Chegando a salas nacionais depois de ter sido quase unanimemente arrasado pela crítica norte-americana, “Elizabethtown”, o mais recente filme de Cameron Crowe, é, como o são a maioria das obras do realizador, mais um relato do quotidiano de pessoas aparentemente simples e palpáveis, que recorre a um ponto de partida que de refrescante não terá muito, propondo mais uma variação sobre o modelo boy meets girl.
Contudo, apesar de recorrente no cinema (e não só), esse é também o modelo que está na base de todas as grandes histórias já contadas e que aqui é trabalhado com especial engenho e sensibilidade, para o qual contribui, sobretudo, um cuidado tratamento do argumento, que embora parta de premissas pouco originais apresenta um desenvolvimento inesperado e cativante.
“Elizabethtown” é, em poucas linhas, um olhar sobre a experiência do falhanço de Drew, um jovem designer de uma grande empresa de calçado desportivo cujo projecto se revela um abismal insucesso, colocando em causa não só a sua carreira mas também a reputação dos seus colegas e patrões.
Face a esta abrupta desilusão, o suicídio surge como uma tentadora hipótese a considerar, mas não chega a ser consumado pois entretanto Drew depara-se com a notícia da morte do pai, sendo solicitado pela mãe e irmã para tratar do funeral na cidade-natal deste, Elizabethtown, para onde se desloca. As surpresas, no entanto, não acabam aqui, pois durante a viagem de avião Drew trava conhecimento com Claire, uma luminosa e desconcertante hospedeira que será uma figura determinante no seu percurso a partir daí.
Nas mãos de um qualquer tarefeiro de Hollywood, esta poderia ser a base para um filme igual a tantos outros e facilmente esquecível, mas Cameron Crowe, mesmo com uma filmografia irregular, já provou que é mais do que isso, e “Elizabethtown” é provavelmente o melhor exemplo para o confirmar.
Sim, o desenlace poderá ser previsível e o filme não é propriamente um prodígio de inventividade, mas tem uma assinalável capacidade para reciclar perspectivas sobre temas já por demais focados – o surgimento do amor, a morte, o conflito interior, o regresso às origens, a relação com a figura paterna, o crescimento, a singularidade da América profunda ou (a falta de) comunicação -, impondo-se como uma obra subtil e inteligente, mas também acessível e emotiva.
Baralhando os limites entre a comédia e o drama, alternando sequências de grande carga dramática com momentos espirituosos e reluzentes, recorrendo a personagens offbeat que não deixam de ser verosímeis (e sempre tratadas com um óbvio carinho e respeito) e a situações à partida desconcertantes mas que se revelam depois essenciais, “Elizabethtown” conta ainda com uma marca idealista que já é habitual nos trabalhos de Crowe, e que se apresenta bem mais equilibrada do que em alguns dos seus projectos anteriores (se o desequilibrado e algo meloso “Jerry Maguire” era um teste à paciência dos mais cínicos, aqui os riscos de enjoo são mais reduzidos).
Igualmente decisiva em todas as películas do cineasta é a banda-sonora, e “Elizabethtown” não é excepção, proporcionando um recomendável cardápio de canções clássicas e recentes, onde U2, Ryan Adams, Wheat ou Tom Petty convivem sem dificuldades e são perfeitas para as atmosferas do Kentucky, atingindo o pico de intensidade no inebriante epílogo.
Não se limitando a funcionar enquanto mero papel de parede com som, é evidente que, para Crowe, a música pode dar um contributo essencial para a expressão e definição de estados emocionais, ideia que, de resto, o par protagonista também partilha (atente-se ao presente que Claire oferece a Drew), tornando o intimismo do filme ainda mais conseguido.
Inevitável é, também, a referência ao contributo dos actores, em especial ao de Susan Sarandon, responsável por um dos momentos mais intensos (e obtusos) do filme, e aos do duo principal. Kristen Dunst já se distinguiu há muito de tantas outras meninas bonitas de Hollywood, voltando a oferecer um desempenho sem falhas e uma personagem atípica mas com a qual é difícil não sentir empatia, já Orlando Bloom é uma agradável surpresa, conseguindo uma composição segura e empenhada, apostando num underacting que o favorece e afastando-se dos limitados desempenhos que vincaram o seu percurso até aqui.
Hábil director de actores, Crowe congrega aqui dois protagonistas que possuem uma química visível e uma dedicação entusiasmante, o que faz com que a história de amor funcione e se eleve a uma das mais belas que se desenrolaram no grande ecrã em 2005. Em suma, quem procurar um filme delicioso não pode passar ao lado deste “Elizabethtown”.
17 comentários:
Não vi o filme, mas a sinopse é quase uma cópia do "Garden State" e por isso tenho receio de que o filme também o seja. Garden State só há um :)!
Abraço
Há semelhanças com "Garden State", sim, mas Zach Braff ainda tem de fazer mais alguns filmes antes de atingir o nível desta obra do Crowe :)
Tenho sérias dúvidas de que este filme supere o Garden State but anyway...quando vir o filme comento melhor :).
Abraço
Não negues à partida um filme que não conheces. E o "Garden State" não é assim tãaaaaao bom :P
Adorei este filme,Como diz o Jorge Mourinha(público)"O primeiro dia do resto das nossas vidas".
Muito bom.
Tendo em conta as críticas e o resumo da história, não me despertou muito interesse em ver...Talvez quando sair em DVD.
Lost in Space: É verdade, daí que ache incompreensível ter sido dizimado pela crítica norte-americana, mas também eles é que perdem.
playlist: Muito boa, essa crítica, e a frase sintetiza bem o filme.
Kimikkal: O resumo engana, o filem não é tão linear como pode parecer, e merece ser visto numa sala de cinema.
é um grande filme mas por acaso gostei mais do Garden State ;)
Gostei de "Garden State", mas "Elisabethtown" parece-me um filme mais maduro, consistente e emocionalmente arrebatador.
ooops, afinal enganei-me no meu pre-julgamento, deixei-o passar sem lhe ligar pois tomei-o como mais uma cheesy love stories...
agora fico curioso, e nao o deixo escapar quando o apanhar numa proxima oportunidade.
obrigado pela review!
(ja agora como se diz "review" em portugues, sem utilizar a palavra critica ou revista?)
Ah pois, às vezes as aparências iludem, e neste caso perdeste um belo filme (mas ainda vais a tempo).
Hmmm, análise/comentário/resenha, mas o habitual é mesmo chamar-lhe "crítica".
obrigado.
a palavra "analise" soa-me melhor, pois nao sei la' porque, associo "critica" a algo negativo.... por outro lado "analise" parece-me um pouco cientifico de mais para a situacao... pena nao haver algo como "review"... soa-me mais imparcial e objectivo...
anyway, divagava apenas, quem sou para estar a por em questao a lingua Portuguesa.
:)
Eu também o colocaria no top 10,apesar de não ter ficado tão empolgada como tu em relação a este filme. Vale pela originalidade!E em relação ao resto dos filmes todos, até é muito bom!!
Eu gostei muito, e num revisionamento talvez goste ainda mais. Está bem acima da média.
A road trip é o ponto alto do filme.Só apetece pegar no carro e fazer o mesmo. Podia ser mesmo por Portugal...
E porque não???
Pela desculpa mais comum de todas, por falta de tempo.
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