segunda-feira, janeiro 31, 2005

AS PRINCESAS DA (INDIE) POP

Quem disse que não há girls band criativas e profícuas? Após apostar na coolness do funk e do hip-hop em "Natural Ingredients", no início da década de 90, e de continuar com o indie pop atmosférico e sedutor de "Fever In Fever Out", o trio nova-iorquino Luscious Jackson voltou a surpreender em 1999 com "Electric Honey".

O facto de terem sido "apadrinhadas" pelos Beastie Boys e participado na banda-sonora de "O Bom Rebelde" (Good Will Hunting), de Gus Van Sant, ao lado de nomes como Elliot Smith ou Dandy Warhols, tornou-as ligeiramente mediáticas, mas não o suficiente para que muitos tenham reparado na dissolução do projecto.

"Electric Honey" é, no entanto, um digno álbum de despedida, evidenciado o eclectismo que a banda demonstrou desde o início. Praticando um rock alternativo não muito distante das Breeders ou Veruca Salt, as Luscious Jackson destacaram-se destas pelo apelo pop das suas composições, com sonoridades que, apesar de acessíveis, continham também consideráveis doses de inventividade e experimentalismo. "Electric Honey" atesta bem esta vertente do grupo, proporcionando um melting pot festivo e contagiante que evita a formatação de uma pop menos exigente.

"Nervous Breakthrough" e "Ladyfingers", os temas de abertura, são dois exemplos de energia e vibração irresistível, que certamente seriam singles de rotação privilegiada nas rádios se estas ainda se preocupassem em divulgar nova música (há, no entanto, raras excepções que sempre promoveram a banda). O intrigante breakbeat de "Christine" origina atmosferas mais soturnas, que se mantêm na pop extraterrestre de "Alien Lover". Mais calorosos, os ambientes de "Summer Daze" destilam a sensualidade e subtileza que grupos como os Texas gostariam de ter, e caso alguém ainda duvide que este é um respeitável party album, as Luscious Jackson convidam Debbie Harry, dos Blondie, para "Fantastic Fabulous".

A combinação das vozes de Jill Cunniff e Gabby Glaser permite uma eficaz alternância entre tons mais doces e traços de maior aspereza, e a oferta sonora consegue ser versátil e abrangente - funk, pop, r&b, electrónica, rock alternativo- sem perder a coesão. Há alguns momentos com quantidades de açúcar um pouco acima do recomendável ("Friends" e "Beloved"), e por vezes é melhor não pensar muito acerca da relevância das letras, mas estes são pontuais episódios que não retiram o hipnotismo de temas como "Gypsy" ou a carga encantatória e absorvente de "Fly" (uma das melhores canções do disco, cuja apaziguada sonoridade western/mariachi não destoaria na banda-sonora de um filme de Quentin Tarantino ou num álbum dos Calexico).

Melódico, lúdico, dançável e com uma boa-disposição contagiante (mas não estupidificante), "Electric Honey" não chega a ser um álbum essencial ou particularmente inovador - não há aqui nada de revolucionário, apenas (indie) pop bem confeccionada - mas é um dos discos mais saborosos para afastar a depressão e o mau-humor. Faz jus ao título, portanto.

E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

domingo, janeiro 30, 2005

A ARTE E A VIDA

Antes de protagonizar o muito elogiado "Mar Adentro" (The Sea Inside), de Alejandro Amenábar, Javier Bardem assinalou uma das suas interpretações mais emblemáticas em "Antes que Anoiteça" (Before Night Falls), biopic do escritor cubano Reinaldo Arenas segundo a visão de Julian Schnabel (realizador-pintor que assinou também "Basquiat", outra biografia sobre um artista controverso).

Contrariamente a múltiplos retratos edificantes que glorificam, de forma excessiva, a vida do biografado, Schnabel evita esses aparatos melodramáticos e aposta em tons mais realistas, não caracterizando Reinaldo Arenas como um mártir ou uma figura larger-than-life. Paralelamente, o cineasta contorna a previsibilidade e esquematismo de diversas biografias que não fazem mais do que ordenar cronologicamente acontecimentos-chave da vida do biografado, apostando antes numa narrativa não linear que permite uma maior aproximação ao âmago do protagonista.

"Antes que Anoiteça" proporciona um interessante olhar sobre o percurso de Arenas, figura perseguida e ameaçada pelo regime de Fidel Castro entre as décadas 50-70, situação que o forçou a emigrar para os Estados Unidos, onde acabou por morrer vítima de Sida.

Julian Schnabel consegue apresentar eficazmente os tormentos que assolavam o protagonista, cuja vida foi marcada por torturas e punições recorrentes enquanto se encontrava dentro das fronteiras do sistema cubano.
Os motivos desta perseguição eram, por um lado, a escrita subversiva e revolucionária de Arenas, denunciadora das debilidades do regime de Fidel Castro, e também a sua orientação sexual (o escritor era homossexual, factor que o tornava num elemento ainda mais entrópico e desestabilizador).

Schnabel oferece um absorvente estudo de personagem, mergulhando nas convulsões e inquietações do protagonista e na sua vida inconstante e de rumo imprevisível.
Javier Bardem encarna Arenas de forma brilhante e invulgarmente credível, numa interpretação que esmaga todas as outras (mesmo num elenco que inclui fugazes participações de Johnny Depp e Sean Penn).
Bardem gera momentos de fascinante tensão dramática, congregando as doses de pathos e a vertente marginal que a personagem requer.
De resto, o cuidado com a apresentação física da personagem é notável, expondo as múltiplas experiências conturbadas que a marcaram.
As distinções da National Society of Film Critics, dos Independent Spirit Awards e da National Board of Review, que classificaram a prestação do actor como a melhor de 2000, foram mais do que justas e merecidas.

O one-man show de Bardem faz, contudo, com que as restantes presenças do elenco assumam pouca relevância e não suscitem grande curiosidade, tornando o protagonista na única personagem tridimensional e bem trabalhada.
Tendo em conta que se trata de uma biografia, este aspecto é compreensível, até porque o actor é sempre entusiasmante, mas ainda assim lamenta-se que não se encontrem aqui mais figuras memoráveis.

A narrativa do filme sofre também de alguma debilidade, nem sempre exibindo solidez e coesão, o que faz com que "Antes que Anoiteça" proporcione duas horas de vibração e intensidade irregulares.
Schnabel compensa o desequilíbrio narrativo com um sóbrio trabalho de realização, que por vezes origina inspirados planos e imagens de assinalável beleza. O rigor estético é complementado pela apelativa fotografia e, sobretudo, pela muito apropriada banda-sonora original de Carter Burwell (e ocasionais contribuições de Lou Reed e Laurie Anderson).


Cru e realista sem deixar de ser emotivo, "Antes que Anoiteça" supera algumas das suas fragilidades devido ao óbvio empenho do realizador e do actor, que oferecem uma experiência cinematográfica honesta, sentida e credível.
Um bom drama e uma interessante perspectiva sobre a arte e a vida.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

BLINKS E LINKS :)

Obrigado aos responsáveis pelo blog Laundry Blues por me blinkarem. Continuem a divulgar boa música ;)

sábado, janeiro 29, 2005

OS MELHORES DE 2004 NO CINEMA

O Cinema Ávila, em Lisboa, apresenta um ciclo dedicado aos melhores títulos de 2004 segundo a crítica. Esta programação especial começou a 27 de Janeiro e decorre até 30 de Março.

A obra inaugural do ciclo foi "Spartan - O Rapto", o mais recente thriller de David Mamet, mas em destaque estão também, entre outros, "Na América", um dos mais aclamados títulos de Jim Sheridan (hoje e amanhã); o excelente olhar sobre o fim da adolescência de "Os Sonhadores" (The Dreamers), de Bernardo Bertolucci (4/5 de Fevereiro); a absorvente reflexão acerca da morte de "21 Gramas" (21 Grams), de Alejandro González Iñárritu (20/21 de Fevereiro); a original (anti)comédia romântica "O Despertar da Mente" (Eternal Sunshine of the Spotless Mind), de Michel Gondry (4/5 de Março) e "O Regresso" (The Return), o elogiado drama familiar de Andrei Zvyagintsev, que encerra a programação a 30 de Março.

Recomendo particularmente "O Despertar da Mente" e "Os Sonhadores", dois dos meus filmes preferidos de 2004.

Morada: Avenida Duque de Ávila, 92A 1000-020 Lisboa / Telefone: 21 3521462 / Horários das sessões: 14h:30m, 17h:00m, 19h:30m e 22h:00m / Preço por sessão: 2,5 Euros

HAPPY BIRTHDAY...

...miss magp. Sim, já o digo com algum atraso, mas a intenção é que conta, certo? ;) Espero que contes muitos mais 23, e já agora eu também...

HINOS URBANOS

A fusão de referências herdadas do hip-hop, folk, rock e música de dança esteve na origem de muitos - e criativos - projectos musicais dos anos 90, como Beck, Eels, Soul Coughing, Bran Van 300, DJ Shadow ou Luscious Jackson, entre outros, e gerou alguns dos discos mais marcantes dessa década.
"Ordinary Man", o primeiro álbum dos Day One, foi editado em 2000 e consegue ainda destacar-se como um dos exemplos felizes desse cut n' paste de sonoridades e domínios estéticos.

Só o facto de ser um dos nomes divulgados pela editora Melankolic, dos Massive Attack, já tornava o projecto num caso curioso, mas a audição do disco revela que a aposta foi mais do que merecida.
O duo de Phelim Byrne (vocalista) e Donni Hardwidge (multi-instrumentista) apresenta uma muito convincente estreia que congrega o hipnotismo das batidas trip-hop, a aspereza do indie rock, a vertente aconchegante da folk, as camadas doces da pop e a linguagem de rua do hip-hop. É certo que esta mistura de elementos já foi efectuada anteriormente por outros artistas, mas os Day One conseguem gerar aqui uma perspectiva pessoal e singular que os afasta de comparações mais óbvias, construindo uma identidade própria e refrescante.

Embora o disco esteja marcado por ambientes minimalistas, exibindo uma postura lo-fi, o trabalho de produção é exímio e minucioso, o que não é propriamente inesperado tendo em conta que o produtor é Mário Caldato Jr. (colaborador habitual dos Beastie Boys).
As canções ora seguem formas mais convencionais - como na simplicidade pop de "In Your Life" - ora enveredam pelo spoken-word - em "Walk Now, Talk Now" -, mantendo sempre apelativas e surpreendentes sonoridades electro-acústicas.

O resultado final é diversificado mas coeso, unindo um irresistível sentido de humor a uma sentida melancolia e proporcionando episódios tão entusiasmantes como a envolvente e apaziguada "Autumn Rain", as sombrias "Truly Madly Deeply" e "Paradise Lost", os tons optimistas e harmoniosos de "Love on the Dole", a irreverência e ironia de "Bedroom Dancing" e "Trying Too Hard" ou a urgência de "I'm Doing Fine", este o grande momento do disco (o que não é fácil, num álbum repleto de óptimos temas).

Para além das versáteis atmosferas sonoras, outro dos trunfos fortes de "Ordinary Man" são as letras, que reflectem perspicazes retratos do quotidiano urbano e condensam sensibilidade, ironia e uma considerável vertente lúdica.
A voz de Phelim Byrne contém emotividade suficiente para carregar as canções, apresentando subtis fragmentos da vida contemporânea marcados por um idealismo realista.

Apesar de conter bons ingredientes, "Ordinary Man" é um daqueles discos perdidos que permanece numa quase total obscuridade, inversamente proporcional aos traços de criatividade e pontuais momentos de génio que oferece. No entanto ficará, para aqueles que o conhecem, como um saudável exemplo de (re)invenção da linguagem da pop para o novo milénio, assinalando uma das estreias mais auspiciosas dos últimos anos.

E O VEREDICTO É: 4/5 - MUITO BOM

quinta-feira, janeiro 27, 2005

SIM, OUTRO FILME DE ADOLESCENTES...

Co-argumentista de "Cães Danados" (Reservoir Dogs) e "Pulp Fiction", de Quentin Tarantino, e realizador de "Killing Zoe", Roger Avary adapta, em "As Regras da Atracção" (The Rules of Attraction), a obra literária homónima de Bret Easton Ellis para o grande ecrã.
Através de "Psicopata Americano", "Menos que Zero", "Os Confidentes" ou "Glamorama", Ellis retratou, com uma ácida e cortante perspectiva, as experiências dos adultos jovens norte-americanos – especialmente a facção yuppie - durante os anos 80 e a alvorada dos anos 90, com um estilo singular que despertou as mais diversas reacções.
Um filme como "As Regras da Atracção" mantém essa natureza corrosiva e dura indissociável da obra de Ellis, apresentando simultaneamente traços aparentados dos títulos cinematográficos em que Roger Avary trabalhou (humor negro, niilismo, ambientes sombrios, entre outros).

Focando as peripécias de três jovens universitários, a película gera um olhar negro e inquietante sobre domínios da angústia adolescente e do período de instabilidade emocional que vinca a chegada à idade adulta.
Tendo em conta que o argumento é baseado num livro de Easton Ellis, "As Regras da Atracção" raramente apresenta momentos de candura e optimismo, optando antes por despoletar uma complexa teia que combina a tragédia e a comédia de forma desconcertante (a cena do suicídio, em particular, elabora essa estranha mistura de coordenadas).

Contrariamente à maioria dos filmes de adolescentes habituais, marcados por uma linearidade e esquematismo que em nada inovam, aqui a narrativa encontra-se repleta de camadas e texturas, registando-se uma efervescente interligação entre a intrincada montagem, os truques da câmara (split screens, rewinds e demais estratégias de sedução visual) e a adequada banda-sonora (onde constam The Cure, Erasure ou Love&Rockets, entre outros nomes agarrados às fronteiras indie/mainstream). Esta lúdica vertente formal contribui muito para o surgimento de uma aura específica que afasta "As Regras da Atracção" do teen movie mais banal, mas para além do (apelativo) estilo, o filme contém ainda suficientes doses substância.

A curiosa mescla de som e imagem - como a excelente trip pela Europa - é complementada pela refrescante narrativa que se divide pelas perspectivas de vários narradores, o que cria um interessante - ainda que por vezes confuso - ritmo para o filme (o dinamismo narrativo lembra, por exemplo, os saudosos "Pulp Fiction" ou "Trainspotting").

Devido à sua dimensão de filme-puzzle, "As Regras da Atracção" possui um argumento pouco convencional, centrado, essencialmente, nos pontos-de-vista de três personagens: Sean (interpretado por um soturno e convincente James Van Deer Beek), egoísta e arrogante, um daqueles protagonistas susceptíveis de desencadear as mais fortes aversões devido à aparente escassez de valores que o redimam; Lauren (a sempre eficaz Shannyn Sossamon), uma relutante jovem que tenta resistir à solidão enquanto espera pelo regresso do namorado; e Paul (Ian Somerhalder, provavelmente a melhor interpretação do filme), bissexual e incapaz de criar laços sólidos com os que o rodeiam.

As interacções do trio protagonista originam um conturbado triângulo amoroso quando Paul (ex-namorado de Lauren) tenta aproximar-se de Sean, embora este o repudie ao investir numa tentativa de sedução de Lauren.
Estas relações entrecruzadas estão na origem de cenários de frustração e desilusão, que Avary condimenta com consideráveis doses de comédia negra a par de algumas cenas irreverentes e algo gratuitas.

Pela narrativa circular passa uma reflexão sobre o vazio e vulnerabilidade emocional, e por detrás do "fogo de artifício" encontram-se atmosferas de solidão e amargura, que se revelam à medida que as personagens se afastam progressivamente de uma certa unidimensionalidade inicial. O último terço do filme é particularmente intrigante, pois após a descarga de cinismo, hedonismo e aspereza, Avary proporciona envolventes e inesperados territórios góticos e poéticos, cujo ponto alto é o diálogo final entre Paul e Lauren e o abrupto - e muito apropriado - desenlace.

Esta amálgama de episódios a espaços inconsequentes com uma subtil vibração dramática confunde e pode tornar-se desconfortável - a canção "So Alive", dos Love&Rockets, nunca foi tão sinistra como na poderosa cena entre Sean e Paul - mas torna "As Regras da Atracção" num muito estimulante retrato da crise de valores e princípios, da depressão e da desumanização que se insinua nas sociedades contemporâneas.
Não se procura, aqui, fornecer uma visão demasiado realista da experiência universitária (até porque seria redutor caracterizá-la somente com um enfoque baseado no negrume e desolação), antes um olhar satírico e cáustico sobre a natureza dúbia e a carga mais negra do decisivo processo de crescimento.
"As Regras da Atracção" oferece, assim, uma viagem emocional alucinatória e hipnótica tão ímpar e memorável como os igualmente recomendáveis "Donnie Darko", de Richard Kelly, ou "Ghost World - Mundo Fantasma", de Terry Zwigoff, outros entusiasmantes títulos indie acerca das tensões da juventude actual.

E O VEREDICTO É: 4/5 - MUITO BOM

SPOOKY...

Estava eu hoje muito sossegado em mais uma rotineira viagem de comboio, meio inerte devido à partitura de imitação de música clássica (ou de elevador?) que já é habitual ouvir neste percurso (nem sequer é uma opção...), quando a rapariga, aparentemente inofensiva, que estava sentada ao meu lado colocou os auscultadores e começou a ouvir (e eu, embora involuntariamente) um concentrado de hits de gente tão apelativa como Anastasia ou Evanescence :S

Era só o que me faltava para complementar mais um dia de trabalho, ouvir as estridentes melodias (?) de tão apelativas figuras...Decididamente, viajar de comboio pode ser uma experiência sinistra e assustadora...

Tenham medo, tenham muito medo...

Brrrrr....Run, run for your life!!! BIG BAD ANASTACIA is everywhere!!!!

quarta-feira, janeiro 26, 2005

BLINKS & LINKS

Obrigado aos responsáveis pelos blogs BLUE RED and DARK e Melomanias por me incluírem nas suas listas de links ;)
Venham os próximos:P

QUANDO A POP ABRAÇA A FOLK...

Após três discos ("Emmerdale", "Life" e "First Band on the Moon") marcados por atmosferas pop primaveris de travo agridoce, os The Cardigans enveredaram, em 1998, por ambientes mais gélidos e frios com a electrónica de "Gran Turismo".
O quarto álbum do projecto sueco desviou-se das tonalidades poppy/retro/easy-listening que caracterizavam a discografia da banda e abraçou a contemporaneidade proporcionada pela electrónica, embora ainda oferecesse alguns temas mais imediatos e acessíveis, como os mediáticos singles "My Favorite Game" ou "Erase and Rewind". Apesar de alguma colagem a domínios dos Garbage, "Gran Turismo" ficou como o mais consistente e ousado álbum dos Cardigans, comprovando que o grupo não propunha apenas uma ou duas canções engraçadas que se ouvem bem e que se esquecem rapidamente.

Com "Long Gone Before Daylight", a banda volta a efectuar uma ruptura - mesmo que parcial - em relação aos registos anteriores, colocando novos ingredientes na sua música.

A interessante aventura a solo da vocalista Nina Persson, “A Camp”, decorrida entre "Gran Turismo" e o registo mais recente dos Cardigans, parece ter influenciado o novo trabalho do grupo, carregado de sonoridades folk/indie pop. Os singles "For What It`s Worth" e "You're the Storm" ainda contêm traços suficientemente poppy para conseguirem rotação nas playlists radiofónicas, mas a maioria das restantes composições do disco adoptam vertentes mais melancólicas, desencantadas e nem sempre tão acessíveis.
Por isso, "Long Gone Before Daylight" acaba por gerar alguma estranheza às primeiras audições a quem espere encontrar aqui um concentrado de potenciais hits, pois as canções aproximam-se antes da tradição de singers/songwriters e apostam num formato acústico e despojado (ainda que a produção seja atenta e eficiente). De resto, os temas do álbum possuem mais elementos de ligação a alguns episódios do disco "A Camp" ou às colaborações de Nina Persson em "It's a Wonderful Life", dos Sparklehorse, do que às atmosferas solarengas da fase inicial dos Cardigans ou ao flirt com a electrónica de "Gran Turismo".

Mesmo que os resultados nem sempre sejam convincentes, o disco demonstra que a banda tentou não ser igual a si própria e recusou repetir a receita, e esse risco gerou algumas boas canções como a aconchegante "Communication", a belíssima "No Sleep" ou a majestosa "Please Sister", um dos momentos mais altos do disco.
Por vezes, há certos territórios que se confundem perigosamente com a previsibilidade de artistas adult contemporany como Sheryl Crow, mas a maior parte das composições de "Long Gone Before Daylight" segue caminhos mais parecidos com a sensibilidade de singers/songwriters como Aimee Mann ou Mirah. A voz de Nina Persson é tão doce e cativante como as dessas duas artistas, e raramente se expôs num registo tão próximo e intimista como aqui, eficazmente complementada por bem-conseguidas sonoridades outonais e bucólicas.

Como os restantes discos dos Cardigans, "Long Gone Before Daylight" não é arrebatador, embora seja quase sempre agradável e competente, comprovando a vitalidade de um projecto que tem exibido interessantes desvios dentro de formatos mais convencionais e, à partida, pouco surpreendentes.
Assim, o que poderia ter sido apenas um razoável álbum simpático conseguiu elevar-se acima da mediania e tornar-se numa pequena pérola pop que, mesmo não sendo essencial, é convincente e refrescante.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

segunda-feira, janeiro 24, 2005

NOSSA SENHORA DOS TRAFICANTES

O tráfico de droga é uma questão complexa e polémica que despoleta os mais diversos pontos de vista e gera, não raras vezes, fricções entre juízos de valor contraditórios.
Assunto abordado também no cinema, está na origem de "Maria Cheia de Graça" (Maria Full of Grace), um "pequeno" filme independente que tem conseguido consideráveis distinções em festivais de cinema internacionais.
Entre outros galardões, a primeira longa-metragem de Joshua Marston ganhou o Prémio do Público no Festival de Sundance e o Urso de Prata para Melhor Actriz (a estreante Catalina Sandino Moreno), factores que contribuiram para que a película despertasse alguma curiosidade.

"Maria Cheia de Graça" é, contudo, muito mais do que um filme "curioso", salientando-se como uma das obras-chave do cartaz cinematográfico do início de 2005.
O mote narrativo do filme - sobre uma jovem colombiana que, perante a falta de perspectivas do seu limitado meio rural, aceita transportar para os EUA doses de heroína no estômago - poderia ter conduzido a concretizações pouco auspiciosas: desde o filme-choque brutal e "escandaloso" a um drama aparentado de um telefilme acerca das desgraças dos "coitadinhos", passando por vias moralistas e maniqueístas ou por um thriller descartável e unidimensional, muitos eram os rumos que a obra poderia seguir.
Joshua Marston evita os lugares-comuns e opta por um olhar realista, seco e despido de exageros melodramáticos, aproximando-se das personagens sem recorrer a golpes sujos nem a vitimizações fáceis.

Um filme de actores - sobretudo de actriz, devido à presença da excelente protagonista, Catalina Sandino Moreno - "Maria Cheia de Graça" é um drama pausado mas pleno de intensidade, que aos poucos se vai insinuando e causando um discreto, mas violento, murro no estômago. Marston debruça-se sobre a imprevisível viagem de Maria, uma jovem de 17 anos, e as escolhas que terá de fazer para sobreviver face à crescente e incontrolável teia de desespero e tensão.
Uma das muitas "mulas" da droga, a protagonista transporta diversas cápsulas de heroína no estômago na perspectiva de conseguir algum dinheiro que a faça atingir uma vida mais promissora (não só para si, mas também para a família). Para além do perigo de ser detectada pelas autoridades, a jovem arrisca a própria vida, uma vez que, caso uma das cápsulas ceda, a morte é praticamente inevitável.

Joshua Marston filma todo este trajecto com particular intensidade, com destaque para as autênticas cenas de suspense no avião e no terminal de aeroporto. No entanto, os episódios ambientados nos EUA oferecem cenários não menos inquietantes, à medida que Maria se apercebe que as dificuldades não são automaticamente ultrapassadas na "terra das oportunidades".

"Maria Cheia de Graça" é um muito bem-conseguido estudo de personagem, mérito não só do realizador mas também - e principalmente? - da actriz principal, capaz de comportar as doses certas de calma, determinação e melancolia, fornecendo uma soberba contribuição para o vibrante turbilhão emocional que o filme carrega.

Por vezes genuinamente comovente, noutras ocasiões com uma crua atmosfera de cortar à faca, a primeira obra de Joshua Marston é uma emocionante viagem marcada por múltiplas zonas de sombra e alguns raios de luz.
A amálgama entre a uma vertente quase documental e os traços de simbolismo - com alusões à sexualidade e sobretudo, à religião, como o cartaz e título do filme sugerem - funciona bem, e as personagens apresentam a ambiguidade necessária para tornar a acção credível (a óptima direcção de actores também ajuda).

"Maria Cheia de Graça" é uma envolvente obra indie com múltiplas cenas de antologia que insistem em permanecer no espectador, proporcionando uma experiência cinematográfica que, apesar de difícil digestão a espaços, é honesta, sufocante e memorável como poucas.

E O VEREDICTO É: 4/5 - MUITO BOM

CONSELHO DE AMIGO

A melhor série do momento regressa à televisão nacional com novos episódios. É verdade, a quarta série de "Sete Palmos de Terra" (Six Feet Under) começa hoje, às 22h30m, na 2:!! O seu visionamento é, obviamente, altamente recomendado...Não digam que não avisei ;)

OOps, parece que afinal vão ser repetidos os episódios da terceira série antes de estrearem os da quarta :( Enfim, é melhor do que nada, e vale sempre a pena revê-los...

domingo, janeiro 23, 2005

VAMOS DANÇAR?

Goste-se ou não, Fatboy Slim - ou Norman Cook - foi um dos principais impulsionadores da música de dança, destacando-se sobretudo na segunda metade da década de 90 e contribuindo para a disseminação do big beat, um subgénero caracterizado por repetitivas, viciantes e por vezes irritantes descargas de energia, recorrendo a batidas electrónicas de fácil assimilação e considerável carácter lúdico.

Os singles "The Rockafeller Skank", "Right Here, Right Now" ou "Praise You", do ultra-mediático álbum "You've Come a Long Way, Baby", mostraram ao mundo a eficácia das criações do DJ, e temas como "Sunset (Bird of Prey)", "Demons" ou "Talking Bout My Baby", do desequilibrado disco seguinte "Halfway Between the Gutter and the Stars", repetiram o efeito, ainda que em menor escala.
Mais ignorado do que esses dois registos, o disco de estreia de Fatboy Slim, "Better Living Through Chemistry", de 1996, continha já uma fusão sonora apelativa e pessoal, e as colaborações de Norman Cook em múltiplos projectos - Housemartins, Freak Power ou Pizzaman - ajudaram a consolidar um curriculum diversificado e abrangente.

"Palookaville", o quarto álbum de originais do DJ, volta a exibir alguns dos seus traços incontornáveis, com atmosferas enérgicas, festivas e despretensiosas, apostando numa fórmula que já resultou em trabalhos anteriores.
O primeiro single "Slash Dot Slash" é um dos exemplos mais paradigmáticos dessa vertente, insistindo em ritmos dinâmicos, acelerados e redundantes, apresentando escassas doses de novidade.

Embora tenha gerado alguns bons resultados, o big beat é, hoje, um subgénero algo datado e esgotado, e a reduzida quantidade de nomes a ele associados que ainda persistem é disso exemplo. Por onde andam os Propellerheads, Freestylers, Dub Pistols, Freddy Fresh ou Lionrock? Excepto um ou dois casos, como o dos Chemical Brothers - que conseguem abraçar um caldeirão mais vasto de influências e atmosferas - os principais projectos relacionados com o big beat são cada vez menos produtivos, e "Palookaville" acentua essa situação. Talvez por se aperceber disso, Norman Cook tentou incluir novas coordenadas sonoras no seu disco mais recente, em especial uma considerável carga de tons latinos e reggae, gerando um trabalho marcado por domínios tropicais (que até é sugerido pela capa).

Apesar desta inovação relativa, "Palookaville" é um disco quase sempre curioso mas raramente surpreendente, proporcionando temas que, ainda que funcionais numa animada pista de dança, são demasiado efémeros para tornarem o disco num trabalho a revisitar muitas vezes.
Há momentos aliciantes, como o hipnótico "Song For Chesh" ou o convincente "Don't Let the Man", e as participações vocais de nomes como Damon Albarn (dos Blur e Gorillaz) ou Bootsy Collins, entre outros, permitem episódios mais apaziguados, possibilitando algum descanso entre as repetitivas faixas mais dançáveis.

Embora seja um party album vincado por animados ambientes de Verão, "Palookaville" é demasiado morno e só a espaços chega a aquecer, e até a eficaz energia tribal de "Jingo" se torna cansativa ao fim de algumas audições. Fatboy Slim revela-se, assim, igual a si próprio, o que não é necessariamente desinteressante mas também não despoleta grandes paixões nem torna "Palookaville" num título de especial inspiração.

E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL

sábado, janeiro 22, 2005

VESTIDA PARA VOLTAR

Pois é, como na BD norte-americana o que foi ainda volta a ser, mais uma personagem é miraculosamente ressuscitada (e já deve ser para aí a terceira vez que regressa, desfazendo os mais tolerantes limites da verosimilhança...).

Para guáudio dos muitos então adolescentes que, nos anos 90, seguiam as aventuras dos X-Men, Betsy Braddock está de volta!! Qual Catwoman, qual Elektra, a personagem feminina mais sexy dos comiX é mesmo Psylocke (versão 2.0., claro...). Resta saber se desta vez irá ter, finalmente, alguma relevância na narrativa em vez de servir de papel de parede e chamariz de jovens com as hormonas em ebulição. (Quase) Toda a verdade é revelada aqui, for fans only...

UM MUNDO PERFEITO

Impulsionada por sagas como "Matrix", a ficção científica é um dos géneros que tem dominado grande parte da produção cinematográfica recente.
Contudo, como a emblemática trilogia dos irmãos Wachowski pode comprovar, muitas vezes a surpresa gerada pelos prodigiosos efeitos especiais e por um dinâmico trabalho de realização e montagem pode sobrepor-se à criatividade do argumento, à solidez da direcção de actores ou à construção de personagens tridimensionais.

"Equilibrium", segunda longa-metragem de Kurt Wimmer (nome que se destacou pela colaboração na escrita de argumentos, entre os quais os de "A Esfera", de Barry Levinson, ou "O Caso Thomas Crown", de John McTiernan), consegue contornar parcialmente alguns dos habituais vícios do género, apostando numa narrativa escorreita e numa apelativa energia visual.

Filme de ambientes futuristas e sofisticados, centra-se numa sociedade gerada após a III Guerra Mundial e caracterizada por um acentuado desenvolvimento tecnológico.
Face às potencialidades do desenvolvimento da ciência, mentes menos bem-intencionadas poderão colocar em risco o bem-estar geral, por isso os orgãos com poder de decisão implementaram um minucioso sistema que pretende tornar os cidadãos cada vez mais organizados e controlados.
O principal mecanismo para conduzir à ordem e obediência global passa pelo bloqueio das emoções e sentimentos humanos, assim como de formas que os expressem (a arte em todas as suas vertentes), anulando o impulso criativo e encorajando a apatia.
De acordo com a ideologia dominante, se a repressão emocional for absoluta, os sentimentos mais negros e perversos - que estiveram na origem dos cenários mais catastróficos e abomináveis da História da Humanidade - não irão revelar-se nem conduzirão ao colapso civilizacional.
De forma a evitar a manifestação de emoções, os cidadãos são obrigados a tomar diariamente uma droga, "Prozia II", e asseguram assim o pleno funcionamento do sistema.

No centro da acção do filme encontra-se John Preston, interpretado por Christian Bale. Preston é um dos agentes especiais cuja função é eliminar eventuais indivíduos resistentes à lei, sobretudo aqueles que evitam as obrigatórias doses de "Prozia II" e insistem em dar continuidade a um submundo orientado pela arte.
Christian Bale, o "novo" Batman, demonstra ser um actor capaz de encarnar Preston com uma invulgar frieza emocional e considerável perspicácia, apostando nos tons gélidos e soturnos que já havia proporcionado em "American Psycho", de Mary Harron.
Mais surpreendente ainda é o processo de transformação que a sua personagem sofre à medida que vai questionando os pressupostos da sua sociedade e (re)descobrindo as emoções reprimidas.

Kurt Wimmer apresenta um eficaz trabalho de realização, que tanto abraça cinéticas e trepidantes cenas de acção, muito bem coreografadas - ainda que com piscadelas de olho a "Matrix" - ou que se debruça em pontuais momentos mais sóbrios e intimistas, sobretudo na fase da contínua tensão emocional do protagonista.
As atmosferas urbanas do filme possuem também o negrume necessário para tornar esta mistura de ficção científica, thriller, suspense e drama suficientemente estimulante, sombria e claustrofóbica.

É certo que não é difícil encontrar múltiplas influências em "Equilibrium", desde o seminal "1984", de George Orwell, até ao estilo visual de "Blade Runner", de Ridley Scott, ou "Relatório Minoritário" (Minority Report), de Steven Spielberg.
Contudo, o filme de Kurt Wimmer consegue destacar-se através de uma narrativa bem arquitectada e ritmada (mesmo assim, o final previsível e anti-climático dispensava-se), uma consistente galeria de actores (além de Bale, saliente-se a presença de uma inesperada Emily Watson) e uma tensão dramática mais forte do que a que costuma caracterizar este género de películas (que muitas vezes não passam de uma colagem de efeitos especiais e repetitivas cenas de acção).

Não sendo uma obra-prima nem um trabalho particularmente original, "Equilibrium" é um filme absorvente e uma das boas surpresas da ficção científica recente. Nos dias que correm, já são motivos suficientes para o tornar num título meritório e num caso a (re)visitar.

E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

quarta-feira, janeiro 19, 2005

NAS COSTAS DO DIABO

Uma das boas propostas da Nothing Records, a editora de Trent Reznor (líder dos Nine Inch Nails), "My Big Hero" assinala a estreia dos 12 Rounds e expõe uma cativante paleta sonora que une traços do rock, pop, electrónica, trip-hop e industrial/gótico.

Densas, negras e atmosféricas, as canções do disco são vincadas por sonoridades nebulosas e crípticas, componente acentuada não só pelas arrepiantes letras mas também pela peculiar voz da vocalista Claudia Sarne, capaz de originar uma envolvência que subtilmente se crava na pele.

Momentos como "Bovine" ou "Me Again" despoletam ambientes claustrofóbicos e carregados de suspense, "Mr. Johnson Take a Bow" exibe consideráveis cargas barrocas e teatrais e "Where Fools Go" surpreende ao recorrer a um sample de "Red Right Hand", de Nick Cave.

Editado em 1998, o álbum contém uma ousada sonoridade fim-de-milénio, com minuciosos detalhes de produção (doses q.b. de loops e demais efeitos) e comprova que os 12 Rounds são mais uma banda a adicionar à lista de projectos com vozes femininas inebriantes, como os Cranes, os Whale, os Curve ou a vertente mais desafiante dos primeiros registos dos Lamb e dos Garbage.

Mesmo com alguns passos em falso - o enérgico "power-pop" de "Sunshine" não combina com as camadas de sombra do grupo -, "My Big Hero" apresenta uma estimulante estreia e um dos muitos projectos que passou, infelizmente, demasiado despercebido.

A (re)descobrir também: a canção dos 12 Rounds incluída na banda-sonora de "The Princess and the Warrior", de Tom Tykwer, cujo download pode ser feito gratuitamente aqui.

E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

MAIS BLINKS E LINKS

Obrigado aos responsáveis pelos blogs A Ampola Faz Pop, Eclectismo Musical, Intervenções Sonoras e Janela Para o Rio por me incluírem nas suas listas de links. Isto não está a correr mal...Spread the word ;)

segunda-feira, janeiro 17, 2005

A COR PÚRPURA

Veteranos do rock português, os Mão Morta têm comprovado, em diversos álbuns e concertos, que são um dos mais singulares projectos musicais nascidos em território luso. Com uma linguagem e identidade própria, raramente geram a indiferença, antes suscitando as mais inevitáveis paixões ou os mais veementes ódios.

Na noite de sábado passado, o grupo bracarense voltou a não despoletar a apatia, embora as doses de energia e fascínio tenham estado um pouco abaixo do que se esperaria de uma banda com tal carisma.
Inaugurando o ciclo "For U Music", uma iniciativa que pretende revitalizar o Fórum Lisboa (antigo Cinema Roma) e que incluirá concertos de alguns nomes fulcrais do pop/rock português - Jorge Palma, Rodrigo Leão e Rádio Macau serão os próximos -, os Mão Morta apresentaram ao vivo o mais recente álbum "Nús", editado em 2004.

Aguardado com alguma expectativa, o espectáculo prometia alguma inovação cénica e a interpretação de temas praticamente inéditos para uma considerável faixa do público. "Gumes" foi o mote para a noite, registando uma minuciosa e cuidada componente estética e privilegiando a aura teatral que sempre se associou ao grupo.
Com um meticuloso trabalho de iluminação, o espectáculo proporcionou as primeiras sonoridades e gerou uma curiosa atmosfera entre o sinistro e o poético. Os elementos do grupo passaram os primeiros minutos no palco atrás de biombos, o que intensificou ainda mais o ambiente de mistério e envolvência, embora a música de "Gumes", geralmente apaziguada, não tenha sido a mais convidativa.

O espectáculo só despertou consideráveis níveis de intensidade quando as telas foram retiradas e os primeiros acordes de "Anjos da Pureza" se disseminaram pela sala. Bem recebida pelo vasto público - a adesão foi forte, uma vez que o espectáculo estava com lotação esgotada -, a canção foi seguida pela ainda mais entusiasmante "Arrastando o Seu Cadáver" numa exibição de autêntica energia rock, proporcionando um dos picos de visceralidade da noite.

Para além da apresentação integral de "Nús", o alinhamento foi marcado por diversos temas da restante discografia da banda, em particular do álbum "Primavera de Destroços". "O Jardim" e "Tu Disseste", dois episódios-chave desse disco, foram bons exemplos de contágio sonoro, enquanto que os tons ásperos de "Velocidade Escaldante" e um vício chamado "Estilo" (um dos momentos mais entusiasmantes da noite) confirmaram a peculiar rudeza hipnótica inerente ao projecto de Adolfo Luxúria Canibal.

O carismático vocalista foi competente e dedicado, mesmo sem grandes manobras de risco, tensão e ousadia, e os seus colegas de palco exibiram, como já é habitual, uma irrepreensível solidez. O mediático "Gnoma" e o calmo, mas intrigante "Morgue" marcaram a fase final do espectáculo, finalizado com "Humano" e "Primavera de Destroços", estes últimos já no breve e algo anti-climático encore.

Mais discretos e comedidos do que se esperaria - ainda que com pontuais descargas de energia cinética em "Arrastando o Seu Cadáver" e "Estilo" -, os Mão Morta apresentaram um concerto intimista e convincente, mesmo que as surpresas não tenham sido muitas (excepção feita para o fascinante trabalho de iluminação, sobretudo em "Gumes").

Para recordar, fica a memória de uma apelativa atmosfera soturna vincada por tonalidades escarlate e púrpura e uma selecção de boas canções (da qual não fizeram parte alguns temas mais óbvios, como "Budapeste", "Em Directo Para a Teelvisão" ou "Cão da Morte").
Seria mais interessante, contudo, se nesta apresentação de "Nús" o grupo se "despisse" mais e revelasse a sua natureza estranhamente inquietante, situação que geraria certamente um maior nível de arrepios e assombros. Assim, a experiência foi somente um sonho agridoce quando poderia ter resultado num concentrado de negrume com memoráveis sequências oníricas.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

Nota: A foto foi retirada do site oficial da banda e não se refere a este concerto, mas como não levei máquina fotográfica foi o que se arranjou :S

ALIEN

Se a expressão "filme-de-culto" deve ser utilizada apenas para um número escasso e limitado de pérolas intemporais, então "Donnie Darko" é um desses casos ímpares e meritórios.

A estreia de Richard Kelly na realização contém uma estranha, mas intrigante combinação de géneros cinematográficos, mesclando traços de ficção científica, comédia negra, suspense, drama familiar, thriller, fantástico e até teen movie.
O mais inesperado é que esta incomum combinação não só funciona como gera um dos títulos mais desconcertantes do cinema norte-americano recente.

Uma absorvente experiência cinematográfica acerca das dificuldades do crescimento, da (falta de) comunicação, da construção da personalidade e das fronteiras entre a sanidade e a loucura, "Donnie Darko" apresenta uma atmosfera esquizofrénica e um conjunto de personagens igualmente singulares.

O (quase) estreante Jake Gyllenhaal oferece uma inquietante interpretação como protagonista, um adolescente confuso e curioso cujo quotidiano é marcado não só pela habitual rotina escolar mas também por conversas com um coelho gigante.
Perdido entre o mundo real e o imaginário, incapaz de aderir aos (limitados?) códigos da vida adulta, Donnie é vítima de um desfasamento progressivo que o conduz à alienação e torna-se num outcast entre os colegas de liceu.

O realizador Richard Kelly apresenta uma soberba atmosfera onírica e etérea, criando um estilo peculiar algures entre o gótico e o surrealista e aproximando-se dos sedutores universos característicos de David Lynch, Atom Egoyan, M. Night Shyamalan ou mesmo Tim Burton. Os cativantes ambientes são complementados pela fulcral contribuição da partitura instrumental de Michael Andrews e das muito adequadas canções dos Tears For Fears, Duran Duran, Echo & The Bunnymen e Joy Division, entre outros.
A banda-sonora é, aqui, um elemento decisivo para a geração de uma aura negra e nostálgica, recriando na perfeição a recta final da década de 80, período em que a acção decorre. A canção mais emblemática do filme é a cover de Gary Jules para o tema "Mad World", dos Tears For Fears, cuja letra e sonoridade são indissociáveis da dilaceração emocional que envolve Donnie.

O olhar de Richard Kelly sobre cenários suburbanos e a depressão adolescente proporciona uma das mais entusiasmantes primeiras-obras do cinema indie dos últimos anos, destacando-se como um dos mais nucleares e memoráveis filmes de 2002.
Hipnótico e viciante, com um argumento complexo e não-linear, "Donnie Darko" é um daqueles raros títulos que consegue surpreender e seduzir a cada novo visionamento.

E O VEREDICTO É: 4/5 - MUITO BOM

domingo, janeiro 16, 2005

MÚSICA POR UMA BOA CAUSA

The Gift, Mesa, Clã, Fingertips e Xutos e Pontapés, entre outros, reúnem-se num grande concerto de solidariedade para com as vítimas do tsunami. Música e Solidariedade: AMI pela Ásia decorre no Coliseu do Porto no dia 22.

Promovido pela AMIarte, um núcleo da Delegação Norte da Fundação AMI, que procura estimular a produção artística para angariação de recursos financeiros, o Concerto MÚSICA E SOLIDARIEDADE: AMI pela ÁSIA, contará ainda com outros nomes incontornáveis no panorama musical português.

Tendo em conta que a Fundação AMI – Assistência Médica Internacional foi a primeira ONG a prestar apoio ao sudeste asiático, encontrando-se neste momento no Sri Lanka uma equipa a auxiliar uma população que se debate com cerca de 30 mil mortos já confirmados neste país, o núcleo AMIarte espera a presença massiva do público neste evento de solidariedade, considerando que a receita de bilheteira será inteiramente aplicada, pela Fundação AMI, no auxílio às vítimas do tsunami.

O concerto MÚSICA E SOLIDARIEDADE: AMI pela ÁSIA tem lugar no COLISEU DO PORTO, no próximo dia 22 de Janeiro, às 21h30.

Bilhetes à venda no Coliseu do Porto e nas lojas Fnac
Reserva para AMI: 22 5100701
AMIarte
Delegação do Norte da Fundação AMI – Assistência Médica Internacional Rua da Lomba, 153, Porto Telef: 22 5100701 fax: 22 5104816

Só é pena não fazerem um evento semelhante em Lisboa :(

sábado, janeiro 15, 2005

CENAS DE UM CASAMENTO

Um dos nomes do recente cinema francês a ter em conta, François Ozon possui já uma interessante filmografia onde constam títulos de reconhecido mérito como "8 Mulheres" (8 Femmes) ou "Swimming Pool", provas da eficácia e versatilidade do cineasta.

"5x2", a nova obra do realizador, constituiu uma das boas surpresas da 5ª Festa do Cinema Francês, decorrida no Cinema S. Jorge em Outubro de 2004, e destaca-se como mais uma valorosa película a acrescentar ao percurso de Ozon.

Esta abordagem às tensões de uma experiência conjugal distingue-se, desde logo, pela sua estrutura narrativa, que consiste na sucessão de cinco episódios marcantes da vida de um casal, apresentados do fim para o início.
Assim, as peripécias são exibidas num flashback constante, uma vez que os primeiros momentos do filme se centram no divórcio e as cenas seguintes focam um atormentado jantar em família, o nascimento do filho, o casamento e, por fim, a ocasião em que a dupla efectuou os contactos iniciais.

Embora a estrutura narrativa de "5x2" fuja ao convencional, não é propriamente inédita, pois fórmulas semelhantes foram utilizadas no polémico "Irreversível" (Irreversible), de Gaspar Noé, ou no thriller de culto "Memento", de Christopher Nolan.
O que acaba por sobressair no filme é a perspicácia de Ozon para retratar a complexidade e a ambivalência das relações humanas através de personagens bem construídas, ainda que nem sempre consigam gerar empatia.
Grande parte da solidez de "5x2" deve-se ao óptimo trabalho de actores, com destaque evidente para a dupla protagonista constituída por Valeria Bruni Tedeschi e Stéphane Freiss.

Um drama sóbrio, seco e realista, o mais recente filme de Ozon revela a importância dos "pequenos" detalhes de uma relação a dois e das atmosferas de discreto antagonismo que vão fomentando uma aura de claustrofobia e amargura crescentes.

Através de subtis olhares sobre a intimidade do duo regista-se uma implosão emocional inevitável e reequaciona-se a possibilidade do amor e dos laços de confiança.
A perspectiva do cineasta acentua, assim, a melancolia e o desespero, factor que envolve o filme num ambiente lacónico e pouco optimista.
Essa carga considerável de solidão e negrume torna "5x2" numa obra demasiado gélida e distante a espaços, antecipando um futuro - e passado - pouco auspicioso para as suas personagens (mesmo o último episódio, sobre as férias de Verão, contém já as bases da espiral descendente).

Devido à sua natureza, o filme desperta reacções ambíguas, ora seduzindo pela verosimilhança e rigor de algumas situações (e pelas envolventes interpretações do elenco), ora gerando estranheza pelo pessimismo - ou mesmo niilismo - que insiste em dominar o rumo dos acontecimentos.
Embora este carácter dúbio torne "5x2" num projecto irregular, não impede que esta seja uma boa escolha para quem procura um drama adulto e inteligente.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

quinta-feira, janeiro 13, 2005

X-SOUNDZ

É o nome da minha rádio do Cotonete, e podem ouvi-la através do link do lado direito da página. Recomendo que o façam, mas eu sou suspeito...De qualquer forma, é gratuito e aceitam-se reclamações, por isso o risco não é muito grande ;)

Algumas referências:
Depeche Mode, Massive Attack, Nirvana, Ornatos Violeta, Curve, Placebo, The Gift, Day One, Lamb, The Dandy Warhols, Pixies, Sparklehorse, Mr. Bungle, Fiona Apple, Luscious Jackson, Elliot Smith, Portishead, Garbage, R.E.M., Nine Inch Nails, Beck, Yeah Yeah Yeahs, Kings of Convenience, Morcheeba, Mesa, Cranes, Gorillaz, Air, Jim White, P.J. Harvey, Rammstein, Sneaker Pimps, Beth Orton, The Cardigans, Chemical Brothers, Joseph Arthur, Supernova, U2, Gus Gus, Interpol, Blur, Hole, Tricky, Bran Van 3000, Múm, Bent e Unkle, entre outros. Acho que já dá para ter uma ideia do que há por lá...

E por falar em música, obrigado ao responsável pelo Planeta Pop por me ter blinkado :)

NÚS EM LISBOA

Os Mão Morta apresentarão um concerto no Fórum Lisboa no próximo dia 15, pelas 22 horas, iniciando o ciclo "For U Music".

A banda bracarense traz consigo os temas do seu mais recente álbum de originais, "Nús, editado em 2004. O grupo de Adolfo Luxúria Canibal é, assim, o inaugurador do ciclo "For U Music", um programa de concertos que tentará revitalizar o Fórum Lisboa (ex-Cinema Roma) e que incluirá espectáculos de nomes como Jorge Palma (19 de Fevereiro), Rodrigo Leão (5 de Março) e Rádio Macau (9 de Abril).

Tendo em conta a sua sonoridade intensa e visceral, os Mão Morta prometem um baptismo de fogo para este ciclo. Conto estar lá para confirmar :D

Fórum Lisboa - Av. Roma, 14 L - Antigo Cinema Roma
Preços dos Bilhetes: 15€ (plateia), 12,5€ (1º balcão), 10€ (2º balcão).

HISTÓRIA INTERMINÁVEL

"Moulin Rouge" de Baz Luhrmann, "Chicago" de Rob Marshall ou mesmo "Dancer in the Dark" de Lars Von Trier já tinham dado algumas pistas, e "O Fantasma da Ópera de Andrew Lloyd Webber" (Andrew Lloyd Webber's The Phantom of the Opera) só vem confirmar que o cinema recente começa a recuperar um género que já se pensava quase esquecido: o musical.

O realizador Joel Schumacher é um dos mais recentes impulsionadores do género, elaborando a adaptação cinematográfica de "O Fantasma da Ópera", de Andrew Lloyd Webber, para muitos um dos mais aguardados filmes da recta final de 2004.

Enquanto cineasta, Schumacher tem apresentado um percurso irregular, pontuado por algumas obras inspiradas (o recomendável "Tigerland", que passou praticamente despercebido do grande público) e lamentáveis falhanços ("Batman & Robin", embaraçosa adaptação das aventuras do emblemático super-herói).

Após o êxito relativo do thriller "Cabine Telefónica" (Phone Booth), o realizador regressa a uma produção de grande orçamento, mas os resultados qualitativos não são proporcionais às avultadas quantias investidas.

Recorrendo a actores pouco conhecidos do grande público - uma exigência de Andrew Lloyd Webber -, o filme começa por desiludir pelo elenco. O par amoroso central, constituído por Emmy Rossum e Patrick Wilson, não tem carisma suficiente para suportar a película, e embora Gerard Butler, que interpreta o Fantasma, consiga ser um pouco mais convincente, também não é uma presença particularmente intrigante.

Emmy Rossum encarna a típica jovem imberbe e sem chama e Patrick Wilson assume uma personagem ainda mais plana e desinspirada, decepcionando após a surpreendente colaboração na série televisiva "Anjos na América" (Angels in America), de Mike Nichols. As veteranas Miranda Richardson e Minnie Driver são os nomes mais mediáticos do elenco, contudo encontram-se aqui em papéis secundários. Se a primeira é competente, como já é hábito, a segunda abusa do registo histriónico, tornando-se mais enfadonha do que divertida.

Exibindo uma considerável falta de ritmo, o filme arrasta-se numa narrativa com pouco dinamismo e criatividade, que nem mesmo os faustosos cenários e guarda-roupa conseguem compensar.
Embora haja alguns momentos que ainda entusiasmam a nível visual, a falta de densidade das interpretações, os redundantes "números" musicais e a abordagem (entre o barroco e o "camp") ao trabalho de Andrew Lloyd Webber fazem com que este "Fantasma da Ópera" se torne num concentrado de monotonia interminável.

Nem mesmo as sequências finais conseguem melhorar os resultados, apresentando uma vertente de melodrama "puxa lágrima" aparentada de "A Bela e o Monstro" e proporcionando um desfecho previsível para o triângulo amoroso.

Por vezes teatral mas com escassa tensão dramática e com tanto de pomposo quanto de soporífero, "O Fantasma da Ópera de Andrew Lloyd Webber" é um produto que demora a consumir mas esquece-se rapidamente. Espera-se que no seu próximo projecto Joel Schumacher volte a surpreender, mas pela positiva.

E O VEREDICTO É: 1/5 - DISPENSÁVEL

domingo, janeiro 09, 2005

O VÍDEO E AS ESTRELAS DE RÁDIO

O grupo de Michael Stipe, Peter Buck e Mike Mills já tinha passado por palcos portugueses em 1999, mas as recordações de quem os viu nessa altura, também no Pavilhão Atlântico, não são as mais reluzentes.
Muitos afirmaram que a banda apresentou um concerto morno e desinspirado, efectuando uma estreia pouco auspiciosa e memorável em território luso.

Com um novo disco, "Around the Sun", editado em Outubro de 2004, os R.E.M. regressaram na passada sexta-feira a Lisboa para realizar o primeiro espectáculo da mais recente digressão europeia.
Embora o álbum não seja uma amostra da fase mais surpreendente do grupo, a banda é, ainda, um dos nomes mais emblemáticos do pop-rock actual e uma das poucas que tem conseguido manter um difícil equilíbrio entre o sucesso comercial e a liberdade criativa.

O trio efectuou uma dinâmica e eficaz entrada em palco, interpretando temas enérgicos como "Wake Up Bomb" ou "Animal" e registando, desde logo, um considerável acolhimento por parte dos mais de 15 mil espectadores do Pavilhão Atlântico.
Michael Stipe, empenhado e incansável, comprovou a sua boa forma vocal, e os seus companheiros de palco exibiram semelhantes níveis de competência.

Apesar de escorreita e convincente q.b., a primeira metade do concerto não foi, contudo, tão entusiasmante como a segunda, que proporcionou muitos dos picos de intensidade da noite.

Tendo em conta que os R.E.M. são uma banda com mais de 20 anos de carreira, o leque de potenciais canções a constar no alinhamento de um concerto é inesgotável, por isso a selecção final dificilmente gerará o consenso. Todavia, há temas quase obrigatórios, como os muito bem recebidos "Everybody Hurts" (a hiperbalada que não dispensou um ambiente devoto com os essenciais isqueiros), "One I Love", "Losing My Religion" ou "Man on the Moon" (que fechou a noite com chave de ouro).
Entre outros hits carismáticos, a banda apresentou ainda o inquietante "Drive", o saudavelmente poppy "Imitation of Life" ou "What's the Frequency, Kenneth?", outro momento alto do espectáculo.

Mesmo com uma considerável carga de temas clássicos, a noite não foi montra de um mero best of ao vivo, uma vez que ainda houve espaço para composições menos mediáticas como alguns excertos de "Around the Sun" (com uma recepção morna, excepto o single "Leaving New York") ou canções quase esquecidas como a soberba "Walk Unafraid" (muito provavelmente o melhor tema do álbum "Up").
Entre as surpresas do encore, registou-se a interpretação de duas canções quase inéditas, "Permanent Vacation", uma das mais antigas do grupo, e "I'm Gonna DJ”, uma das mais recentes.

Para além de um consistente cardápio musical, o trio de Athens exibiu uma refrescante componente visual, com um excelente trabalho de iluminação e a projecção de imagens de um DVD ao vivo num ecrã colocado no topo do palco.
Numa era em que a imagem parece valer mais do que a música (o que, nos R.E.M., nunca foi o caso), o grupo mostra-se atento às potencialidades que a vertente visual possibilita. Assim, as canções foram complementadas por tonalidades que auxiliaram a criação de atmosferas específicas, ora mais melancólicas, ora mais efusivas, despoletando belos momentos como "Electron Blue" (a canção, um dos pontos altos de "Around the Sun", tornou-se ainda mais cativante com um acompanhamento de luzes em apropriados tons de azul).
O aspecto cénico foi mais equilibrado do que o sonoro, dado que se registaram, a espaços, quebras de ritmo entre as canções.

Como parece ser moda nos dias de hoje, também os R.E.M. inserem alguma dose de política na sua música, ou não fosse "Around the Sun" um álbum sobre o actual cenário norte-americano.
Segundo Michael Stipe, não é fácil ser cidadão nos EUA actuais, e talvez por isso o novo disco contenha uma aura de desencanto tão acentuada.
Nos momentos finais do concerto, o vocalista não dispensou um elogio a Lisboa e o tradicional "obrigado", mostrando-se afável e modesto mas não muito comunicativo.

Tendo em conta as memórias pouco positivas de parte do público que viu a banda em 99, pode dizer-se que, no caso dos R.E.M., “à segunda foi de vez”, pois o trio proporcionou, no passado dia 7, um espectáculo profissional e convincente (e não será fácil conseguir suportar mais de 20 anos de carreira com tamanha sobriedade aliada ao apelo comercial).

Antes das duas horas de concerto dos R.E.M., a noite começou com Joseph Arthur, um dos muitos cantores/compositores que possui mais mérito do que fama (com uma discreta, mas recomendável discografia, de que são exemplo álbuns como "Come to Where I'm From" ou "Redemption's Son").
O problema é que as composições do músico, entre o indie rock e a folk, não serão as mais apropriadas para um espaço dedicado a "bandas de estádio" como o Pavilhão Atlântico.
A recepção do público não foi propriamente negativa, mas também não exibiu grandes marcas de entusiasmo. Ficamos, por isso, à espera de uma actuação de Joseph Arthur em salas como as do Coliseu ou da Aula Magna, mais propícias à criação de uma atmosfera intimista.

Michael Stipe, no entanto, reconheceu os méritos do cantor, convidando-o para a interpretação de dois temas do encore dos R.E.M. e demonstrando, mais uma vez, uma saudável relação entre o mainstream e o underground.

E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

À VOLTA DO MESMO?

Um dos nomes de referência da pop dos últimos 20 anos, os norte-americanos R.E.M. têm efectuado um percurso que começou em domínios do rock alternativo e, aos poucos, aproximou-se progressivamente de territórios mainstream.
Mediática e criativa, convencendo o público e a crítica, a banda conjugou, desde o início, sonoridades algo experimentais e um reconhecível apelo pop.

Gerando álbuns que constam entre entre as discografias essenciais dos anos 80 e 90, o grupo tem mantido aspectos que aliam a familiaridade à reinvenção, de que são exemplo os registos mais recentes como "Up" (1998), um mergulho no rock de tons soturnos e electrónicos, ou "Reveal" (2001), repleto de canções pop solarengas e mais acessíveis.

No final de 2004, o trio de Michael Stipe, Peter Buck e Mike Mills edita o seu 18º disco, "Around the Sun". Como o primeiro single "Leaving New York" já sugeria, o álbum regressa à sonoridade mais tradicional e clássica do grupo, havendo mais esforço em rever o passado do que em projectar o futuro.

Ainda mais linear do que o antecessor "Reveal", o disco não aposta nos contrastes e na diversidade sonora, oferecendo antes um conjunto de canções com estruturas semelhantes que contêm apaziguados ambientes melancólicos.
A banda afirmou que "Around the Sun" é um registo com conotações políticas, manifestando o desagrado pela vitória de George Bush nas eleições dos EUA e reflectindo as atmosferas de inquietação que vincam a realidade norte-americana actual. Esse aspecto talvez ajude a compreender a vertente outonal e desencantada das composições do álbum, caracterizadas por ambientes etéreos e por vezes distantes.

Proporcionando uma pop pouco arriscada e inovadora, as canções de "Around the Sun" aproximam-se das sonoridades calculadas, tradicionais e algo previsíveis dos mais recentes discos dos U2 ou de projectos como os Coldplay.
Embora não contenha nada realmente lamentável e sofrível, o novo álbum dos R.E.M. também não despoleta grandes doses de entusiasmo e surpresa, distanciando-se dos momentos de considerável inspiração que contribuíram para a singularidade da banda. Demasiado homogéneo e conformista, "Around the Sun" é um dos registos mais monocórdicos do grupo, embora pontuado com alguns episódios de vitalidade ("Electron Blue", "Final Straw" ou o tema-título conseguem, apesar de tudo, exibir traços de ousadia).

Se o resultado global é uma semi-desilusão nas primeiras audições, acaba por se tornar mais envolvente após algumas visitas, desde que se aceite um disco apenas sóbrio e competente e não se espere um álbum de recorte superior.
Mesmo não sendo um marco na discografia dos R.E.M., "Around the Sun" consegue, subtilmente, tornar-se mais acolhedor e agradável do que o primeiro contacto indicia, possuindo atributos suficientes para acompanhar, por exemplo, um eventual dia de Inverno na inércia do lar. O que, para um grupo com mais de 20 anos de carreira - e tendo em conta a (falta de) criatividade da concorrência mainstream actual - até nem é pouco.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

sábado, janeiro 08, 2005

AINDA SOBRE O ANO NOVO...




Your New Years Resolution Should Be: Wake up before noon





You've been accused of sleeping your life away
And it's a little bit true - you are really into your pillow
In fact, it may be years since you've seen a sunrise at the *start* of your day
Sleep a little less. Some sunshine would do you good.


Ok, a resolução até pode aplicar-se ao meu caso, mas já comecei a fazer isso no final de 2004...

BLINKS E LINKS

Obrigado aos responsáveis pelos blogs Duelo ao Sol e Guronsan, por me adicionarem às suas listas de links. Well done...

quinta-feira, janeiro 06, 2005

ERA UMA VEZ UM RAPAZ

Numa época marcada por diversos remakes de obras cinematográficas - como o recente "O Candidato da Verdade" (The Manchurian Candidate), de Jonathan Demme -, o realizador Charles Shyer oferece uma nova perspectiva sobre "Alfie", uma obra dos anos 60 dirigida por Lewis Gilbert e protagonizada por Michael Caine.
Quatro décadas depois, a personagem ganha nova vida, desta vez na pele de um dos "meninos-bonitos" de Hollywood, Jude Law. Embora o actor tenha já interpretado papéis relevantes em títulos como "O Talentoso Mr. Ripley" (The Talented Mr. Ripley), de Anthony Minghella, ou "A.I. - Inteligência Artificial", de Steven Spielberg, nunca tinha apresentado um one-man show como acontece em "Alfie e as Mulheres" (Alfie).

Alfie é o típico playboy egocêntrico, individualista e presunçoso, vivendo despreocupadamente e evitando compromissos. Rodeado de figuras femininas, aposta em relacionamentos efémeros e descartáveis, mantendo a distância emocional e optando pela via do cinismo e frivolidade. Jovem, bem-parecido e irreverente, desdobra-se em múltiplas formas de envolvência com o universo feminino, recusando a criação de laços sólidos com as mulheres que vai conhecendo.

Com uma personagem assim, "Alfie e as Mulheres" poderia ser mais uma comédia romântica vincada por lugares-comuns e uma densidade emocional nula, aspecto reforçado pelo percurso cinematográfico de Charles Shyer (convenhamos que "O Pai da Noiva" ou "O Caso do Colar" não são propriamente obras que contribuam muito para a credibilidade de um realizador).
Contudo, o filme contorna, em parte, alguns dos percursos mais óbvios e previsíveis, proporcionando uma curiosa fusão de comédia e drama. Se a primeira parte da obra decorre em domínios não muito distantes de um episódio de "O Sexo e a Cidade" (Sex and the City), focando a superficialidade de certos ambiente nova-iorquinos de capa de revista, as peripécias acabam por enveredar por áreas de considerável tensão dramática, gerando um interessante olhar sobre a (des)ilusão e a (i)maturidade.

Shyer consegue criar uma vertente estética apelativa, fluída e cativante, com assinalável eficácia tanto nas enérgicas atmosferas festivas como nos episódios melancólicos e secos de carácter introspectivo. Esta vibrante energia visual, aliada à adequada banda-sonora de Mick Jagger e Dave Stuart, contribuem para dotar "Alfie e as Mulheres" de um saboroso carácter lúdico.
Jude Law também é bem sucedido na sua interpretação, mesclando arrogância com uma fragilidade que se descortina progressivamente. Tal como no filme original, o protagonista enceta um diálogo com o espectador, falando directamente para a câmara e conseguindo criar alguma empatia (se nos anos 60 esta técnica era original, hoje já é algo relativamente comum, como pode ser constatado em películas como "Alta Fidelidade", de Stephen Frears").
A lista de actrizes é igualmente digna de destaque e inclui, entre outros, nomes de senhoras ilustres como a sempre competente Marisa Tomei ou a veterana Susan Sarandon.

Mesmo com alguns clichés típicos de um cinema assumidamente comercial - a misoginia ainda está presente e a película não consegue evitar a queda para o final moralista -, Charles Shyer oferece uma obra convincente que se desdobra entre territórios característicos do filme new yorker e os tons crus e lacónicos do realismo britânico.
Um envolvente retrato do hedonismo e da solidão, sobretudo do universo masculino, "Alfie e as Mulheres" exibe alguns pontos de contacto com o cariz agridoce de títulos como "Era uma Vez um Rapaz" (About a Boy), de Chris e Paul Weitz, ou "Roger Dodger", de Dylan Kidd, que também se centravam em protagonistas masculinos egocêntricos e imaturos.
Uma boa alternativa aos tradicionais chick flicks.

E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

ELECTRON BLUE

Estes senhores vão actuar amanhã às 20h30m no Pavilhão Atlântico, em Lisboa. O disco mais recente deles, "Around the Sun", não é dos melhores que já editaram, mas mesmo assim o concerto deve valer a pena...

quarta-feira, janeiro 05, 2005

O AMOR ACONTECE (?)

Obras como "Chungking Express", "Anjos Caídos" (Fallen Angels) ou "Felizes Juntos" (Happy Together) garantiram a Wong Kar-wai um lugar de culto dentro do cinema actual, estatuto ainda mais reforçado com o incensado "Disponível Para Amar" (In the Mood for Love), de 2001, para muitos a sua obra-prima.

Com uma estética peculiar e reconhecível, o cineasta destacou-se, entre outros motivos, pela inquietante carga visual que explora nos seus filmes, dotando-os de um estilo de realização incomum e pessoal. "2046" é considerada a sequela - ou continuação, ou remix, dependendo da perspectiva - de "Disponível Para Amar" e volta a apostar em domínios carregados de tensão emocional e desilusão amorosa.

A película segue as experiências de Chow Mo Wan - interpretado pelo já habitual Tony Leung -, um escritor dos anos 60 que recorda as mulheres que marcaram a sua vida enquanto prepara um novo romance de ficção científica intitulado "2046" (que é, também, o número de um quarto do hotel onde se encontra instalado e que foi habitado por algumas das mulheres que conheceu).
Este é o mote para Wong Kar-wai proporcionar uma reflexão pelos meandros das relações humanas, geralmente caracterizadas por atmosferas emocionais melancólicas e angústias existenciais.

Como é frequente nas obras do realizador oriental, o filme não segue uma narrativa linear e tipificada, antes opta por expor fragmentos e estilhaços que se interconectam e influenciam, gerando um complexo puzzle que se (des)constrói em cerca de duas horas. O resultado, por vezes envolvente e sedutor, é contudo mais redundante do que intrigante, dispersando-se em longas recordações e pedaços de experiências que nem sempre conseguem envolver.

A vertente visual é exímia, ou não fosse Kar-wai um sofisticado e exigente esteta capaz de tornar cada plano numa simbiose de criatividade e requinte, mas o "argumento" não está, infelizmente, à altura dos rasgos hipnóticos do grafismo.

"2046" oferece pontos de interesse como os contrastes entre ambientes retro e territórios futuristas, ambos contaminados com aliciantes doses oníricas e complementados com uma adequada banda-sonora e excelente fotografia. Embora esses elementos contribuam para o deleite contemplativo, a resposta emocional é reduzida, uma vez que as personagens são concentrados de frieza, amargura e solidão, raramente despoletando empatia.
Não se procuraria um tom espirituoso num filme que aborda a perda e a quebra de elos, mas "2046" exibe pouco calor humano, ainda que tenha consideráveis cenas de sexo e intimidade conjugal (que, mesmo habilmente filmadas, não demovem a carga distante da película).

A espaços estimulante, a mais recente obra de Wong Kar-wai é prejudicada por uma narrativa desigual, com diversos altos e baixos, tornando-se numa experiência cinematográfica que, apesar de singular, suscita níveis de entusiasmo apenas medianos.

A beleza e mestria das imagens - carregadas de texturas e contrastes cromáticos - quase disfarçam a pretensão de uma obra cujo resultado está abaixo das expectativas e é tão efémero como as relações da personagem de Tony Leung.

E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL

terça-feira, janeiro 04, 2005

X-CELLENT MOVIES

Enquanto não coloco a minha lista de melhores filmes de 2004, deixo aqui o TOP 10 de 2003, cujas obras não são menos recomendáveis. Não é uma lista definitiva, mas dentro do que vi foi, para mim, o melhor do ano...Enjoy...

CINEMA - TOP 10 2003

1- "Cidade de Deus", de Fernando Meirelles - um brutal drama e um dos melhores filmes do cinema brasileiro recente;

2- "X-Men 2" (X2), de Brian Singer - superior à primeira adaptação, congrega a inventividade das aventuras dos comics, bons actores e sofisticados (e controlados) efeitos especiais;

3- "A Última Hora" (The 25th Hour), de Spike Lee - depois do excelente "Verão Escaldante" (Summer of Sam), Spike Lee surpreendeu com um intenso drama urbano em torno de ecos do 11 de Setembro;

4- "L.I.E. - Sem Saída", de Michael Cuesta - uma soberba primeira obra indie e um realista e emotivo retrato da adolescência e da pedofilia, sem moralismos;

5- "As Regras da Atracção" (The Rules of Attraction), de Roger Avary - mais estilo que substância? talvez, mas a sua efervescência é aliciante;

6- "Sonhos Desfeitos" (Moonlight Mile), de Brad Silberling - mais uma história sobre o crescimento abrilhantada por Jake "Donnie Darko" Gyllenhaal num filme injustamente esquecido;

7- "Adeus Lenine!" (Goodbye Lenin!), de Wolfgang Becker - um original e memorável contraste entre o passado e o presente com uma inesquecível banda-sonora de Yann Tiersen;

8- "28 Dias Depois" (28 Days Later), de Danny Boyle - o realizador do seminal "Trainspotting" comprova que consegue convencer em múltiplos géneros cinematográficos;

9- "Elephant", de Gus Van Sant - nunca um liceu foi filmado desta forma, nunca ser adolescente foi tão complexo;

10- "Inadaptado" (Adaptation), de Spike Jonze - esquizofrénico, experimental e imprevisível, faz "despertar a mente"

segunda-feira, janeiro 03, 2005

VERSION 2.O

O vibrante - e excelente - single "Slow Hands" intensificou o apetite pelo novo registo de originais dos Interpol, cujo primeiro álbum, "Turn on the Bright Lights", encantou e seduziu muita gente que viu na banda nova-iorquina ecos dos saudosos Joy Division, entre outras referências da melhor new-wave e pós-punk.

Dois anos depois da estreia, "Antics" oferece mais um sólido conjunto de canções contaminadas por um rock melancólico, de tons acinzentados e por vezes ásperos, mas que conseguem preservar uma emotividade peculiar que tornou a banda num projecto a seguir com atenção.

A sonoridade nostálgica persiste, embora os temas não soem a composições datadas mas a exemplos de como condensar no presente as mais recomendáveis marcas do passado. Talvez menos denso do que o registo de estreia, "Antics" chega a proporcionar alguns momentos quase dançáveis, ainda que a vertente soturna e nebulosa domine a maioria das atmosferas.

Se "Turn on the Bright Lights" era um disco que envolvia e hipnotizava, gerando uma aura negra e quase claustrofóbica a espaços, "Antics" nem sempre consegue produzir o mesmo efeito agradavelmente desconcertante. Há aqui canções à altura da intensidade de "Stella Was a Diver and She Was Always Down", "Obstacle 1" ou "Roland", temas que marcaram o primeiro álbum, mas não surgem tão frequentemente como se esperaria.

"Next Exit", a faixa de abertura, não é a mais convidativa e intrigante, por isso o verdadeiro início só ocorre com a soberba "Evil" (um convincente single), prolongando a óptima forma nos momentos seguintes: "Narc", "Take You on a Cruise" e "Slow Hands" (um dos pilares do álbum). O resto do disco é inconstante e globalmente inferior a este conjunto de composições inicial, alternando entre o mediano e o bom.

"Antics" representa um regresso interessante, por vezes muito inspirado, mas como um todo é algo desequilibrado. Algumas faixas parecem mais lados-B de "Turn on the Bright Lights" do que propriamente material inédito, exibindo um certo sabor a mais do mesmo, embora sejam compensadas por outras de recorte superior.

Apesar de desigual, o segundo álbum dos Interpol tem méritos suficientes para figurar entre as boas surpresas musicais de 2004, comprovando a vitalidade de uma banda que, espera-se, ainda tem muito para oferecer.
E é, também, mais um disco a juntar aos registos de grupos da escola indie que têm entusiasmado recentemente ao resgatar as melhores influências de um passado não muito longínquo (início dos anos 80, sobretudo), como os Franz Ferdinand, Yeah Yeah Yeahs, Radio 4, The Killers, !!!, TV on the Radio ou The Faint.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM