sábado, dezembro 03, 2005

O IMPÉRIO DOS SILÊNCIOS

Um dos nomes do cinema coreano actual com alguma visibilidade fora de fronteiras asiáticas, Kim Ki-duk tem consolidado uma filmografia marcada por obras pouco consensuais mas peculiares, como os recentes “O Bordel do Lago” ou “Primavera, Verão, Outono, Inverno… e Primavera”.

“Ferro 3” (Bin-jip/ 3-Iron), o seu novo filme, é mais um título que dificilmente deixará alguém indiferente, habilitando-se a despertar paixões incondicionais a par de rejeições quase absolutas, tendo em conta a sua atípica estrutura e conteúdo.

Um olhar sobre a solidão, a inadaptação e o amor, a película apresenta o quotidiano de um rapaz que invade casas quando os donos estão ausentes mas que nunca rouba ou danifica nada, limitando-se a habitá-las durante algum tempo e a realizar tarefas prosaicas.
Numa das suas habituais visitas, o protagonista, meticuloso e discreto, é surpreendido quando se apercebe de que esteve a ser observado, durante algumas horas, pela moradora de uma das casas onde se infiltrou, mas esta praticamente não reage à sua presença, trocando apenas olhares que denunciam uma contida mas profunda melancolia.

Conhecendo-se de forma pouco convencional, estes dois jovens iniciam, através desta estranha peripécia, uma forte cumplicidade assente no silêncio e serenidade que caracteriza as posturas de ambos, contudo essa relação tornar-se-á cada vez mais ameaçada à medida que elementos exteriores se intrometem, caso do marido da jovem (que a agride fisicamente com frequência), de habitantes de outras casas ou da polícia.

Nos primeiros minutos do “Ferro 3”, Kim Ki-duk consegue gerar uma aura invulgar e envolvente, proporcionando cenas intrigantes onde a indefinição do filme funciona a seu favor. O problema é que os ambientes de enorme silêncio e contemplação se tornam demasiado recorrentes e cansativos, tornando o filme num objecto excessivamente abstracto e não raras vezes maçador.

Há pontuais momentos inspirados, como a cena do abraço a três, mas encontram-se perdidos numa narrativa debilmente conduzida, vincada por um ritmo letárgico e um esoterismo desnecessário, que na tentativa de tornar a película ambígua faz com que esta descoordene ainda mais o espectador.

“Primavera, Verão, Outono, Inverno… e Primavera” também apresentava estas limitações, e infelizmente Kim Ki-duk mostra-se incapaz de as resolver agora, enveredando pelo mesmo tipo de ambientes etéreos e poéticos onde a fronteira entre o real e o onírico é difusa e nem mesmo a fugaz aproximação a territórios do thriller ou do fantástico é capaz de inserir alguma carga de surpresa.

Sobram ocasionais estilhaços onde a vibração dos olhares dos protagonistas supera tudo o resto (em especial o do promissor jovem actor Jae Hee) ou onde a energia visual e sonora gera sequências que parecem antecipar um rumo mais sólido para o filme. Rumo esse que, infelizmente, nunca a chega a delinear-se, não deixando “Ferro 3” ser mais do que um filme singular, mas falhado.
E O VEREDICTO É: 1,5/5 - DISPENSÁVEL

20 comentários:

Joana C. disse...

neste caso, discordo totalmente contigo. eu adorei o filme! apesar das poucas palavras, achei uma história de amor lindíssima e bastante original.

gonn1000 disse...

Pois, compreendo que tenhas gostado, é um filme que divide opiniões e a minha não é a mais favorável...

Sérgio Lopes disse...

Dispensável? pleeeeeeeease... You don´t know what you're talking about...

ler a minha crítica em

www.cineasia.blogspot.com

gonn1000 disse...

Sim, já li a tua crítica e neste caso não concordamos mesmo nada. Paciência :)

Daniel Pereira disse...

1- Sempre que um filme tem um ritmo mais lento tu crucificas o mesmo por isso. Faz-te confusão haver poucos diálogos. Será que o cinema mudo não presta?

2- Porque é que a narrativa é mal conduzida, simplesmente por não ter o ritmo que queres?

3-Onde é o filme ambíguo?

4-Porque é que o filme tem q delinear uma frnteira visível entre o real e onírico?

5- Thriller? Onde? Fantástico (acho que sei o que queres dizer, mas não é esse o termo)?

Sim, adorei o filme. Mas não se trata de uma questão de gostos. Neste caso, acho, simplesmente, que não argumentas bem a tua posição.

Cumprimentos (asiaticamente) cinéfilos!

gonn1000 disse...

1-Não o crucifico só por ser lento, mas por abrandar o ritmo da narrativa como se isso lhe desse automaticamente maior profundidade e conteúdo. A escassez de diálogos piora as coisas, tornando-o ainda mais distante e frio.

2-Essa falta de ritmo, aliada à redundância das situações, falta de empatia pelas personagens e quase ausência de diálogos fez com que o filme pouco me dissesse.

3-É-o sobretudo na segunda metade, quando a presença do protagonista é mais um espectro do que uma figura palpável e o argumento pode ter mais de uma leitura (que, de resto, o realizador disse em entrevistas que era uma das suas intenções).

4-Não afirmei que tinha de ter, apenas acho que aqui isso não foi feito de forma muito interessante.

5-Há aproximações a territórios do
thriller nos momentos de algum suspense quando os protagonistas são descobertos pelos moradores ou nas cenas que envolvem a polícia. E o último terço do filme aproxima-se do fantástico através das particularidades do protagonista (acho que o fantástico não implica necessariamente uma fanfarra de efeitos especiais, magia e afins).

Pronto, achaste que não argumentei bem, estás no teu direito, espero que estejas mais esclarecido agora, então.
Bons filmes (de preferência melhores do que este :P).

Daniel Pereira disse...

Esclareceste alguns pontos embora não tenhas respondido ao 2 e discorde profundamente contigo no 1 (considerar este filme frio...faz-me arrepios) e no "thriller" (estás-me então a dizer que o filme é dois ou três minutos "thriller"...estranho). Fico por aqui, em princípio.

Sérgio Lopes disse...

Gonçalo, deixa o KIm Ki-Duk em paz... LOL. cumprimentos,

Sérgio Lopes

gonn1000 disse...

Daniel: Sim, achei a narrativa mal conduzida porque não é minimamente absorvente, tornando o filme mortiço. E eu não disse que o filme era um thriller, mas que sugere algumas aproximações ao género em 2 ou 3 momentos.

Sérgio: Só emiti uma opinião, que não tem de ser igual à tua :)

mr pavement disse...

interessante perspectiva e interessantes discussões e opiniões suscitam, naturalmente, maior interesse para ver ferro três.

cumprimentos.

gonn1000 disse...

Ainda bem que achaste motivador. Então depois diz-nos o que achaste do filme :)

Gil Cunha disse...

Olá... Já não deixava um comentário por aqui à algum tempo, se bem que venho dar umas espreitadelas sempre que posso. Isso porque a tua paixão pelo cinema é cativante... Posso nem sempre concordar com as críticas mas acho sempre saudável partilhar pontos de vista, e no geral aprecio muito a qualidade do trabalho que tens vindo a desenvolver... Continua :)

gonn1000 disse...

Obrigado :)
Pois, eu reparei que o teu blog esteve estagnado durante uns tempos, mas ultimamente já tem dado mais sinais de vida, e ainda bem. Continua também ;)

Anónimo disse...

Se She Hate Me não chegou cá, Elizabethown ainda não(é incrível, não percebo, será que não chega?), este filminho que bem queria ver então... Talvez quando der na 2... Bela análise(cliché).

gonn1000 disse...

Ouch, decididamente os cinéfilos não parecem ter muita sorte na Madeira...
Mas sim, talvez este passe na 2: daqui a uns meses (embora eu tenha gostado muito mais de "Elisabethtown" ou "She Hate Me").

gonn1000 disse...

Enfim, é uma opinião, e naturalmente não espero que toda a gente concorde (neste caso parece que ninguém concorda lol... acontece).

Anónimo disse...

Não sei o que dizer porque ainda não vi o filme, mas já percebi que a tua análise está a provocar polémica =P lol. Realmente no IMDB tem 8.2/10 :o!

Abraço

gonn1000 disse...

Pois, parece que sim, mas eu é que tenho razão :P (kidding)

gonn1000 disse...

Obrigado, mas pelos vistos parece que discordo não só da maioria, mas de toda a gente lol, pelo menos a julgar pelos comentários que se encontram aqui.

extravaganza disse...

finalmente, alguém que concorda comigo :))