínios shoegazer/britpop, mas os Delakota conseguem gerar um resultado agradável e refrescante q.b. através de canções com identidade própria.
Consistente e bem produzido, "One Love" é um feliz caso de indie pop aliciante e suficientemente absorvente, ficando como um dos "discos perdidos" - e recomendáveis - do final da década de 90.
Não é um álbum fascinante, mas é capaz de seduzir continuamente ao longo de múltiplas audições.
E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM
quarta-feira, fevereiro 09, 2005
OS SONHADORES
Se Marc Foster havia já assinado uma obra muito elogiada, "Monster's Ball - Depois do Ódio", de 2001, um denso olhar sobre as relações humanas e os locais mais recônditos da América profunda. Embora algo sobrevalorizado, o filme apresentava uma singular química entre Billy Bob Thornton e Halle Berry (que ganhou um Óscar por esta interpretação) e continha impressionantes ambientes crus e realistas, tornando-se num drama poderoso e arrebatador.
"À Procura da Terra do Nunca" (Finding Neverland), a nova película de Foster, despertava por isso alguma expectativa, tendo em conta as distinções que marcaram a obra anterior. Surpresa das surpresas - ou talvez não - o filme tem tido uma recepção ainda mais calorosa do que o seu antecessor e é quase consensualmente apontado como uma dos melhores de 2004.
Foster debruça-se aqui sobre o escritor escocês J.M. Barrie, mais conhecido por ter criado uma das mais míticas personagens da literatura infanto-juvenil: Peter Pan. Depois da aridez dos cenários americanos, o realizador aposta agora em domínios da alta sociedade londrina de inícios do século XX, particularmente na relação de amizade que Barrie enceta com a família Llewelyn Davies (uma jovem viúva e os seus quatro filhos).
Baseado na peça "The Man Who Was Peter Pan", de Allan Knee, "À Procura da Terra do Nunca" foca a crise de inspiração de Barrie e o progressivo renascer da criatividade à medida que o escritor se vai aproximando da viúva e dos seus filhos. Desta ligação terá nascido o conto de Peter Pan, e uma das crianças Llewellyn Davies foi mesmo decisiva para a concepção da famosa personagem.
Foster consegue inserir alguma densidade emocional na sua abordagem, tornando Barrie (interpretado por Johnny Depp) num protagonista suficientemente interessante e complexo, particularmente nas cenas onde as esferas reais e imaginárias se fundem e as suas fronteiras se tornam difusas. Os momentos que focam o conturbado casamento do escritor são igualmente bem concebidos, assim como a sua relação assexuada com Sylvia Llewellyn Davies (Kate Winslet).
Se a uma perspectiva sóbria e sensível sobre as relações humanas se adicionar um trabalho de realização eficaz, uma profissional reconstituição de época e um elenco apelativo (Depp e as crianças têm prestações competentes, Dustin Hoffman, Radha Mitchell e Julie Christie são subaproveitados e Kate Winslet é, como sempre, soberba), percebe-se que "À Procura da Terra do Nunca" contém alguns bons condimentos que justificam parte do burburinho que se gerou, mas infelizmente nem tudo resulta.
Embora seja um filme correcto e feito com bom-gosto - os momentos de maior tensão emocional são genuínos e não recorrem à manipulação fácil -, a nova obra de Marc Foster não possui um ritmo muito absorvente, apresentando certos episódios de considerável monotonia e, sobretudo, previsibilidade.
Apesar de alguns curiosos pormenores acerca do papel dos sonhos ou reflexões sobre a infância, "À Procura da Terra do Nunca" desenrola-se de uma forma demasiado rotineira e controlada e só despoleta maior envolvência na recta final, mas aí já é tarde para o filme alcançar voos mais altos.
Simpática, de travo agridoce e a espaços comovente, é uma obra irregular e até desapontante, tendo em conta as múltiplas distinções de que tem sido alvo.
Contudo, se as expectativas não forem demasiado elevadas, "À Procura da Terra do Nunca" não será uma experiência cinematográfica desagradável para aqueles que, como Peter Pan, ainda tentam recusar - pelo menos parcialmente - o crescimento, preservando um lado infantil, idealista e inocente.
E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL
domingo, fevereiro 06, 2005
O FIM
Como tudo o que é bom tem de acabar, a dupla Toni Halliday/Dean Garcia desfez o produtivo projecto que os uniu em 15 anos de carreira.
Depois de editarem discos marcantes e influentes (os Garbage que o digam...) como "Doppelganger" ou "Cuckoo", entre outros, os Curve anunciaram a sua dissolução :( É pena, sobretudo porque a combinação de rock, electrónica, indie e gótico, juntamente com a brilhante voz de Halliday, geraram muitos bons momentos...Já agora, o site da banda tem mp3s gratuitos para quem quiser (re)descobrir o duo ;)
BELEZA AMERICANA
Títulos mediáticos como "Fahrenheit 9/11", de Michael Moore, ou "Super Size Me - 30 Dias de Fast Food", de Morgan Spurlock, foram dois dos documentários mais polémicos de 2004, lançando a discussão e o contraste de perspectivas.
"Os Friedman" (Capturing the Friedmans), de Andrew Jarecki, foi alvo de atenções mais discretas entre nós, mas aborda também um tema pertinente e muito actual: a pedofilia.
É certo que este foi um assunto recorrente nos media nacionais recentemente, suscitando análises e abordagens por vezes algo sensacionalistas e oportunistas, mas Andrew Jarecki consegue criar um absorvente documentário que, embora surpreenda e inquiete, nunca recorre a manobras que promovam detalhes "escabrosos" e "chocantes".
A película debruça-se sobre as acusações de múltiplos abusos sexuais dirigidas a dois elementos de uma família da classe média norte-americana, situação que foi alvo de considerável destaque nos media no início dos anos 90 e deixou a América estupefacta.
O caso é ainda mais surpreendente tendo em conta que Arnold Friedman era um respeitado professor, com uma conduta até então (aparentemente) idónea, e o seu filho Jesse era ainda um adolescente.
Na sua investigação, Andrew Jarecki recorre a depoimentos dos próprios familiares (excepto ao de um dos filhos, Seth, que recusou fazer comentários), assim como a relatos de muitos dos intervenientes do caso - tanto de ex-alunos de Arnold, amigos da família, polícias, advogados e jornalistas, entre outros - gerando uma diversidade de pontos-de-vista que contribuem para a criação de uma intrincada teia de acontecimentos contrastantes.
Neste sentido, o documentário é um intrigante quebra-cabeças que coloca a verdade em causa e reavalia premissas, tornando-se num desconcertante estudo sobre o real e o aparente, o quotidiano da "pacata" vida suburbana, os laços familiares ou a fragilidade do sistema judicial.
O contraponto entre o normal e o disfuncional é intensificado pelos registos de vídeo dos Friedman, que apresentam momentos banais daquela família, iguais aos de tantas outras, registos esses que Jarecki utiliza estrategicamente para desconstruir as coordenadas e gerar cenários de ambivalência.
Mais curioso ainda é o facto da família ter filmado também os momentos privados ocorridos depois das acusações de pedofilia, suscitando cenas de tensão emocional como os antagonismos entre os irmãos e a mãe.
Complexo e pertinente, "Os Friedman" é um poderoso documentário que foca temáticas actuais, destacando-se como uma das mais interessantes experiências acerca dos flagelos da pedofilia que o cinema proporcionou nos últimos anos (o drama indie "L.I.E. - Sem Saída", de Michael Cuesta, é outro bom exemplo).
Esta obra de Andrew Jarecki comprova também a fase de vitalidade de um género cinematográfico em ascensão e cada vez mais próximo do grande público, aumentando a diversidade da oferta audiovisual. Um título a (re)descobrir.
E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM
NÃO HAVIA NECESSIDADE...
quarta-feira, fevereiro 02, 2005
MOVIEJUNKIE
BRAINSPOTTING
Há dias assim...Depois de um atarefado dia no trabalho (o final de um projecto sobre...o Dia dos Namorados lol), uma boa dose de stress urbano...Ora para ir tomar um copo (de Ice Tea) com um amigo aniversariante (e esperar uns bons 20 minutos por ele!!), ora para passar rapidamente pelo Santuário da Cultura Pop - AKA FNAC - e "picar" o novo álbum dos Chemical Brothers (pelo que ouvi, é novamente eficaz para uma festa animada, resta saber se é mais do que isso...), e depois apressar-me para a ante-estreia de "Tarnation", o documentário do wonder-kid Jonathan Caouette (se bem que chamá-lo documentário é redutor) com mais elogios dos últimos tempos (justificados, mesmo que não o tenha achado uma obra-prima).
I saw Tarnation
Antes, mais 20 minutos de seca à espera da companhia, e depois mais 20 à espera do comboio, na estação do Areeiro, tão aconchegante (not!). Pode parecer que não, mas já não estava tão desgastado há uns tempos, como se tivesse sido passado a ferro por um camião, com direito a marcha-atrás no final e tudo (ok, não é assim tão dramático, mas também já e tarde...).
Bonito, bonito, é que amanhã (ou melhor, hoje) acordo às 7h45, como de costume :S
ouch....my...head....hurts.....