domingo, fevereiro 12, 2006

A RAIZ DO MEDO

Marcado por filmes desinspirados e preguiçosos, o terror é um dos géneros cinematográficos que já viu melhores dias do que os dos últimos anos. Ainda há algumas boas obras a surgir pontualmente, como “A Cabana do Medo”, de Eli Roth, ou “Terra dos Mortos”, de George Romero, mas por cada uma dessas há quatro ou cinco de qualidade duvidosa, na linha de “The Grudge – A Maldição” ou “Águas Passadas”.

“A Descida” (The Descent), segunda película do britânico Neil Marshall, embora parta de uma premissa que de original não terá muito, consegue injectar vitalidade ao género e tornar-se numa das grandes surpresas recentes, comprovando que ainda há quem tenha boas ideias e igual mestria para as executar.

O filme assenta numa viagem empreendida por um grupo de seis jovens mulheres que, de forma a fugirem às preocupações e dilemas do quotidiano, decidem apostar numa aventura radical explorando uma gruta situada num local agreste e isolado.
Se ao início o ambiente é pacífico e despreocupado, vincado por conversas divertidas e pelo reforço dos laços de amizade que as unem há vários anos, essa situação sofre alterações à medida que o grupo vai avançando na sua aventura, deparando-se com perigos inesperados que suscitam conflitos pessoais, agravados quando as protagonistas descobrem que, afinal, não estão sozinhas na sua expedição.

“A Descida” é uma viagem atípica e memorável, não só para as personagens, que sofrem um verdadeiro teste à sua coragem e capacidade de improviso, mas também para o espectador, que se arrisca a ter suores frios e a sentir o seu ritmo cardíaco a acelerar à medida que vai seguindo as arrepiantes peripécias das seis amigas.

Para que este worst case scenario funcione as capacidades do realizador são determinantes, e Marshall revela estar à altura para a missão, oferecendo sequências de considerável eficácia.
O uso da iluminação é particularmente engenhoso, pois ajuda a distinguir as personagens no meio da escuridão claustrofóbica e permite gerar alguns saborosos momentos de suspense (com generosas doses de gore), mostrando só aquilo que é necessário e jogando com as expectativas do espectador.

Essa subtileza manifesta-se também na banda-sonora e fotografia, capazes de modelar uma sufocante atmosfera plena de intensidade, proporcionando um concentrado de medo e desespero em tudo distinto à pirotecnia histérica de muitos produtos em que o terror plastificado norte-americano tem sido pródigo.
Mesmo quando as protagonistas se deparam com os assustadores habitantes do subsolo, a plausibilidade e realismo d’”A Descida” mantêm-se intactos, e é refrescante ver personagens que não se tornam em heróis de acção para acentuar a espectacularidade ou a vibração do filme (não há por aqui Laras Crofts, como de resto uma mulheres ironiza).

O esforço das actrizes também é notório e reforça a intrigante aura do filme, e apesar de nem todas as protagonistas serem tridimensionais estão acima das figuras descartáveis que caracterizam muitas películas do género.
A relação das duas aventureiras mais proeminentes é especialmente interessante, não limitando “A Descida” a domínios do terror mas valorizando-o com uma vital carga dramática, construindo um conflito que se torna inquietante até ao final.

Não é fácil criar um filme que desperte uma sensação de enclausuramento e pânico tão fortes, mas Neil Marshall é bem sucedido e edifica aqui uma asfixiante experiência sensorial, a que mesmo os mais destemidos dificilmente permanecerão indiferentes. Não é um clássico, mas está bem acima da média.
E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

11 comentários:

Anónimo disse...

Boa análise! Também gostei muito do filme. Foi uma das melhores surpresas de 2005 :).

Abraço

gonn1000 disse...

Sim, convém ficarmos atentos ao Marshall...

Francisco Mendes disse...

E assim fica cimentado o culto de Marshall, iniciado com o suculento "Dog Soldiers". Muito bom filme!

gonn1000 disse...

Não vi "Dog Soldiers", mas se estiver ao nível deste merece bem o culto.

Flávio disse...

(SPOILERS!)

Gostei da Descida, mas acho que é o filme mais misógino que alguma vez vi. O realizador deve odiar mulheres. As protagonistas não só sofrem as passas do algarve, como no final acabam por se revelar como traidoras, mentirosas e sem escrúpulos nenhuns.

Flávio disse...

Eu já discuti isto noutros blogues, mas continuo sem perceber o filme. Por exemplo:

a) A chinesa esteve ou não envolvida no acidente de automóvel? Ou foi apenas um caso de infidelidade com o marido da protagonista?

b) E se a chinesa não esteve envolvida, porque é que a protagonista reagiu daquela maneira no final? E porque é que ela não compareceu no hospital (facto que é referido duas ou três vezes no filme)?

c) Não será que a chinesa está inocente e que foi tudo uma mentira inventada pela gaja que ela matou acidentalmente?

gonn1000 disse...

a) No acidente de automóvel??? Nem me passou pela cabeça, julgo que não :S

b) Tendo em conta que ela descobriu que foi simultaneamente traída pelo marido e pela amiga, juntando a isso o ambiente hostil e as peripécias por que passou, a reacção dela até foi compreensível (sim, achei extremista e não a aprovo, mas creio que se estivessem as duas a conversar à mesa num café ela não reagiria assim, obviamente). Presumo que a chinesa não foi ao hospital porque também estava a sofrer pela morte do amante e provavelmente sentir-se-ia mal ao ter de encarar e confortar a loira.

c) Duvido, porque ao início do filme (SPOLIERS!!!) nota-se uma tensão estranha entre a chinesa e o marido da loira, e a meio do filme a chinesa diz que a loira não foi a única a perder algo naquele acidente.

Anónimo disse...

É sim 1 viagem absolutamente memorável, logo, decididamente 1 dos melhores filmes de terror dos últimos anos e, 1 dos meus preferiods de sempre. Axo k me decido pelo 9/10. Cenas de 1 carga arrepiante bem fortes e 1 cosntrução minuciosa no gerir de 1 tensão cresecente e de certa maneira apaixonante. Quando acabei de vê-lo pensei no Prince of Darkness do Carpenter, outro de terror de impacto fortissimo(ainda 1 pco mais k este), mas esta Descida é sim 1 imperdível obra de 1 categoria respeitavelmente impressionante. E mais não digo a não ser: Bela crítica e cumps!

gonn1000 disse...

Bem, isso é que é devoção...
Não gostei assim tanto, acho que algumas personagens poderiam ter tido um maior desenvolvimento e o desenlace não me conquistou por completo, mas é um filme que mete respeito :)

Anónimo disse...

Olha Gonçalo, quanto ao desenlace, matutei 1 bocado quanto a ele, matutei coisas pessoais e mais sei lá o quê, e doume a retirar 1 certa noção metafísica que bebe 1 bocado da afirmação do Bertold Brecht k acho ter 1 fundo de verdade(ou até 1 bocado mais k isso): "As histórias que se percebem é porque são mal contadas". Acho que só te consigo dizer que o momento de visualização do final carregou boa emoção tal como os outros e até acho que ficou... bem. Simplesmente, conseguiu "acertar" no filme, embora de forma mt unconventional. Eu sei lá que diga, é 1 grande filme! Já o final do Prince of Darkness tem características semelhantes mas 1 enquadramento absoluta e insofismavelmente superior. Hasta!

gonn1000 disse...

Não achei que o final fosse mau, apenas que poderia ter sido melhor, mas vejo que contigo isso não aconteceu e ainda bem.