Essa primeira impressão confirma-se ao escutar os restantes temas do terceiro disco de originais do quarteto de Liverpool, que se nos registos anteriores provou ser uma das forças mais inventivas do electropop actual continua agora a surpreender ao apresentar ligações mais vincadas ao rock, não implicando isso um abandono da sonoridade que os distinguiu, mas uma melhoria desta.
“604”, de 2001, foi um dos bons álbuns de estreia do início do novo milénio, caracterizado por uma apelativa e complexa pop digital, a que “Light & Magic” deu continuidade um ano depois, sobrepondo as sombras à luz mas conservando as melodias viciantes.
“Witching Hour” é um ilustríssimo sucessor desses dois promissores testemunhos, destacando-se como o disco mais consistente dos Ladytron. A banda já havia provado ser exímia na construção de rebuçados pop perfeitos e agridoces, que apesar de acessíveis e directos não se esgotavam ao fim de algumas audições. Do emblemático “Playgirl” a “He Took Her To a Movie”, passando por “The Reason Why” ou “Flicking Your Switch”, boas propostas não faltavam. Faltavam, sim, álbuns que mantivessem sempre a intensidade desses grandes momentos, algo que nem “604” (prejudicado por diversos interlúdios) nem “Light & Magic” (demasiado longo e com composição irregular) conseguiram proporcionar. “Witching Hour” lima essas arestas e revela-se um portentoso exemplo de uma banda em ebulição criativa ao manifestar solidez do início ao fim, oferecendo um apetitoso cardápio de canções.
Mais atmosférico e menos clínico do que os seus antecessores, é um disco já não tão próximo de referências da pop electrónica, como os Human League ou Kraftwerk, mas antes de nomes associados ao indie rock e shoegaze, estabelecendo elos fortes com os Lush ou os Curve.
A melancolia continua a ser o sentimento dominante, mas agora a postura das vocalistas Helen Marnie e Mira Aroyo é menos apática e distante, gerando episódios de maior dramatismo e introspecção. Lamenta-se que Aroyo esteja menos presente do que o habitual, cedendo o protagonismo a Marnie, mas a cantora búlgara consegue, ainda assim, triunfar e inquietar no soberbo “Fighting in Built Up Areas”, uma assombrosa canção elíptica onde a banda integra influências industriais, aliando-as a um irresistível apelo dançável com um efeito devastador.
“Sugar” é um momento não menos intenso, dominado por sonoridades mais agressivas do que as dos singles anteriores dos Ladytron, com um muito conseguido cruzamento entre as repetitivas frases cantadas por Helen Marnie e o turbilhão visceral das guitarras, que a espaços quase sugere o efeito da imponente wall of sound de uns My Bloody Valentine.
“Beauty*2”, diametralmente oposta, mais pausada e contemplativa, expõe uma tensão emocional raras vezes emanada pelo grupo, edificando um dos momentos mais amargurados do disco. A amargura, assim como a solidão e o isolamento, também se encontram presentes em “AMTV”, embora este seja um tema mais interligado a domínios electroclash (com que muitos quiseram rotular a banda, mas que se evidencia como uma catalogação redutora).
Pontuado por diversas canções de elevado calibre, “Witching Hour” contém, no entanto, duas praticamente insuperáveis: “Destroy Everything You Touch”, um magnífico exercício electropop e sério candidato a melhor single de sempre do grupo; e “International Dateline”, um invernoso, claustrofóbico e angustiante lamento em forma de música, ambos com uma genial configuração e manipulação de texturas que pedem múltiplas audições.
Absorvente, onírico e constituído por vibrantes brumas e melodias, “Witching Hour” é não só o melhor disco dos Ladytron mas também um dos mais estimulantes de 2005, um concentrado da melhor pop que consolida o jovem quarteto como um dos nomes vitais do cenário musical actual. Indispensável.
E O VEREDICTO É: 4/5 - MUITO BOM
18 comentários:
Chegou tarde, mas boas opiniões sobre bons discos é sempre bom! Como gostas muito deste álbum, aconselho ouvir "Cut Copy - Bright Like Neon Love" é 2004, mas passou um pouco ao lado de muitas pessoas. Acerca do teu último comentário do "Kiss Kiss, Bang Bang", acho que vais abrir outra garrafa de Champagne!
Um dos grandes discos de 2005! :D
é um excelente albúm que figurou nos meus tops de 2005...
Ricardo: Já ouvi algumas duas ou três canções dos Cut Copy e gostei, falta confirmar se o dico também vale a pena. E pronto, que venha mais cgampagne!
Nuno: Só te fica bem :)
Joana C.: Sem dúvida!
Membio: Acho que foi mesmo o meu preferido do ano passado.
Sem dúvida uma maturidade Ladytroniana!!! Um álbum delicioso! Recodações muito agradáveis da apresentação no 1º dia do Festival Sudoeste 2005.
Também considero este o melhor disco dos Ladytron. As guitarras fizeram-lhes bem.
Asas de Anjo: Delicioso, mesmo. Recordações de concertos da banda é que não tenho :(
Spaceboy: Foram uma inovação refrescante, espero que o próximo disco mantenha a qualidade.
não sentes que essa escala peca por não ter maior "resolução"?
Já me ocorreu, mas mesmo assim prefiro usar este sistema do que o de 0 a 10, até porque estou mais habituado.
Concordo com a análise, ou não tivesse sido este "Witching hour" um dos meus discos de 2005.
P.S. - apenas um reparo:
quando escreves "...caracterizado por uma apelativa e complexa pop digital...", devias escrever "...complexa pop analógica". Tem mais a ver com o som do grupo e com os instrumentos electrónicos que a banda usa, maioritariamente analógicos.
Abraços
Pois, já calculava que concordasses, e obrigado pelo reparo.
Para os interessados, os Ladytron vão fazer uma sessão "dj set" a 31 de Março num bar ou discoteca em Palmela....
É verdade, obrigado pela adenda :)
Pena ser dj-set e não concerto, mas é melhor do que nada...
Coincidência é que primeira coisa que me lembrei quando ouvi o disco foi dos Lush!!
um dos melhores de 2005
Sim, alguns momentos fazem mesmo lembrar os Lush, o que não me parece nada mau :)
Já há algum tempo que está na minha lista "a ouvir". É só esperar que seja tão bom como apregoam...
Bem, depois de saber a tua opinião sobre o "Version 2.0", já nem sei o que esperar desta vez :P
Também é uma das minhas preferidas, não só deste álbum mas de toda a discografia da banda. Fica bem ()
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