Num ano em que provavelmente vi mais filmes no cinema do que em qualquer outro – se os meus cálculos não me enganam, terão sido 132 (não incluindo aqueles apenas disponíveis em festivais) -, o resultado foram muitas surpresas e desilusões, mas os 10 títulos indicados abaixo destacam-se como os que mais me convenceram e aqueles cujo (re)visionamento considero indispensável, particularmente os primeiros cinco, que poderiam partilhar a primeira posição ex-aequo:
1- «Mar Adentro» - amar-te-ei até te matar
Alejandro Amenábar já tinha revelado ser um realizador com algum interesse, mas nunca tinha atingido o brilhantismo de uma obra ímpar como “Mar Adentro”. Mais do que um mero panfleto sobre a eutanásia, é um filme que mergulha no âmago das relações humanas para criar uma visceral experiência cinematográfica, cujo maior prodígio é a exemplar interpretação de Javier Bardem, que compõe aqui uma das melhores e mais complexas personagens dos últimos anos.
2- «Maria Cheia de Graça» - nossa senhora dos traficantes
Formalmente simples e discreto, “Maria Cheia de Graça” condensa no entanto uma carga dramática a que dificilmente se fica indiferente. A “culpa” é do realizador Joshua Marston e da actriz principal Catalina Sandino Moreno, ambos estreantes mas conseguindo condimentar o filme com grandes doses de inteligência, subtileza e vibração emocional.
3- «Colisão» - o stress e a cidade
Ambicioso e bem sucedido filme-mosaico sobre a intolerância, xenofobia e mau-estar existencial do quotidiano urbano, a primeira longa-metragem de Paul Haggis catapultou-o automaticamente – e depois de um pouco auspicioso percurso televisivo - para a lista de realizadores mais promissores do momento. Desde a direcção de actores à realização ou à construção de atmosferas, quase tudo resulta nesta estreia memorável.
4- «Elizabethtown» - quase falhados
Apesar da filmografia irregular, Cameron Crowe cedo mostrou ser um dos novos cineastas norte-americanos com um universo peculiar e reconhecível. “Elizabethtown”, provavelmente o seu filme mais pessoal (a par de “Quase Famosos”) e intimista, é uma belíssima desconstrução do modelo boy meets girl, assim como uma emotiva viagem pela parte menos óbvia dos EUA e pelas tensões das relações humanas.
5- «Cruel» - clube de combate
Num ano rico em bons filmes centrados na adolescência, esta obra do sueco Mikael Håfström foi uma das mais pungentes e portentosas. Ambientada nos meandros de colégios internos, é uma película dura e amargurada, mas também tocante, orientada pelo olhar do jovem actor Andreas Wilson que, não raras vezes, parece concentrar toda a tristeza e revolta do mundo à medida que sofre as consequências de questionar o sistema em que se insere.
6- «Os Edukadores» - pequenos crimes entre amigos
Um dos títulos fortes do novo cinema alemão, esta perspectiva de Hans Weingartner sobre uma juventude em crise conquista pela espontaneidade de um dos mais refrescantes trios de actores do ano e oferece uma equilibrada combinação de drama, road movie e thriller que alicerçam as bases para uma reflexão acerca dos rumos das sociedades ocidentais contemporâneas.
7- «Salto Mortal» - sensibilidade e bom senso
Revelando uma realizadora e uma actriz com enorme potencial – Cate Shortland e Abbie Cornish, respectivamente -, “Salto Mortal” é um poético e sensível olhar sobre a solidão de uma jovem em processo de auto-(re)descoberta, abrilhantado por uma palpável e inebriante energia visual e por uma não menos bela banda-sonora, tornando-se numa das mais aconchegantes experiências cinematográficas (ou mesmo sensoriais) de 2005.
8- «Uma Pequena Vingança» - brincadeiras perigosas
A primeira longa-metragem de Jacob Aaron Estes é uma daquelas surpresas que o cinema independente norte-americano gera ocasionalmente. Realista e sério retrato do crescimento e das ambivalências da adolescência, é uma em que – e à semelhança do que ocorreu com “L.I.E. – Sem Saída” ou “Ghost World – Mundo Fantasma” em anos anteriores – a inspiração que contém não merecia ter passado ao lado de grande parte do público.
9- «Guerra dos Mundos» - querida, escondi os miúdos
Se com “Tubarão” Steven Spielberg criou, para o bem e para o mal, o primeiro blockbuster, volta a confirmar que não perdeu a eficácia ao proporcionar o mais impressionante filme dessa linhagem surgido em 2005. Negro, sufocante e apocalíptico, mescla drama, terror e até humor num dos seus melhores trabalhos dos últimos anos.
10- «O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa: As Crónicas de Nárnia» - uma aventura em Narnia
Como fazer com que a presença das novas tecnologias não impeça que a adaptação de um conto de fadas emblemático mantenha encanto e magia, fugindo ao artificialismo da maioria dos blockbusters de encomenda? Andrew Adamson, que já tinha estado na origem de “Shrek”, oferece aqui uma muito conseguida estreia na realização em nome próprio, em duas horas comoventes e imaginativas.
Mais 10 a recordar:
«King Kong», de Peter Jackson
«Sin City — A Cidade do Pecado», de Roger Rodriguez, Quentin Tarantino e Frank Miller
«A Descida», de Neil Marshall
«Batman — O Ínicio», de Chris Nolan
«Garden State», de Zach Braff
«Uma Canção de Amor», de Shainee Gabel
«Ela Odeia-me», de Spike Lee
«O Fiel Jardineiro», de Fernando Meirelles
«As Bonecas Russas», de Cédric Klapisch
«Tarnation», de Jonathan Caouette
Já agora, quais os vossos preferidos de 2005? E sim, gostei de «Million Dollar Baby - Sonhos Vencidos» mas não acho que seja dos melhores do ano :)