domingo, março 26, 2006

A CASA DE CAMPO

Filmes de terror portugueses não são propriamente algo que se encontre regularmente nas salas, antes pelo contrário, por isso “Coisa Ruim”, de Tiago Guedes e Frederico Serra – dupla com experiência na realização de anúncios publicitários, telefilmes e curtas-metragens – é um objecto que suscitava alguma curiosidade, uma vez que é uma das raras experiências nacionais com ligações a esse género.

A acção alicerça-se numa família lisboeta que se muda para uma pequena aldeia do interior, passando a habitar um velho casarão herdado pelo pai.
Se a maioria do agregado familiar não fica muito entusiasmada com o mais recente lar, excepto a figura paterna, que impulsionou a mudança, a simpatia com o novo local de residência reduz-se ainda mais quando este começa a ser marcado por estranhos e inquietantes acontecimentos. Aos poucos, os três filhos do casal vão tomando contacto com intrigantes visões ou com a audição de perturbantes ruídos, situação que afectará, também, os seus progenitores.

Embora a premissa da casa assombrada esteja longe de ser uma novidade enquanto elemento central de um filme de terror, “Coisa Ruim” consegue ultrapassar essa limitação ao assentar num argumento (escrito por Rodrigo Guedes de Carvalho) que não se preocupa somente em catalizar sustos e reviravoltas, mas principalmente em apresentar uma interessante perspectiva acerca dos mistérios, boatos, medos, lendas e costumes presentes nos interstícios de algum Portugal rural.

Questionando sobretudo os conflitos entre a razão e a crença ou a superstição, o filme não descura a esfera emocional das suas personagens, não as usando apenas como meros joguetes mas modelando-as enquanto figuras palpáveis e credíveis, perturbadas por dúvidas e receios bem humanos.
Neste aspecto, a direcção de actores é uma óbvia mais-valia, já que o elenco é bastante coeso e empenhado, algo que infelizmente coloca em causa muitas películas nacionais. Manuela Couto, no papel da mãe, oferece uma subtil e envolvente interpretação, e Adriano Luz, que encarna o pai, ou Afonso Pimentel, o filho mais velho, são também exemplo de um profissionalismo merecedor de elogios.

Rigoroso na construção do argumento ou na gestão do elenco, “Coisa Ruim” não o é menos na concepção visual, apostando numa realização fluida e segura, onde os hábeis enquadramentos são fulcrais para que as atmosferas sejam desenhadas de forma tão absorvente. O minucioso trabalho de iluminação ou as texturas da fotografia são outros complementos essenciais, evidenciando um sólido cuidado estético que nunca cai no exibicionismo.

“Coisa Ruim” acaba por não ser tanto uma história de terror mas antes um drama familiar, pontuado por algum suspense e bizarria, em que as personagens se debatem com fantasmas internos e externos. É certo que há por aqui paralelismos com obras de, entre outros, M. Night Shyamalan (nos silêncios carregados de tensão, no ritmo pausado) ou Alejandro Amenábar (notam-se ecos de “Os Outros”), mas o filme encontra um espaço seu ao focar um imaginário tipicamente português, abordado com competência e sentido atmosférico.


Pena o óbvio e apressado desenlace, cujo esoterismo exagerado o aproxima mais dos histéricos e pouco imaginativos exemplos de um certo estilo de terror norte-americano do que do desenvolvimento inteligente e sensato – e com espaço para a ambiguidade - que “Coisa Ruim” adopta durante a maior parte da sua duração.
E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

16 comentários:

Anónimo disse...

Estou curioso para ver este filme. De facto, também não espero nenhuma obra-prima, mas sim um mediano filme :).

Abraço e continuação de um bom trabalho!

kimikkal disse...

Estou cada vez mais curioso em ver este filme, até pela ressalva feita ao final, espero que não seja tão mau como o do "White Noise"...

gonn1000 disse...

SOLO: Não esperes uma obra-prima, porque tem arestas por limar, mas não envergonha ninguém.

Kimikkal: Não, acho que é bem melhor, felizmente! Arrisca que vale a pena.

Nuno disse...

Tenho curiosidade de ver, mas confesso que o que me deixa mais feliz é ver que se estão a expirimentar fazer coisas diferentes em Portugal. Espero que este projecto possa servir um bocado para espicaçar os realizadores, produtores, etc, a arriscar um pouco mais. É que o simples facto de ser diferente atrai logo as pessoas e pode ser que apareçam coisas bastante interessantes.

Nuno disse...

"Experimentar" (é o que dá a pressa)

Joana C. disse...

Concordo contigo, é um bom filme.
Gostei especialmente da naturalidade das falas, achei que o argumento está muito bem escrito.

gonn1000 disse...

Nuno: É diferente, sim, mas melhor do que isso é o facto do resultado ser francamente positivo :)

Joaan C.: Sim, a maior parte dos diálogos não parecem forçados, o que no cinema nacional nem sempre ocorre.

brain-mixer disse...

Gostei do filme, mas não adorei. Concordo contigo quando dizes que "não ser tanto uma história de terror mas antes um drama familiar", e que peca por um final algo espalhafatoso. O que mais gostei foi a solidez das personagens.

Concluindo, de portugueses e para portugueses, o cinema nacional já está no bom caminho!

gonn1000 disse...

Pois, o final quase deita tudo abaixo, mas felizmente o filme tem alguma carga dramática que o salva.

Anónimo disse...

Bom na tentativa, razoável na concretização...

Das personagens acho que apenas o Pimentel se saiu bem com alguma solidez, as outras foram muito pouco exploradas. Os diálogos estava bem construídos, tentava-se ter alguma inteligência na argumentação céptica e isso acho que foi conseguido, de resto não havia muita novidade. De relevar, a superstição portuguesa, a única parte realmente interessante do filme.

gonn1000 disse...

As personagens dos pais e do padre também me pareceram bem exploradas. Sim, o filme poderia ter sido melhor, mas se tivermos em conta a maioria da concorrência nacional este desembaraça-se bem.

Anónimo disse...

Hmmm... terror português? Parece no mínimo interessante.

gonn1000 disse...

Este exemplo é interessante, sim. E o brasileiro?

gonn1000 disse...

Concordo, falta-lhe alguma dose de terror, mas não deixa de ser interessante e uma tentaiva invulgar no cinema nacional.

Anónimo disse...

Hey, you have a great blog here! You really are very talented and deserve an honest compliment, congratulations! I'm definitely going to bookmark you!

I have a idea for home-based businesses site/blog. It successfully covers idea for home-based businesses related stuff.

Come and check it out when you get time, as I would be honored to help a hard-working person like you become successful in this business. Scott.

Mig disse...

Acabei de ver o filme e achei muito interessante... todos nós ficamos um bocadinho septicos em relação a filmes portugueses, mas de facto este filme foi uma surpresa muito agradavel. Muito boa fotografia, muito boa realização como foi dito na critica. As interpretações estão também muito muito bem conseguidas, contudo o facto de nenhum personagem ter sotaque local (isto é, exterior a Lisboa) dá-lhe um pequeno toque teatral. Já era tempo de pormos sotaque nos personagens de filmes portugueses e deixarmos a perfeita articulação das palavras para os eruditos do teatro. Concordo que foi-se perdendo o mistério ao "mostrar demasiado". Gostava de ter visto mais tempo aquele manter do mistério que tão bem é conseguido em filmes como o "sexto sentido". O final também peca por muito rápido, faltavam 10 minutos para o fim do filme e o climax ainda parecia todo por contar... Final esse que valeu por toda a carga e entrega de um excelente actor que é o Afonso Pimentel.
De 1 a 5 dou um 3,5 :)