Em Outubro de 1998, a América ficou chocada quando foi noticiado que um homossexual de 21 anos, Matthew Sheppard, tinha sido espancado até ficar gravemente ferido, sendo posteriormente amarrado a uma cerca e abandonado num espaço isolado.
Vítima deste ataque por parte de outros dois jovens, Sheppard acabaria por morrer dias mais tarde, já no hospital, e o trágico acontecimento marcou desde então Laramie, a pequena cidade do Wyoming onde o infortúnio ocorreu.
Moisés Kaufman e os restantes elementos do Tectonic Theater Project basearam-se no caso para criar a peça teatral "Laramie", recolhendo testemunhos de mais de 200 habitantes locais, incluindo amigos, familiares e conhecidos de Sheppard e polícias e médicos que lidaram com a situação.
Oferecendo uma perspectiva abrangente e multifacetada sobre a homofobia, a intolerância e a reacção à diferença, a peça foi alvo de aclamação e motivou um filme, "The Laramie Project", também dirigido por Kaufman, um dos títulos independentes mais elogiados de 2002 que, contudo, nunca chegou a salas portuguesas.
A peça teatral, no entanto, pode agora ser vista no Teatro Maria Matos, não a versão original mas a encenada por Diogo Infante, que se mantém fiel à estrutura narrativa em mosaico, onde cada um dos nove actores (Adriano Luz, Fernando Luís, Albano Jerónimo, Flávia Gusmão, Isabel Abreu, Nuno Gil, Paula Fonseca, Pedro Laginha e Teresa Madruga) interpreta várias personagens, cujos diálogos - ou monólogos - foram proferidos pelos cidadãos entrevistados.
Embora "Laramie" retrate dezenas de figuras, quem nunca aparece em cena é Matthew Sheppard, uma vez que o jovem é caracterizado pelo discurso de terceiros, e felizmente a peça não o torna num mártir de um panfleto a favor dos direitos dos homossexuais, optando pela ambivalência em vez de um fácil discurso edificante.
É certo que "Laramie" visa apelar à tolerância, mas geralmente consegue fazê-lo evitando retratos previsíveis e estereotipados (veja-se o caso da Igreja), dispensando maniqueísmos.
Por vezes há, ainda assim, momentos de gosto duvidoso, como a cena algo moralista das asas, com a amiga lésbica da vítima, ou a dos manifestantes a cantar, assim como alguns lugares-comuns nos diálogos (quando se tenta falar "à jovem"), o que desequilibra alguns momentos mas não afecta a consistência global do projecto.
A encenação minimalista é adequada, pois o mais importante aqui é a palavra, e apesar da simplicidade há algumas sequências inventivas como a da cobertura dos media, que se suporta em várias projecções de falsas reportagens em simultâneo.
O elenco combina actores de várias gerações, entre veteranos e nomes menos experientes, e se todos desempenham os seus papéis com competência, há alguns cuja versatilidade os torna dignos de destaque, casos de Isabel Abreu, Pedro Laginha e, sobretudo, Albano Jerónimo, tendo este último a seu cargo as personagens mais díspares.
A solidez da direcção de actores, aliada ao ritmo rápido de uma narrativa fragmentada, mas inteligível, torna "Laramie" numa obra conseguida e envolvente, e acima de tudo plena de actualidade e pertinência.
E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM