sexta-feira, setembro 21, 2007

UMA HISTÓRIA NO FIM DO MUNDO

Lucas é um rapaz de 15 anos que vive numa pequena localidade da Patagónia, protagonista de uma rotina sem grandes surpresas nem motivações, incapaz de dar resposta ao turbilhão emocional (e hormonal) que o vai dominando durante a adolescência. Com um ambiente familiar conturbado, marcado pelas constantes discussões e reconciliações entre os pais, e com poucas actividades que o entusiasmem, passa a maior parte do tempo em passeios onde ouve música nos headphones e observa episódios do quotidiano.
Entre os analgésicos contra o aborrecimento encontra-se a cumplicidade que vai consolidando com Nacho, o seu carismático melhor amigo, e Andrea, uma tímida vizinha, que o intrigam e fascinam, embora de formas diferentes.

"Glue", estreia na realização do argentino Alexis Dos Santos, segue o percurso deste três amigos, investindo quer nos momentos em que estão juntos, mostrando os seus processos de socialização, quer naqueles em que estão sozinhos, geralmente os mais melancólicos e onde mais se notam as dúvidas e incertezas resultantes de um processo de mudança física e emocional.

Alicerçado numa narrativa que cruza situações do dia-a-dia com outras algo oníricas, comandadas pela narração em off de algumas personagens, o filme é uma boa montra dos dilemas e inquietações que atingem muitos adolescentes, tanto dos que habitam uma cidadezinha no meio de nenhures, como as figuras que foca, como quaisquer outros por todo o lado.

Alexis Dos Santos evidencia aqui traços presentes noutras obras do cinema sul-americano recente que se concentram no mesmo universo, como o emblemático "E a Tua Mãe Também", de Alfonso Cuarón, ou "Temporada de Patos", de Fernando Eimbcke, já que à semelhança destes aposta numa realização de contornos realistas, recorrento à cada vez mais usual câmara-à-mão, a actores não profissionais e a uma atmosfera intimista e lânguida, que se conjuga bem com a alternância entre os estados de inércia e curiosidade dos protagonistas.

Exibe, também, algumas fragilidades naturais numa primeira obra, seja porque contém demasiada palha narrativa, perdendo-se em deambulações de escasso interesse (como a viagem de Lucas com a família, uma das maiores quebras de ritmo), porque por vezes se aproxima tanto das personagens que adopta a ingenuidade destas (caso da narração de Andrea, que confunde sensibilidade com pieguice) ou ainda pelos tremeliques algo forçados da realização, que nem sempre são sinónimo de reforço da verosimilhança das situações.

Mesmo assim o balanço é positivo, pois se há sequências que abusam da monotonia há outras que são pequenos achados de energia e espontaneidade, comprováveis na cena em que Lucas e Nacho brincam com o macaco de peluche, num contagiante momento de antologia. O elenco também salva alguns desequilíbrios, sobretudo o actor principal, Nahuel Perez Biscayart, expressivo como poucos, e que leva a crer que a sua personagem tem muito dele próprio.
Salientam-se ainda alguns momentos vincados por uma hipnótica energia visual, nos tons alaranjados de Verão ao fim da tarde em que parte da acção se desenrola, sedimentando uma considerável carga sensorial que se reflecte também na banda-sonora, ancorada em canções dos Violent Femmes cujas letras gritam o que o protagonista guarda para si.

Obra modesta e simples, "Glue" não tenta ser uma referência nas histórias coming of age mas tem suficientes momentos refrescantes para merecer atenção, traçando um olhar subtil sobre a amizade, a solidão, o crescimento, os códigos sociais ou a sexualidade. Um bom começo, como já vem sendo habitual no cada vez mais fértil cinema sul-americano.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

Filme apresentado na 11ª edição do Queer Lisboa, a decorrer até 22 de Setembro no cinema São Jorge

2 comentários:

Anónimo disse...

Adorei Glue, apesar do tema já ter sido bastante usado.
O vi no Festival de Cinema Latino-Americano de Sampa, só filmaço!

Abs! o/

gonn1000 disse...

Foi uma das boas surpresas por cá no festival Queer Lisboa, não inova muito mas convence.
Bons filmes :)