quinta-feira, maio 31, 2007

ESTREIA DA SEMANA: "MÁXIMO 10 UNIDADES"

Entre o drama, a comédia e o road movie, "Máximo 10 Unidades" (10 Items or Less) segue a viagem de uma jovem empregada de supermercado e de um actor veterano que, após anos sem participar em nenhum filme, consegue um papel num projecto independente. Morgan Freeman e Paz Vega são os protagonistas desta proposta assinada por Brad Silberling, cujo currículo inclui títulos como "Gaspar" e "Cidade dos Anjos" mas também o óptimo "Sonhos Desfeitos" (Moonlight Mile). É sobretudo pela memória deste último que valerá a pena dar o benefício da dúvida ao novo filme do realizador.

Outras estreias:

"Atrás das Nuvens", de Jorge Queiroga
"Verdade Inquietante", de Wayne Beach



Trailer de "Máximo 10 Unidades"

terça-feira, maio 29, 2007

ÓDIOS DE VERÃO

Nas últimas décadas, Spike Lee tem-se afirmado como um dos grandes retratistas dos EUA contemporâneos, tendo criado densos olhares de comunidades locais cuja complexidade da abordagem desperta um apelo universal. "Não Dês Bronca" (Do the Right Thing), uma das suas muitas obras centradas em conflitos raciais, foi um dos que lhe garantiu maior visibilidade e reconhecimento num período inicial da sua carreira, e "A Última Hora" (25th Hour), memorável mergulho na trágica herança do 11 de Setembro, destacou-se como um dos ópus mais recentes.
Embora estes sejam os seus dois títulos mais consensuais e emblemáticos, a sua filmografia contempla outros dignos de igual realce, e destes "Verão Escaldante" (Summer of Sam, 1999) impõe-se como um caso a assinalar, sendo talvez o seu melhor filme.

Partindo de acontecimentos reais - o pânico gerado por um serial killer que atormentou o Bronx em 1977, adensado por uma incómoda vaga de calor -, a película aposta, como habitual na obra do realizador, numa análise dos ambientes de comunidades étnicas, neste caso não tanto da negra mas tendencialmente da italo-americana. Desta, emergem três personagens que serão a ponte entre as muitas arestas de um filme que seduz pela diversidade temática: Vinny, um cabeleireiro machista e implusivo; a sua esposa Dionna, que o apoia apesar das frequentes traições; e Ritchie, amigo de Vinny cujo comportamento distinto dos padrões típicos do bairro começa a comprometer a relação de amizade.
Mas mais do que personagens, "Verão Escaldante" é uma obra que trabalha o espírito de uma cidade e de uma época, e fá-lo de uma forma onde os dados factuais surgem interligados com uma energia cinematográfica que atira o filme para uma absorvente experiência sensorial.

Apesar dos assassinatos do homicida marcarem toda a atmosfera do filme, estão longe de ser o elemento central da acção, funcionando antes como pano de fundo desta e elemento decisivo para que se acenda o rastilho para um clima de tensão, desconfiança e pânico que se vai adensando progressivamente. À medida que tentam descobrir a identidade do serial killer, as personagens vão acentuando as suas diferenças e gerando fossos e crispações emocionais de onde emanam sentimentos recalcados, não raras vezes vincados pela xenofobia e intolerância.

Mais do que as já esperadas questões raciais, há aqui outros elementos igualmente marcantes, caso dos conflitos de tendências musicais (e, consequentemente, comportamentais), já que foi neste período que o disco sound atingiu a fase de maior popularidade, mas também o momento em que a ideologia punk deu os primeiros passos. O Studio 54 e o CBGB, ambos representantes de culturas bem distintas, surgem no filme como influentes palcos de agitação, e Lee consegue desenhar os rituais nocturnos da época com adequadas camadas de verosimilhança, ritmo e intensidade.
Sem dúvida um dos picos de inspiração do cineasta, "Verão Escaldante" tem a rara proeza de condensar uma série de temáticas e de as desenvolver com consistência e criatividade, nunca impondo pontos de vista - o que nem sempre ocorre na sua filmografia - e seduzindo através de uma saudável espontaneidade. Da alteração do papel da mulher à preponderância dos media, passando pelas mutações nas orientações sexuais e relações conjugais, o filme é um fresco urbano detalhado e exigente, que em vez de um tom de ensaio demasiado cerebral é antes caracterizado por uma vibrante carga lúdica.
Para esse efeito em muito contribui a sua singularidade formal, onde Lee apresenta um irrepreensível trabalho de realização de forte teor realista e simultaneamente agregador de alguma linguagem dos videoclips e da publicidade. A montagem imaginativa e dinâmica (sem ser estridente) aliada a uma fotografia com muitas explosões de luz e cor reforça essa singularidade visual, que só ganha quando é complementada por uma oportuna selecção musical (toda à base de canções da época, e muitas vezes utilizada para gerar deliciosas pérolas de ironia).

Lee arranca ainda fortes interpretações de um elenco valioso, com destaque para o trio protagonista. John Leguizamo convence na pele do incorrigível Vinnie, Mira Sorvino demonstra que, para além de encantadora, é uma brilhante actriz (ainda que muitas vezes subestimada), e Adrien Brody tem aqui um dos seus melhores desempenhos - o que não é dizer pouco - como Ritchie, aliando vulnerabilidade e determinação na mais interessante e complexa personagem do filme.

Arrebatador a todos os níveis, "Verão Escaldante" é um objecto cinematográfico rico e fascinante, daqueles em que cada visionamento permite descortinar novas camadas e gera surpresa pela obsessiva minúcia com que Lee o construiu. Hipnótico e magnético, transpira vida e intensidade a cada frame ao longo de mais de duas horas frenéticas e merece, por isso, ser recordado e revisto enquanto uma das mais admiráveis obras-primas dos últimos anos.


E O VEREDICTO É: 5/5 - EXCELENTE

segunda-feira, maio 28, 2007

DIAS DE FEIRA

Até dia 10 de Junho no Parque Eduardo VII. As minhas escolhas deste ano:


E em nome dos velhos tempos, três da X-Force:

E a melhor parte: tudo isto não chegou a 20 euros :D

sexta-feira, maio 25, 2007

NEW RAVE E A GUERRA DAS ESTRELAS (DIGITAIS)

Outro regresso ao Creamfields, desta vez com os Digitalism; primeiro para entrevista com metade do duo alemão e depois com "Zdarlight", um dos singles do disco de estreia "Idealism":




BLINKS & LINKS (62)

Obrigado aos responsáveis pelos blogs 1001 Filmes, Cinefolia, Elite Criativa, FestroiaBlog e Grandes Planos por me blinkarem ;)

quinta-feira, maio 24, 2007

ESTREIA DA SEMANA: "PIRATAS DAS CARAÍBAS: NOS CONFINS DO MUNDO"

Se nas semanas anteriores houve uma overdose de estreias, nesta registam-se apenas duas. Talvez o facto de uma ser "Piratas das Caraíbas: Nos Confins do Mundo" (Pirates of the Caribbean: At World's End) ajude a explicar o motivo, ou não fosse este um dos blockbusters mais aguardados do ano (pelo menos para os que gostam da saga de Jack Sparrow, e ao que parece são muitos). Terceira parte de uma das trilogias mais bem sucedidas dos últimos tempos, promete mais aventura e romance em doses cavalares e desta vez até conta com a participação de Keith Richards. Quem aderir, já sabe ao que vai...

A outra estreia:

"Dias de Glória", de Rachid Bouchareb



Trailer de "Piratas das Caraíbas: Nos Confins do Mundo"

quarta-feira, maio 23, 2007

PARAGEM ANTERIOR: ENTRE CAMPOS

Música de dança e algum rock na primeira edição do Creamfields em Portugal, entre música suficientemente recomendável - Soulwax em grande! - e alguma desorganização. O resumo pode ser lido aqui.



Reportagem sobre o festival


Entrevista a Stefan Osdal, baixista dos Placebo

domingo, maio 20, 2007

O DESAFIO FINAL (POR ENQUANTO...)

No meio das inúmeras adaptações de super-heróis de comics norte-americanos que têm enchido as salas de cinema nos últimos anos, os dois primeiros filmes do Homem-Aranha destacaram-se por uma rara consistência e intensidade. Sam Raimi, cineasta que já tinha dado cartas em domínios do fantástico mais marginal, saiu-se bem na confecção de dois blockbusters que, apesar dos orçamentos elevados e de generosas doses de efeitos especiais, nunca perderam o rumo e acertaram na exploração das contrariedades e dilemas de Peter Parker e do seu alter-ego.

Com bons resultados nas bilheteiras e alguns aplausos da crítica, esses dois episódios levaram a que "Homem-Aranha 3" (Spider-Man 3) tente agora elevar ainda mais a fasquia, e não faz a coisa por menos: é o filme mais caro de sempre, onde foram empregues mais de 250 milhões de dólares, e estreia em 4253 salas nos EUA, também este um recorde. A ambição reflecte-se ainda no argumento, recheado de linhas narrativas que seguem as ameaças com três vilões, a sempre conturbada vida pessoal do protagonista - marcada por um eventual novo interesse amoroso - e a descoberta do seu lado negro, que lhe impõe um decisivo conflito interior.

Ao longo de mais de duas horas, Raimi apresenta um blockbuster dinâmico, com direito às melhores sequências de acção e efeitos especiais que o dinheiro pode pagar, estando neste aspecto uns passos à frente das já muito impressionantes cenas dos dois capítulos antecessores.
Mas, como nem só destes elementos vive a saga - e ainda bem -, "Homem-Aranha 3" dá continuidade à relação entre Peter Parker e Mary Jane, que aqui se complica quando o Homem-Aranha se torna mais popular do que nunca e é constantemente aclamado e homenageado pelos cidadãos de Nova-Iorque. Este contexto leva a que o filme invista nas consequências da fama, debruçando-se sobre as alterações na personalidade do herói e no peso que a crescente vaidade acaba por ter nas suas relações quotidianas. A passagem da humildade para a arrogância é incentivada pela incorporação de um simbionte alienígena que, para além de gerar mutações no uniforme do aracnídeo - tornando-o negro - encoraja a disseminação dos seus sentimentos mais obscuros, egoístas e mesquinhos.

A fase do uniforme negro é uma das mais emblemáticas da história do Homem-Aranha na B.D., lançando a personagem para novos desafios e alargando a sua já habitualmente considerável dose de problemas. Neste caso, está em causa o fascínio de Parker com os seus poderes, levado a um limite excessivo que compromete as qualidades humanas que os seus amigos e parentes mais próximos lhe reconheciam. Não menos importante é a criação de um novo arqui-inimigo que este novo uniforme acabará por originar - Venom, o alter-ego de Eddie Brock, fotógrafo rival do protagonista.

"Homem-Aranha 3" fica um pouco aquém das expectativas na abordagem destas batalhas interiores do herói, que embora proporcionem alguns momentos densos e empolgantes também suscitam dispensáveis cenas óbvias e caricaturais, com gags demasiado forçados e exagerados. Também não ajuda o facto da narrativa ter de dar espaço a mais dois antagonistas: o Duende-Verde, encarnado por um Harry Osborn que pretende reagir violentamente à morte do pai (decorrida no primeiro filme); e Sandman, um presidiário em fuga da polícia que, devido a um acidente, obtém a capacidade de se transformar em areia e de a manipular. Estes dois casos servem como pretexto para uma análise à hipótese de regeneração, em especial o de Sandman, que ao contrário do que havia sido revelado é o autor do assassinato do tio de Parker. Assim, para além de batalhas com o seu ego o Homem-Aranha tem ainda de lidar com a sede de vingança e com a possibilidade do perdão, elementos que não coabitam e em relação aos quais o herói terá de optar.

À semelhança do que ocorreu no final da trilogia dos mutantes da Marvel, em "X-Men - O Confronto Final", de Brett Ratner, também "Homem-Aranha 3" condensa muitas histórias e personagens num só filme, desenvolvendo uma teia de enredos que nem sempre são explorados da forma mais frutífera. Mesmo assim, as cerca de duas horas e meia não se tornam cansativas pois Raimi consegue imprimir aqui uma energia contagiante e a mistura de drama, comédia e acção, já convincente nos episódios anteriores, volta a resultar.

O elenco mostra-se novamente à altura, sobretudo o par Tobey Maguire/Kirsten Dunst, irrepreensíveis na pele de Peter Parker e Mary Jane, e as novas caras são boas adendas, já que Thomas Haden Church e Topher Grace não desapontam como Sandman e Venom, respectivamente. Algo subaproveitada é Bryce Dallas Howard, que encarna uma Gwen Stacy de relevância questionável para o argumento, e pelo meio premeiam-se os mais atentos com os inevitáveis cameos de Stan Lee e Bruce Campbell. Igualmente obrigatória - e hilariante - é a presença de J.K. Simmons, escolha perfeita para interpretar J. Jonah Jameson, o inimitável director do jornal onde Parker trabalha.

Com uma segunda trilogia já prevista - o primeiro capítulo estreará em 2009 -, a saga do herói não ficará por aqui, ainda que seja duvidoso que as próximas aventuras contem com esta equipa. Seja como for, "Homem-Aranha 3" oferece um bom desenlace (provisório) que, se não tem a carga refrescante do primeiro filme nem a solidez dramática do quase imbatível "Homem-Aranha 2", ficará certamente como um dos blockbusters mais entusiasmantes deste ano. Sam Raimi volta a demonstrar os seus méritos de artesão criativo e, mesmo sem acrescentar muito aos dois filmes anteriores, cria mais uma cativante proposta de entretenimento escapista daquela que é já a melhor saga cinematográfica de sempre inspirada numa personagem dos comics.

E O VEREDICTO É:
3,5/5 - BOM

sábado, maio 19, 2007

UMA SEXTA-FEIRA NA CIDADE

Autores de um dos discos de estreia mais aplaudidos de entre os muitos de bandas que reclamam a herança do pós-punk, "Silent Alarm" (2005), os londrinos Bloc Party editaram este ano um aguardado novo registo, que para muitos confirma a maldição do "difícil segundo álbum".
Menos consensual, "A Weekend in the City" não deixa de ser interessante e mesmo algo subestimado, mas o facto de não ser tão refrescante como o seu antecessor chegou para que houvesse quem questionasse a consistência da banda.
Esta dúvida terá ficado provavelmente esclarecida para quem assistiu ao concerto que fechou ontem a digressão europeia do grupo no Coliseu de Lisboa, onde o jovem quarteto comprovou a sua solidez ao vivo e, sobretudo, que as suas novas canções resultam bem melhor num palco do que em disco.

Com um alinhamento que intercalou equilibradamente temas dos dois álbuns, o espectáculo começou de forma enérgica, com «Song for Clay (Dissapear Here)», que também é a faixa de abertura de "A Weekend in the City", e foi evoluindo num crescendo de intensidade, investindo ora em episódios de elevada carga visceral ora em belíssimos momentos mais apaziguados e introspectivos.
A massiva dose de aplausos registada assim que o grupo entrou em palco atestou que grande parte do público já estava ganho à partida, mas ao longo da actuação apenas se confirmou que a banda foi merecedora das constantes ovações.
Afáveis e humildes, revelaram ainda uma entrega assinalável, em especial o vocalista Kele Okereke, que se dirigiu várias vezes aos espectadores e encetou consideráveis tentativas de diálogo em português. Nem sempre conseguiu, embora o esforço já tenha sido suficiente para ajudar a que se formasse uma atmosfera acolhedora com diversos pontos de ebulição durante cerca de hora e meia.

«Banquet», apesar de ser repetidamente difundido um pouco por todo o lado, continua a ser um single arrebatador, que confirma que os Bloc Party são capazes do melhor, e o seu carisma foi evidente na recepção que obteve do público. Igualmente explosivos foram «Hunting for Witches», um óbvio sucessor natural, ou «Like Eating Glass», propostas que deixaram um irrecusável convite à dança.

A aura quase tribal de «The Prayer» foi outro episódio a registar, assim como o cativante sentido de urgência da grande canção que é «This Modern Love». No meio destas tempestades de guitarras surgiram oportunos cenários de teor mais calmo, casos das delicadas «I Still Remember» e «So Here We Are» ou da pérola «Sunday», um dos melhores momentos de "A Weekend in the City". O caos voltaria a instalar-se no tema de despedida, «Pioneers», perfeito para encerrar um concerto que foi edificando uma notável envolvência emocional.

A coesão da banda foi complementada por elegante trabalho de iluminação, que apostando essencialmente em tons de azul e vermelho gerou uma cenografia apropriada às particularidades das canções. Menos bem-vindos foram alguns problemas de som, que vitimaram com demasiada frequência uma actuação de resto irrepreensível por parte de uma banda no auge.
«Just give me moments, not hours or days», cantou Okereke em «Waiting for the 7.18», pedido a que acabou por aceder ao participar numa série de muitos momentos marcantes, certamente memoráveis para grande parte dos seus espectadores, ou não tivessesm estado perante um dos grandes concertos do ano.

Antes dos quatro londrinos, o Coliseu recebeu os d3ö, que de Coimbra trouxeram um rock abrasivo e directo, porém sem grandes sinais de personalidade. O trio assinalou uma actuação empenhada e com conseguidos momentos de comunicação com o público, não deixando contudo especial curiosidade em relação às suas canções.
Mais inusitado foi o intervalo entre o fim do concerto do grupo e a chegada dos Bloc Party, que começou ao som de «Pump the Jam», dos Technotronic, passando depois por algum house e techno de gosto duvidoso - e com direito a aviõezinhos telecomandados pelo meio -, mas eficaz na preparação de uma atmosfera animada e expectante. A espera, como se veria depois, valeu a pena, e quem não viu ainda poderá confirmar a boa forma da banda em palcos nacionais no festival Super Bock Super Rock, a 3 de Julho.

E O VEREDICTO É: 4/5 - MUITO BOM
Fotos: Vera Moutinho


Bloc Party - "The Prayer"

quinta-feira, maio 17, 2007

ESTREIA DA SEMANA: "ZODIAC"

Criador de alguns dos mais marcantes filmes da década passada, David Fincher regressa às histórias de serial killers que já lhe trouxeram notoriedade em "Sete Pecados Mortais". "Zodiac", inspirado num caso verídico, segue as investigações em torno do autor de vários assassinatos em São Francisco, encetadas por um polícia, um jornalista e um cartoonista. O elenco é, mais uma vez, de luxo, e inclui gente como Jake Gyllenhaal, Mark Ruffalo, Robert Downey Jr..
Infelizmente, o filme não exibe o brilhantismo de "Clube de Combate" ou "O Jogo", embora não deixe de ser um regresso à boa forma depois do pouco estimulante "Sala de Pânico". A ver, de qualquer forma, mesmo que Fincher já tenha feito bem melhor.


Outras estreias:

"Bolo de Neve", de Marc Evans
"Jogos de Infidelidade", de Bart Freundlich
"Os Mensageiros", de Oxide Pang Chun e Danny Pang



Trailer de "Zodiac"

quarta-feira, maio 16, 2007

LOTAÇÃO ESGOTADA (E DESINSPIRADA)

A Timbaland é reconhecido um lugar cimeiro dentro da produção hip-hop e aparentados dos últimos anos, sendo um dos responsáveis pela ascensão de Missy Elliot ou, mais recentemente, pelo acréscimo de popularidade e reconhecimento às carreiras de Nelly Furtado e Justin Timberlake. Entre outros solicitadores dos seus préstimos encontram-se até figuras aparentemente mais distantes dos domínios que habitualmente percorre, como Björk, que o convocou para o recente “Volta”.

“Shock Value”, o seu quinto disco de originais, evidencia que as suas colaborações se têm tornado cada vez mais abrangentes, dada a vasta galeria de convidados do álbum, que inclui presenças mais ou menos previsíveis, por já terem cruzado o seu currículo, e outras algo inesperadas.
Ao longo de quase duas dezenas de canções, Timbaland volta a investir num hip-hop polvilhado de sintetizadores e pelo meio vai testando as águas de outras áreas, e apesar dos seus créditos como produtor hábil não saírem comprometidos desta amálgama os resultados das colaborações são, no mínimo, desiguais, e na maioria das vezes pouco estimulantes.

O início até é sugestivo, já que o single “Give It To Me”, com Nelly Furtado e Justin Timberlake, contém o ritmo e a carga hipnótica que o produtor injectou em alguns temas dos dois cantores. “Way I Are”, com Keri Hilson e D.O.E., é outra prova de eficácia na produção que encoraja audições repetidas, só que infelizmente “Shock Value” esgota grande parte da criatividade nestes dois momentos iniciais e falha mais do que acerta nas investidas seguintes.

Há outras canções interessantes, como as descomprometidas “Boardmeeting”, com Magoo, e “Miscommunication”, ou a soturna e nebulosa “Kill Yourself”. Mesmo a “Scream” e “Bombay”, talvez as mais imediatas do álbum, conseguem ser agradáveis, mas o R&B de “Fantasy”, de tão açucarado, já cai na banalidade. Dr. Dre, Missy Elliot e Timberlake não impressionam especialmente no concentrado de tensão “Bounce”, e a dinâmica “Release”, também com o cantor de “Sexyback”, entra nos ouvidos com a mesma facilidade com que sai. O mesmo pode dizer-se da imberbe verborreia disparada por 50 Cent em “Come & Get Me”, com um discurso que não vai além da caricatura gangsta rap.

Se durante grande parte da sua duração “Shock Value” não convence muito nem desce abaixo de uma mediania aceitável, os temas finais arriscam-se a dar-lhe o golpe de misericórdia por não passarem de experiências embaraçosas. “Throw it on Me”, exercício rock com os Hives, é apenas inconsequente, já “One & Only”, interpretado pelos Fallout Boy, cai na mediocridade por não ir além de um genérico rock FM de tempero emo e “Apologize”, balada xaroposa com os One Republic (quem?), chega a sugerir que um clone de James Blunt caiu aqui repentinamente.
No meio de episódios destes, os She Wants Revenge quase passam por génios na curiosa “Time”, que também consegue ser mais interessante do que “2 Man Show”, com Elton John ao piano, ou “Come Around”, uma das faixas escondidas, dispensável colaboração com M.I.A..

De “Shock Value” ficam então três ou quatro bons temas, o que não é muito tendo em conta as capacidades do seu autor e de alguns dos convidados e a extensão do alinhamento. Até meio, obtém-se um party album compente e apelativo q.b., ainda que descoordenado, mas para que não se estrague a festa deixa-se o aviso de que é melhor não passar o disco na íntegra.

E O VEREDICTO É: 2/5 - RAZOÁVEL



Timbaland feat. Nelly Furtado & Justin Timberlake - "Give It To Me"

terça-feira, maio 15, 2007

À ESPERA DE UM MILAGRE

Com carreira na realização e escrita de argumentos, o espanhol José Luís Cuerda tem-se notabilizado mais pelo seu percurso como produtor, nomeadamente em alguns filmes do conterrâneo Alejandro Aménabar. "A Educação das Fadas" (La Educación de las Hadas) permite agora conhecer a sua faceta como realizador, sendo a sua primeira obra a estrear em salas nacionais.

Co-produção espanhola, francesa, argentina e portuguesa, relata a história de uma família com uma relação aparentemente saudável mas que começa a entrar em crise quando a esposa diz ao marido que quer separar-se. Este, enquanto tenta adaptar-se à novidade inesperada e revelá-la ao pequeno filho da mulher, com quem tem uma ligação forte, acaba por conhecer uma estudante universitária que também está a passar uma fase pouco auspiciosa e que terá um papel importante na forma como a criança lida com a separação da mãe e do companheiro.

De tom agridoce, "A Educação das Fadas" é um curioso olhar sobre a família onde o universo das fábulas é alvo de uma abordagem fora do habitual, surgindo interligado a um realismo que não recusa entrar em situações bem dramáticas (como casos de assédio sexual ou da inevitabilidade e proximidade da morte), devidamente compensadas por algumas linhas de diálogo com um humor contagiante.

Sem grandes pretensões além de contar uma história com eficácia, José Luís Cuerda suporta-se num trabalho de realização que, se não deslumbra, pelo menos revela segurança, embora seja pelo elenco que o filme mais convence, contando com actores credíveis como o argentino Ricardo Darín, a cantora espanhola Bebe ou o pequeno Víctor Valdivia, uma óptima revelação.

O argumento promete mais do que cumpre, já que o filme arranca com criatividade e energia mas não é imune a quebras de ritmo ao longo do seu desenvolvimento, contendo algumas sequências monótonas e acusando algum excesso de duração. Mesmo assim, esta é uma proposta capaz de assinalar um saudável compromisso entre um cinema comercial e de autor, sendo exemplo da competência da produção média espanhola que se dirige ao grande público sem prescindir de sensibilidade e inteligência na sua execução.

E O VEREDICTO É:
3/5 - BOM

domingo, maio 13, 2007

OS ANJOS DO APOCALIPSE

Uma das boas revelações do cinema britânico dos anos 90, Danny Boyle começou por surpreender com "Pequenos Crimes Entre Amigos" (1994), inspirada obra de suspense e humor negro protagonizada por um então desconhecido Ewan McGregor. No projecto seguinte, o realizador e o actor voltaram a colaborar e o resultado foi um dos mais icónicos e memoráveis filmes da década, "Trainspotting" (1996), pungente retrato de uma juventude perdida com uma abordagem original da toxicodependência, título que levou a que muitos vissem em Boyle um cineasta a caminho da genialidade.
Essa expectativa não se confirmou, contudo, nos filmes seguintes, já que tanto o esgrouviado road movie "Vidas Diferentes" (1997), apenas curioso, como o controverso "A Praia" (2000), ambicioso mas parcialmente falhado, desequilibraram uma filmografia até então sólida e promissora. "28 Dias Depois" (2002), mais conseguido, mantém-se ainda como um dos melhores filmes de terror dos últimos anos, e "Milhões" (2004) regressou às realidades suburbanas dos primeiros trabalhos do realizador, ainda que com uma perspectiva diferente e sem a mesma aura de culto.

"Missão Solar" (Sunshine), o seu sétimo filme, volta a evidenciar a sua versatilidade, investindo em mais um género que Boyle ainda não tinha explorado. Desta vez, a opção foi pela ficção científica, facção viagem espacial futurista, e o filme segue a jornada de uma equipa de oito astronautas que tentam reactivar o Sol, que se encontra em fase de arrefecimento contínuo há anos.
Em causa está não só a sobrevivência da estrela mas, consequentemente, a da Terra, que enfrenta um Inverno rigoroso e vê nesta missão a derradeira hipótese de inversão do contexto, uma vez que outra equipa tinha partido há sete anos com o mesmo objectivo e fracassou.
Os problemas aumentam quando se descobre o paradeiro da nave da primeira missão e há que decidir se vale a pena alterar o percurso estipulado para ir até lá, e assim duplicar as fontes de energia dos explosivos a depositar no Sol - escolha que não gera consenso entre a tripulação.

Apostando numa narrativa com um ritmo inicialmente lento e de considerável carga contemplativa, onde se expõem problemáticas e se desenham personagens, "Missão Solar" adquire, já mais perto do desenlace, uma interessante alteração de coordenadas, onde Boyle não hesita em carregar no acelerador com sucessões de planos curtos e um acréscimo de adrenalina.
O filme alia eficazmente entretenimento a uma reflexão sobre a condição - e vulnerabilidade - humana, contando com personagens minimamente trabalhadas e um rigor narrativo e formal que o colocam acima de um mero blockbuster serviçal.
Do competente elenco destacam-se os desempenhos de Cillian Murphy e Chris Evans, o primeiro revelado em "28 Dias Depois" e que aqui atesta, mais uma vez, o seu talento interpretativo, e o segundo distante da carga espirituosa que o caracterizava em "Quarteto Fantástico", mantendo no entanto o carisma.

"Missão Solar", não sendo uma obra especialmente inovadora ou de méritos superlativos, é ainda assim uma consistente investida de Boyle pela ficção científica, deixando como marca algumas imagens de rara beleza e de uma espectacularidade pouco intrusiva. Não é o seu melhor filme nem manifesta a ousadia dos seus primeiros títulos, mas comprova que o camaleónico realizador continua recomendável.


E O VEREDICTO É:
3/5 - BOM

sexta-feira, maio 11, 2007

VIVA A FESTA!

São apenas três mas ofereceram uma actuação que irradiou tanta energia como se fossem mais de uma dezena. Marina Ribatski, Rodrigo Gorky e Pedro D’Eyrot, os Bonde do Rolê, levaram ontem à Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, as canções do seu álbum de estreia, "With Lasers", e convidaram à festa durante um concerto que, embora breve - durou pouco mais de quarenta minutos -, foi decorrendo com um considerável crescendo de intensidade.

Em disco, as experiências deste trio de Curitiba raramente convencem, assemelhando-se mais a devaneios com tanto de curioso como de inconsequente do que a canções bem esculpidas, mas ao vivo o grupo confirmou os elogiosos epítetos que circulam na Internet e fora dela e que identificam no projecto uma sólida proposta de desafio dançante e hilariante.



Não convém, no entanto, ir para um espectáculo da banda sem se deixar qualquer noção de bom gosto à porta, pois quem se levar demasiado a sério poderá não partilhar do entusiasmo pelo desconcertante caldeirão de referências proposto.

Tendo como tronco estrutural as matrizes do baile funk, evidentes nos infecciosos beats que marcaram toda a actuação, os Bonde do Rolê cruzaram essas sonoridades de rua com riffs de heavy metal de não muito boa memória ou versões bastante livres de canções emblemáticas de outros domínios. Assim, não é de estranhar que pelo mesmo espectáculo tenham passado um excerto do famigerado "The Final Countdown", dos Europe, uma adaptação de "The Model", dos Kraftwerk, ou melodias herdadas de canções da banda-sonora de "Febre de Sábado à Noite" ou dos Alice in Chains.

Estas pilhagens musicais foram entrecruzadas com quase todos os temas de "With Lasers", que em palco receberam um tratamento ainda mais cru e directo do que no disco, gerando momentos de desvairadas rajadas sónicas. Foi o caso de "Office Boy", "Solta o Frango", "James Bonde" ou "Quero te Amar", esta última candidata a tomar o lugar de "Superafim", dos Cansei de Ser Sexy, como a mais recente canção brasileira que insiste em não se descolar dos ouvidos.



O trio, que ao longo da actuação pareceu querer suplantar os constantes picos de adrenalina, cedo convenceu uma sala esgotada e que não hesitou em aderir à desbragada montanha russa musical. A vocalista foi especialmente dinâmica, dançando e gritando com uma atitude despudorada que já não reservou energia para um regresso no muito pedido, mas algo desapontante encore, que deixou em ponto morto um concerto que até aí decorreu em crescendo.

Antes da actuação, foi exibido o documentário "Tá Tudo Domindo", de Roberto Maxwell, pobre em meios mas eficaz na abordagem das origens e conceito do baile funk, movimento musical que emergiu das favelas para se disseminar para outros contextos, como os Bonde do Rolê agora o comprovam.


E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM


Bonde do Rolê - "Office Boy"

quinta-feira, maio 10, 2007

ESTREIA DA SEMANA: "QUEBRA DE CONFIANÇA"

Seguindo as investigações de um jovem do FBI que tenta encontrar um colega veterano suspeito de traição, "Quebra de Confiança" (Breach) é a segunda longa-metragem de Billy Ray, que há três anos realizou o muito interessante "Shattered Glass - Verdade ou Mentira", complexo mergulho nos bastidores do jornalismo. Outros nomes que tornam este thriller numa obra apelativa são os do elenco, cujo trio principal é composto por Ryan Phillippe, Chris Cooper e Laura Linney. Das muitas estreias da semana, esta é talvez a que mais valerá a pena espreitar.

Outras estreias:

"A Educação das Fadas", de José Luis Cuerda
"A Glória dos Campeões", de Josh Gordon e Will Speck
"Férias Assombradas", de Glen Morgan
"Os Dias do Abandono", de Roberto Faenza
"Pathfinder - O Guerreiro do Novo Mundo", de Marcus Nispel
"Renascimento", de Christian Volckman
"Ruptura", de Gregory Hoblit


Trailer de "Quebra de Confiança"

"RENASCIMENTO", de Christian Volckman

Primeira longa-metragem de Christian Volckman, que realizara já videoclips e curtas-metragens, este thriller ambientado numa Paris futurista vale sobretudo pelas inovadoras e a espaços impressionantes técnicas utilizadas, que captam os movimentos de actores passando-os depois para animação.

O paralelismo com “Sin City – A Cidade do Pecado” – tanto a graphic novel como o filme – é inevitável, não só a nível gráfico mas também pela recuperação de um imaginário oriundo do film noir, onde não falta sequer o uso (quase) exclusivo do preto-e-branco.
O filme de Volckman começou, no entanto, a ser produzido antes do de Robert Rodriguez, mas os seus nove anos de concepção levaram a que a adaptação dos comics de Frank Miller estreasse mais cedo.
De qualquer forma, se se retirar a “Renascimento” (Renaissance) essa ocasionalmente prodigiosa componente visual o que sobra é uma vulgar intriga sci-fi, ancorada em personagens sem carisma nem espessura num filme que pedia mais nervo e tensão dramática para se tornar na experiência cinematográfica que algumas sequências sugerem.

E O VEREDICTO É:
2,5/5 - RAZOÁVEL

terça-feira, maio 08, 2007

CORRE ALEX CORRE

Há três anos, o actor Guillaume Canet estreou-se na realização com "O Meu Ídolo", curiosa primeira obra que, em tons de comédia negra, oferecia uma sátira às perversões da fama e aos formatos do entretenimento televisivo actual. Não sendo um filme plenamente conseguido, tinha qualidades suficientes para deixar alguma expectativa quanto a futuros trabalhos do jovem realizador.

"Não Digas a Ninguém" (Ne Le Dis à Personne), o seu segundo filme, tem-lhe concedido maior reconhecimento, salientando-se como um dos grandes vencedores da última edição dos Césares onde foi premiado em quatro categorias (Melhor Actor, Melhor Realizador, Melhor Música e Melhor Montagem). A película, longe de ser uma obra-prima, não desmerece contudo essas distinções, enveredando por um género diferente do da antecessora - desta vez percorrem-se territórios do thriller - mas expondo maior desenvoltura e segurança.

"Não Digas a Ninguém" centra-se em Alex, um pediatra bem-sucedido mas amargurado pelo súbito assassinato da mulher, Margot, há oito anos, tragédia que lhe deixou feridas emocionais ainda por cicatrizar. A memória da esposa torna-se mais presente quando recebe um e-mail onde uma mulher encara uma câmara de rua, facto que nem seria muito desconcertante caso esta não tivesse feições muito semelhantes às de Margot.

Após esta revelação, Alex entra numa obsessiva viagem em busca de mais pistas que lhe permitam esclarecer as crescentes suspeitas de que a sua esposa poderá, de facto, estar viva, o que o leva a manter contactos com o emissor da inesperada mensagem electrónica e a envolver-se numa série de situações tensas que incluem fugas da polícia ou confrontos com assassinos profissionais.

Guillaume Canet oferece aqui um policial que, sem ser muito inventivo, é capaz de manter acesa a curiosidade durante a maior parte da sua duração, o que comparando com tantos exemplos anódinos do género já não é pouco. Parte do mérito deve-se ao argumento, um novelo intrincado capaz de descoordenar mas cujo desenlace revela ser coerente, pensado até ao pormenor e que se arrisca a deixar o espectador quase tão expectante como o protagonista. O ritmo é tenso mas raramente carrega no acelerador, exceptuando uma frenética sequência de perseguição que fica como um dos picos de adrenalina do filme e demonstra a eficácia de Canet atrás das câmaras.

François Cluzet, o actor principal, é inatacável na interpretação de uma personagem em crise e à beira do desespero, mas que recusa ceder devido à obstinação com que persegue a suspeita de que poderá reencontrar a sua esposa. Os restantes nomes do elenco, entre os quais a sempre confiável Kristin Scott Thomas, respondem também com uma entrega assinalável e ajudam a fazer de "Não Digas a Ninguém" uma obra escorreita.

Optando pela inteligência e sobriedade em vez de sucessivas descargas de energia cinética que se esgotam na sua própria espectacularidade, Canet alia um ambiente de paranóia e pânico a um intenso romantismo e gera um filme que, se não é arrebatador, destaca-se como um passo na direcção certa e volta a suscitar interesse quanto ao seu próximo projecto como realizador.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

segunda-feira, maio 07, 2007

PASSADO E PRESENTE

No seu segundo álbum a solo, "Let It Die", a canadiana Leslie Feist constou entre as vozes mais aplaudidas de 2004, fruto das suas canções introspectivas e minimalistas onde a serenidade convivia com um ligeiro apelo dançável. Não era um disco especialmente marcante, no entanto teve o mérito de dar a conhecer uma cantora e compositora com interesse a uma esfera mais alargada do que até então, já que nem as suas colaborações com terceiros - Placebo (os canadianos), Broken Social Scene, Peaches, Gonzales ou Kings of Convenience - nem o primeiro registo a solo lhe deram uma visibilidade tão notória.

Com "The Reminder", Feist não se distancia muito dos azimutes presentes no trabalho antecessor mas, ainda assim, reforça a personalidade que já se denunciava e oferece um conjunto de canções mais eclécticas, resultando num álbum sem a excessiva homogeneidade que por vezes tornava "Let It Die" numa audição pouco surpreendente.

A produção é novamente lo-fi mas apurada, dando espaço para que a voz da cantora nunca seja eclipsada pelos instrumentos e surja sempre como elemento orientador das canções. Globalmente menos plácidas do que as do álbum anterior, as composições percorrem vários estados emocionais que têm como elemento comum o enfoque nas relações humanas em geral e nas amorosas em particular.

Assente num sóbrio e elegante cruzamento entre indie pop e folk, "The Reminder" confirma os talentos de escrita e interpretação da sua autora, ainda que evidencie alguns altos e baixos num alinhamento demasiado longo. Depois de um arranque em crescendo, com a desencantada "So Sorry", a upbeat "I Feel It All" e sobretudo o delicioso primeiro single "My Moon My Man", uma das melhores pérolas de cerca de quatro minutos dos últimos tempos, o disco nem sempre mantém essa capacidade de seduzir, em especial na maioria dos temas finais que, não sendo desagradáveis, são os mais redundantes e genéricos.

Temas como as contagiantes aproximações country de "Past in Present" e "1234" ou a revisão de "See-Line Woman", de Nina Simone, na efervescência funk/gospel de "Sealion", revelam contudo uma faceta da cantora até então pouco explorada, lançando interessantes pistas para futuros registos. Igualmente memorável é a melancolia que implode em "The Limit to Your Love" - Cat Power poderia estar por aqui - e na belíssima "How My Heart Behaves", dueto com Jamie Lidell, ambas catalisadoras de uma assinalável ressonância emocional.

"The Reminder" ganharia se dispensasse algumas canções, embora assim como está ainda seja um álbum a reter, marcado por alguns episódios de uma sensibilidade e intimismo dignos de nota. Talvez não fique como um dos discos imprescindíveis do ano, mas será seguramente dos mais acolhedores.


E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM



Feist - "My Moon My Man"

domingo, maio 06, 2007

SINAIS

Proposta de suspense com toques de (ligeiro) terror sobrenatural, "As Pragas" (The Reaping) começa de forma interessante ao sugerir um debate entre a religião e a ciência, temática já muito explorada mas que ainda potencia questões intrigantes. Neste caso, o motivo é a investigação de uma professora universitária que tenta descobrir a origem de estranhos acontecimentos que atormentam uma pequena cidade do Louisiana e que os habitantes locais defendem estarem relacionados com as dez pragas bíblicas do Egipto.

A ideia, não sendo original, revela-se bem aproveitada durante a parte inicial do filme, suportando uma narrativa razoavelmente enigmática e onde nem o espectador nem as personagens sabem quais as razões da origem dos atípicos acontecimentos.

Hilary Swank consegue dar credibilidade à protagonista, apresentando mais um desempenho seguro, e a relação que mantém com Idris Elba, que encarna o seu colega de trabalho, é bem desenvolvida, não só pela distinta percepção que ambos têm das supostas pragas - ela virou costas à fé e apoia-se somente em provas científicas, ele é crente - mas ainda pelo forte companheirismo que os une apesar dessas diferenças.

Os problemas surgem quando a relativa ambiguidade que marca o arranque do filme dá lugar a sucessões de cenas previsíveis e a uma abordagem superficial e tendenciosa dos temas em causa. A recta final, então, é totalmente desprovida de subtileza e oferece uma dispensável pirotecnia de efeitos especiais pouco convincentes, opondo-se ao equilíbrio visual que caracterizou "As Pragas" durante grande parte dos momentos anteriores.

O passado da personagem de Swank, vincado pela morte do marido e da filha que lhe despoletou a perda da fé, poderia ser um elemento catalisador de densidade mas apenas proporciona a instalação de lugares-comuns quando o argumento opta, a certa altura, por apostar mais em reviravoltas pouco surpreendentes do que no aprofundamento da carga dramática.
Stephen Hopkins, cuja filmografia se aproxima das duas décadas e tem como maior destaque a direcção de alguns episódios da série televisiva "24", ainda não apresenta aqui um filme que fique para a história, já que "As Pragas" se contenta em ser um produto formatado e descartável, embora competente, em vez do memorável mergulho em questões religiosas e científicas que alguns dos seus momentos sugerem.


E O VEREDICTO É:
2/5 - RAZOÁVEL

BLINKS & LINKS (61)

sábado, maio 05, 2007

DIAS INDIE, TAKE 4

A quarta edição do IndieLisboa, decorrida entre 19 e 29 de Abril nos cinemas King, Londres, São Jorge e no Fórum Lisboa, foi a mais concorrida de sempre, com mais de 35 mil espectadores. Ocupando mais salas e alargando as secções, voltou a revelar cinema independente de vários géneros, formatos e origens e a programação deste ano, se não foi também a melhor das quatro edições - não era fácil competir com a de 2005 -, foi pelo menos bem superior à do ano passado. Abaixo ficam os filmes que vi por lá:

"Analog Days", Mike Ott

sexta-feira, maio 04, 2007

TGIF!


Numa sexta-feira em que há pouca vontade de ficar por casa, tenho que ver se é desta que aproveito para voltar às sessões Planeta Pop após uns meses em falta e muitos adiamentos. O ambiente não é bem igual ao do vídeo acima - "Dead Disco (Kylie Kills Mix)", dos Metric -, mas vale a pena passar por lá.

NASCIDOS PARA MATAR

Inspirado na novela gráfica homónima criada por Frank Miller e Lynn Varley, "300" narra a batalha de três centenas de espartanos, liderados por Leónidas, contra os milhares de persas sob o comando de Xerxes, um dos combates mais míticos ocorridos na Grécia antiga.
Longe de procurar ser um relato factual e historicamente aprofundado dos acontecimentos ou mesmo das civilizações em jogo, o filme mais não pretende do que oferecer duas horas de entretenimento com elevados níveis de testosterona e cenas de forte apelo visual - características já dominantes, de resto, na banda-desenhada que lhe deu origem.

Ora, se ninguém aqui procurar uma análise complexa das facções que se opõem, a mais recente obra de Zack Snyder - realizador do elogiado remake d'"O Renascer dos Mortos" - cumpre sem grandes falhas aquilo a que se propõe, oferecendo algumas das mais inspiradas sequências de combate dos últimos tempos - talvez desde "Sin City - A Cidade do Pecado", também baseada numa novela gráfica de Miller -, vincadas por um espírito apropriadamente larger than life e onde a credibilidade não deve ser um factor a considerar.

Grande parte do apelo visual deve-se ao recurso às tecnologias digitais, nomeadamente à utilização do blue screen (todo o filme foi filmado em estúdio, sem quaisquer cenários, que foram posteriormente adicionados digitalmente), já utilizado noutras películas - como "Sky Captain e o Mundo do Amanhã" - mas que aqui adquire um apuro notável, fundindo animação e imagem real e lançando bases para uma sedutora nova linguagem.
Em alguns momentos, "300" supreende por se assemelhar a uma autêntica transposição de vinhetas da BD, aproximando-se muito de algumas páginas desenhadas por Lynn Varley, e os contrastes de luz e sombra ou os milimétricos cromatismos dos cenários revelam um perfeccionismo que concede ao filme uma singular energia e envolvência.

Nem tudo brilha, contudo, e se a nível formal não há nada a apontar, o filme exibe maiores fragilidades na narrativa, pouco mais do que sucessivas sequências de combate pontualmente intervaladas por momentos de intriga política ou romântica. As personagens não passam de arquétipos sem nuances ou densidade - à excepção, talvez, dos Reis de Esparta -, por isso os seus conflitos nunca vão além de um cerrado maniqueísmo, pouco propício a uma espessura dramática intrigante. Do elenco, destaca-se apenas Gerard Butler, carismático na pele do obstinado Leónidas, e um irreconhecível Rodrigo Santoro, um cabide de jóias e maquilhagem que faz de Xerxes a figura mais delirante do filme.

Estes desequilíbrios não impedem, mesmo assim, que "300" seja um muito eficaz divertimento, sangrento e excessivo q.b., mais inventivo, áspero e politicamente incorrecto (não escondendo uma provocatória carga homoerótica) do que a maioria dos blockbusters e menos canónico do que os épicos habituais. Ostensiva tanto na componente visual como na sonora (ouça-se a explosiva amálgama musical composta por Tyler Bates), é daquelas obras cujo extremismo tanto poderá gerar paixões imediatas como uma legião de anticorpos, não surpreendendo por isso que tenha dividido a crítica.
Menos compreensíveis são as acusações de fascismo, xenofobia ou americanismo, uma vez que Snyder parece mais interessado em apostar numa desregrada descarga de adrenalina do que numa reflexão acerca do contexto político actual. Seja como for, nada como ver o filme para tirar as dúvidas.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

quinta-feira, maio 03, 2007

ESTREIA DA SEMANA: "HOMEM-ARANHA 3"

O terceiro capítulo da trilogia dedicada ao herói aracnídeo mais famoso do mundo chega hoje a salas nacionais, e em "Homem-Aranha 3" (Spider-Man 3) a fama é mesmo um elemento-chave, ou não estivesse na origem dos conflitos internos de Peter Parker. Sam Raimi volta a comprovar que é o realizador indicado para o projecto e, mesmo que o filme não esteja à altura do antecessor, é um blockbuster muito acima da média que encerra (por agora) a melhor saga de super-heróis já vista no cinema.

Outras estreias:

"O Concílio de Pedra", de Guillaume Nicloux
"O Mistério da Estrada de Sintra", de Jorge Paixão da Costa
"Shortbus", de John Cameron Mitchell
"Still Life - Natureza Morta", de Jia Zhang Ke



Trailer de "Homem-Aranha 3"

O SEXO E A CIDADE

John Cameron Mitchell fez-se notar por "Hedwig - A Origem do Amor" (2004), atípico musical glam/trash que partia das experiências de um músico transexual para propor uma reflexão sobre as interligações entre o corpo, o sexo e a identidade. Sendo um projecto curioso, ficava no entanto aquém da originalidade da proposta mas dava a entender que o seu realizador tinha algo a dizer.

"Shortbus", o seu segundo filme, repisa as mesmas temáticas num contexto diferente, numa Nova Iorque com fortes marcas do 11 de Setembro e com um enfoque não numa perspectiva individual, mas colectiva. Mais uma vez as disfunções físicas encontram-se indissociáveis das emocionais e o sexo é encarado como fonte de muitas das frustrações das personagens, e simultaneamente como tentativa de resolução ou alheamento destas.

O filme segue dois relacionamentos, um hetero e outro homossexual, onde um dos cônjuges é incapaz de resolucionar uma crise interna que já se prolonga há muito. Sofia, terapeuta sexual, receia partilhar ao seu marido que nunca teve um orgasmo, e James sugere ao seu namorado a opção por uma relação a três como forma de injectar nova vida ao seu quotidiano.
As vidas dos protagonistas e das outras personagens - entre as quais uma dominatrix entregue à solidão, um voyeur obcecado pelo casal gay ou um ex-modelo optimista - cruzam-se num clube nocturno underground, Shortbus, onde além de música ao vivo e do convívio regado a álcool há uma visão - e prática - bastante liberal do sexo, aglutinadora de todos os tipos de orientações.

Ainda mais descomplexado e incisivo do que o seu antecessor, muito por culpa das cenas de sexo explícito que não tardam a surgir, "Shortbus" resulta numa obra mais coesa mas que, mesmo assim, não escapa a alguns desequilíbrios. Mitchell tanto aposta, por um lado, na irreverência e provocação, como investe ocasionalmente em episódios poéticos e sensíveis, o que por vezes atira o filme para caminhos indecisos e inconsequentes. Fica assim por esclarecer a pertinência de algumas cenas de sexo ostensivas ou, no pólo oposto, o desenlace redentor que não dispensa rodriguinhos ingénuos e ligeiramente irritantes.

Mesmo vitimado por um excesso de pretensão, "Shortbus" consegue abordar questões relevantes com alguma complexidade, valendo-se de um argumento dominado por um sentido de humor oportuno sem prescindir de peso dramático. O elenco, constituído por actores amadores seleccionados a partir de um casting online (onde cerca de 500 candidatos enviaram gravações), é eficaz e dispara os diálogos com convicção, e o facto de serem todos figuras desconhecidas contribui para que o filme ganhe maior naturalidade e verosimilhança.
Mitchell sai-se igualmente bem na montagem fluída e numa realização capaz de criar uma atmosfera intimista, e a forma como a cãmara transita entre os espaços, movendo-se por uma Nova Iorque recriada em miniatura, é imaginativa e concede ao filme um peculiar cuidado visual.

O realizador, que é também cantor, volta a privilegiar a música, elemento importante para a definição de ambientes, e aqui envereda não pelo glam rock mas por territórios indie lo-fi, com canções dos Yo La Tengo, Azure Ray, Scott Matthew ou The Hidden Cameras. A interligação com domínios musicais estende-se aos cameos dos Animal Colletive ou de JD Samson, das Le Tigre.

Não impondo ainda John Cameron Mitchell como um nome essencial dentro do cinema recente, "Shortbus" confirma-o já enquanto cineasta com uma linguagem própria, estando uns degraus acima do seu primeiro trabalho e expondo uma sensibilidade mais apurada e menos artificiosa. Um nome a seguir, autor de uma filmografia que começa a entusiasmar.

E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

quarta-feira, maio 02, 2007

8 BLOGUES, 5 FILMES, 1 REALIZADOR

Na ressaca do Indie cá fica, mais uma vez, a tabela do costume, relativa a algumas estreias de Abril. Como bónus, as escolhas do filme preferido do realizador em destaque este mês - neste caso, o "controverso" Joel Schumacher (blame Knoxville). Seja como for, o "Tigerland" quase dá para perdoar o que o homem fez ao Batman.

terça-feira, maio 01, 2007

MULHERES-POLÍCIA

Apesar de ser uma obra de duas realizadoras israelitas, "Close To Home" (Karov la Bayit) não está, ao contrário de outros títulos provenientes das mesmas origens, particularmente interessado em analisar o conflito israelo-árabe, ainda que essa questão acabe por ter um inevitável impacto na narrativa. Em vez disso, Vidi Bilu e Dalia Hager preferem centrar-se na relação de duas jovens que cumprem o serviço militar em Jerusalém e nos problemas que surgem quando nem sempre seguem as medidas de uma disciplina rigorosa e exigente.

De temperamentos e vivências bastante distintos, Mirit e Smadar são encarregues de fazer a patrulha juntas e, embora o trabalho de equipa não comece de forma muito promissora, aos poucos vai conduzindo a que nasça uma forte, ainda que conturbada, ligação entre as duas. Mirit, retraída e cumpridora das normas, contrasta com a postura rebelde e algo austera de Smadar, mas à medida que se vão conhecendo as duas vão também sofrendo ténues mudanças de atitude e influenciando-se mutuamente.

Filme de ambições modestas mas pontuado por uma inteligência e depuração consideráveis, "Close To Home" é um drama que foca um quotidiano dominado pela constante suspeição de perigo, uma vez que tem como palco o coração de Jerusalém. As vidas das protagonistas são, assim, caracterizadas por um desejo de fuga às obrigações impostas por um sistema em relação ao qual têm dúvidas, mas a que têm de aderir.

Conjugando intensidade dramática e uma saudável leveza - há diversos momentos de um humor contido e perspicaz -, esta primeira obra revela uma dupla de realizadoras a ter em conta e um não menos meritório trabalho interpretativo das duas jovens protagonistas. Não sendo um filme excepcional, assinala uma estreia fresca e escorreita, o que já basta para que seja um dos que merecem ser aplaudidos.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

"Close to Home"
foi um dos títulos da secção competitiva da quarta edição do IndieLisboa