sexta-feira, janeiro 26, 2007

OS PECADOS DA CARNE

Há três anos, a fast food foi alvo de abordagem no cinema no documentário "Super Size Me - 30 Dias de Fast Food", onde o realizador Morgan Spurlock se submeteu, em frente às câmaras, a uma dieta baseada exclusivamente nesse tipo de comida de forma a demonstrar os seus efeitos nefastos. O filme era uma experiência curiosa, mas limitada e demasiado tendenciosa, propondo uma abordagem por vezes certeira mas geralmente insipiente.

Agora, o tema volta a ser alvo de destaque - e alguma polémica - em "Geração Fast Food" (Fast Food Nation), a mais recente obra de Richard Linklater que segue os rumos de várias personagens interligadas, directa ou indirectamente, pelo "Big One", o novo e bem sucedido hambúrguer de uma das principais marcas da área.
Depois do marcante díptico "Antes do Amanhecer"/"Antes do Anoitecer", de inovadoras películas de animação ("Walking Life", "A Scanner Darkly") ou de envolventes olhares sobre a adolescência ("Noites Suburbanas"), o realizador aposta aqui num estilo que por vezes se aproxima do docudrama.

Embora as peripécias vividas pelas personagens sejam fictícias, os apelos em relação às condições de produção de alguma fast food assentam em pressupostos aparentemente reais - de resto já focados no livro de Eric Schlosser, em que o filme se baseia -, e geram as cenas mais cruas da acção, como as da morte de animais no matadouro ou a preparação da carne na fábrica.

Seguindo as experiências de um dos executivos da empresa, de uma imigrante mexicana ilegal que encontra trabalho como operária numa das fábricas da mesma e de uma estudante idealista que desiste do seu part time num dos restaurantes, "Geração Fast Food" entrelaça os percursos destes e de outros indivíduos para compor não só uma perspectiva relativamente complexa dos bastidores de um tipo de alimentação, mas também das contraditórias realidades de uma sociedade e de um país.

Linklater, aqui atipicamente cáustico, não hesita em colocar a nu a exploração laboral, as débeis condições de higiene no fabrico da comida, os maus tratos a que estão sujeitos os animais usados como matéria prima ou a hipocrisia e crise de valores reinante nas grandes corporações.
O retrato é assumidamente militante, a espaços redutor e na maior parte das vezes nem revela nada que não tenha sido já divulgado, ou mesmo comprovado, mas não deixa de ser um alerta contundente, feito com seriedade e inteligência, que compensam a ocasional falta de subtileza (mesmo assim, a milhas do estilo espalhafatoso dos documentários de Spurlock ou Michael Moore).

Também ajuda que a maior parte das personagens não sejam meros joguetes destinados a emitir um ponto de vista mais ou menos didáctico, pois Linklater consegue gerar uma considerável ressonância emocional nesta rede de histórias entrecruzadas.
O elenco é, nesse sentido, uma óbvia mais-valia, e entre os muitos nomes que o constituem há gente tão diversa como Greg Kinnear, perfeito na composição de homem-de-negócios de coração mole; Catalina Sandino Moreno, que encarna uma jovem comovente com a sobriedade e sensibilidade que a revelaram em "Maria Cheia de Graça"; ou Ethan Hawke, figura recorrente na obra de Linklater em mais uma prestação que irradia espontaneidade. Bruce Willis, num cameo precioso, dispara as linhas de diálogo mais demolidoras do filme; já a participação de Avril Lavigne deixa muitas interrogações, tendo em conta que o seu impacto é praticamente nulo.

"Geração Fast Food" nem sempre abre tantos horizontes como supõe, no entanto é um filme que merece ser visto e discutido, pois para além das questões que levanta comprova a habitual habilidade de Linklater para os diálogos e direcção de actores, beneficiando ainda de uma narrativa fluída e de uma intrigante banda-sonora, composta pelos Friends of Dean Martinez. Tudo somado, faz desta uma das primeiras estreias do ano a ter em conta e mais um convincente trabalho de um dos confiáveis realizadores norte-americanos revelados na década passada.

E O VEREDICTO É:
3,5/5 - BOM

8 comentários:

Anónimo disse...

Bacana, um filme que trata não só da questão da alimentação porca servida em tais ambientes, como também dos trabalhadores.
Sempre que passo em frente a um, sinto pena e admiração por quem trabalha em fast-foods. Só o cheiro já me nocauteia. Imagine permanecer ali diariamente.

Gosto bastante dos filmes que o Ethan Hawke faz. Neste, como de costume, deve estar bem interpretado também.

gonn1000 disse...

Sim, mas confesso que ainda assim os frequento ocasionalmente...
Também gosto de grande parte dos filmes do Ethan, neste não tem um papel de grande dimensão mas está bem como de costume.

MPB disse...

De acordo ;)

gonn1000 disse...

Já tinha reparado que neste concordamos :)
Cumprimentos

C. disse...

Este não vou ver. Digamos que é um de alerta para algo que não preciso de ser alertada ;)

gonn1000 disse...

Ah, mas o filme não vale só por isso, nem faz alertas só acerca do mais óbvio. Acho que vale o risco... ;)

C. disse...

Not in the mood ;)

gonn1000 disse...

Fair enough ;)