quinta-feira, agosto 31, 2006

CORAGEM DEBAIXO DE FOGO

Num período em que o conflito entre Israel e a Palestina gera notícias constantes em grande parte dos telejornais, devido aos cenários de tensão quase diária, as abordagens cinematográficas centradas nesta temática começam também a evidenciar-se.
Foi o caso do interessante "Syriana", de Stephen Gaghan, ou do soberbo "Munique", de Steven Spielberg, e é também o de "O Paraíso, Agora!" (Paradise Now), que ao contrário dos anteriores não nasce em Hollywood mas da iniciativa do palestiniano Hany Abu-Assad.

Alvo de consideráveis distinções a nível internacional - Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro, nomeado para os Óscares na mesma categoria e premiado no Festival de Berlim, entre outros -, o filme poderia ser um dos que se torna foco de atenção mais pela relevância da temática e boas intenções da sua "mensagem" do que pela abordagem que propõe e méritos cinematográficos, mas felizmente Abu-Assad oferece aqui uma prova de sensibilidade e inteligência, suscitando a reflexão sem se tornar estridente, maniqueísta ou oportunista.

Alicerçado na recruta de dois jovens amigos palestinianos para a realização de um atentado suicida em Telavive, "O Paraíso, Agora!" mergulha nas inquietações que levam a que cidadãos comuns se transformem em terroristas, evitando o sensacionalismo de algum jornalismo e surpreendendo pela contenção com que trabalha questões tão controversas.

Aqui as personagens não são meros instrumentos que se limitam a debitar posicionamentos políticos e morais (embora estes sejam discutidos), antes figuras complexas e credíveis que o filme explora com genuína densidade emocional, nunca abdicando da dimensão humana.
A direcção de actores é, por isso, decisiva, e se todos são verosímeis é obrigatório destacar Kais Nashef, brilhante na pele de Saïd, o denso e circunspecto protagonista, muito longe dos lugares-comuns a que são associados muitas vezes os agentes suicidas. Notabilizando-se com uma das mais subtis interpretações do ano, Nashef cativa pelo seguro underacting, cujo olhar desencantado traduz todas as contrariedades de um quotidiano pouco esperançoso.

Os perigos do dia-a-dia dos palestinianos foram, de resto, testemunhados pela própria equipa do filme, que durante a rodagem em Nablus lidou com alguma desconfiança de parte da população local e reflexos dos ataques dos mísseis israelitas, o que levou a que elementos da equipa alemã desistissem ao fim de poucos dias.

Pertinente e corajosa, "O Paraíso, Agora!" é uma das melhores obras a estrear em salas nacionais nos últimos meses, despertando o espectador sem cair no pretensiosismo de um filme de tese nem apostando em rodrigunhos fáceis e moralistas.
Uma das boas propostas cinematográficas a descobrir a partir desta semana, com um olhar diferente sobre um contexto com tanto de conturbado como de actual.

E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

ESTREIA DA SEMANA: "O PARAÍSO, AGORA!"

Vencedor do Globo de Ouro para Melhor Filme Estrangeiro, nomeado para os Óscares na mesma categoria e premiado no Festival de Berlim, "O Paraíso, Agora!" (Paradise Now) segue as últimas 24 horas de dois jovens palestianos incumbidos de realizar um atentado suicida em Israel.
Misturando suspense com uma intensa carga dramática, esta obra de Hany Abu-Assad apresenta um envolvente olhar sobre os bastidores do terrorismo, destacando-se pelo sólido argumento e pelas não menos seguras interpretações.
Um dos filmes mais recomendáveis em cartaz, crítica aqui (muito) em breve.

Outras estreias:

"A Caminho de Guantánamo", de Michael Winterbottom
"A Casa Fantasma", de Gil Kenan
"Eu, Tu e o Emplastro", de Anthony Russo e Joe Russo
"O Sentinela", de Clark Johnson
"Terkel em Sarilhos", de Kresten Vestbjerg Andersen, Thorbjørn Christoffersen e Stefan Fjeldmark

quarta-feira, agosto 30, 2006

AMORES DE VERÃO (10): THE THRILLS

Não têm o Brian Wilson, mas não deixam de ser beach boys... a conferir no vídeo abaixo.

The Thrills - "Big Sur"

terça-feira, agosto 29, 2006

REBELDES SEM CAUSA

Cineasta veterano e nem sempre consensual, Philippe Garrel regressa em 2006 com um filme que se arrisca, tanto pela temática como pela abordagem, a situá-lo num espaço tão pessoal quanto hermético.
Crónica do quotidiano de um grupo de jovens durante e após o Maio de 68, “Os Amantes Regulares” (Les Amants Réguliers) apresenta uma visão pessoal, com traços autobiográficos, de um período controverso da história francesa recente, mas se a película parte de um tema com potencial os resultados são no mínimo desequilibrados e ficam aquém das expectativas.

Desnecessariamente longo e repetitivo, arrastando-se por cansativas três horas pontuadas por várias cenas de relevância discutível, o filme evidencia a espaços que Garrel tem boas ideias mas a estruturação destas corre o risco de desinteressar até o espectador mais paciente.

O tom quase documental com que são focados os actos de revolta dos estudantes nas ruas começa por ser intrigante, propondo um realismo cru e palpável, sugerindo tensão e sentido de urgência. Contudo, estes primeiros momentos do filme tornam-se incipientes quando prolongados até à exaustão, impossibilitando qualquer carga dramática devido a uma monótona e aleatória sucessão de atritos e perseguições.

Já na ressaca dos conflitos do Maio de 68, a segunda parte de “Os Amantes Regulares” segue a convivência de parte dos jovens revolucionários na mansão de um deles, dando particular ênfase à relação que nasce entre um poeta, François, e uma escultora, Lilie. Oscilando entre a utopia e o cepticismo, o relacionamento do jovem casal espelha o clima de ambivalência e hesitação que se disseminou após uma revolta que descoordenou ideais e motivações.
Nas cenas entre os dois amantes, Garrel consegue implementar pontuais momentos de intimismo e densidade emocional, ausentes no filme até então, mas ainda assim os protagonistas surgem quase sempre como figuras distantes e demasiado indecifráveis, e em última instância pouco envolventes.

Relato de um panorama onde o activismo é mais demonstrado do que sentido, “Os Amantes Regulares” acaba por fornecer uma perspectiva dos jovens rebeldes não muito diferente da de “Os Sonhadores”, mas onde o filme de Bertolucci oferecia uma vibrante e sedutora experiência cinematográfica, o de Garrel raramente vai além de uma pouco absorvente mediania.

A película tem os seus méritos, já que Louis Garrel, filho do realizador e, curiosamente, um dos protagonistas de “Os Sonhadores”, obtém aqui uma interpretação correcta na pele de François, assim como Clotilde Hesme como Lilie. A belíssima e intensa fotografia a preto-e-branco de William Lubtchanski concede às imagens uma singular energia, e alguns diálogos são inspirados e oportunos, mas mesmo estes elementos convincentes não compensam o ritmo letárgico nem a palha narrativa que “Os Amantes Regulares” vai acumulando, deixando-o como um rascunho do que poderia ter sido.
E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL

sexta-feira, agosto 25, 2006

AMORES DE VERÃO (9): GARBAGE

Como o Challenger grows up mais um ano hoje, dedico-lhe "When I Grow Up", um dos singles dos Garbage do excelente "Version 2.0." (bons tempos, bons tempos...). Enjoy ;)

A CIDADE DO PECADO

Um dos mais idiossincráticos e controversos escritores latinos dos últimos anos, o cubano Pedro Juán Gutiérrez apresenta em "A Trilogia Suja de Havana", editado em 1998, a sua primeira obra em prosa, iniciando uma série de títulos dedicados a um olhar cortante e verista sobre os meandros da capital de Cuba.

Concentrando vários pequenos contos que têm em comum o facto de serem todos narrados (e, a maioria) protagonizados pelo próprio escritor (ou um por alter-ego), o livro proporciona uma série de episódios assentes em vivências do quotidiano urbano, vincados por uma visão demolidora, crua e cáustica.

Gutiérrez aposta numa escrita simples e directa, um estilo que reflecte a sua experiência como jornalista, uma das muitas profissões que adoptou ao longo do seu percurso errático em Havana (e que, de resto, o livro documenta).
O facto desta ser uma leitura acessível, à base de uma linguagem prosaica e seca, não implica contudo que não se cultive aqui um singular gosto pelo detalhe, já que o autor retrata com plausibilidade e eficácia assinaláveis os traços da gente, locais e ambientes que o rodeiam.

A interligação de um realismo sujo com um violento mas irresistível humor negro gera crónicas simultaneamente amarguradas e espirituosas, à semelhança do ritmo imprevisível da vida do escritor e das daqueles que se encontram nos seus relatos.
Com um dia-a-dia pouco auspicioso, onde as condições de vida se tornam cada vez mais precárias, o sexo, o álcool (em particular o rum, a bebida mais barata, com o qual o escritor se embriagou antes de escrever alguns contos do livro) e por vezes as drogas destacam-se como os únicos portos de abrigo capazes de ajudar à sobrevivência.
Gutiérrez é exímio na tradução destas atmosferas, descrevendo os sabores, sons e odores de uma cidade onde a luxúria, a pobreza, o calor, a insegurança e tons féericos se entrecruzam naturalmente.

No entanto, apesar da presença recorrente do turismo sexual, de negócios no mercado negro, do individualismo e de crimes de faca e alguidar, "A Trilogia Suja de Havana" está longe de ser um panfleto contra a capital cubana, uma vez que o próprio autor revela várias vezes que não conseguiria enquadrar-se em nenhum outro local (apesar das oportunidades que teve para o fazer), pelo que o livro funciona enquanto uma ambivalente ode à cidade que o acolhe. A sua descoberta recomenda-se e corre o risco de ser tão inquietante como viciante.
E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

quinta-feira, agosto 24, 2006

ESTREIA DA SEMANA: "VOO 93"

Esta semana chega às salas o primeiro filme centrado na tragédia do 11 de Setembro, uma perspectiva sobre os eventuais acontecimentos que levaram a que o voo 93 da United Airlines se despenhasse na Pensilvânia após quatro terroristas terem tentado desviá-lo do seu destino.
Este foi o único dos quatro aviões desviados que não chegou a atingir o alvo, e é nele que o britânico Paul Greengrass para a realização de "Voo 93" (United 93).
Outras estreias:

"Garfield 2", de Tim Hill
"Loucos e Apaixonados", de Petter Næss
"O Mito", de Stanley Tong
"Um Homem na Cidade", de Mike Binder

CIDADE SOBRE PRESSÃO

Para além dos filmes de super-heróis ou das versões de filmes (maioritariamente de terror) orientais, uma das tendências recentes no cinema americano de perfil mainstream tem sido a adaptação de séries televisivas.
Depois de películas como "Os Anjos de Charlie" ou "Starsky & Hutch", chega a vez de "Miami Vice", a popular série dos anos 80 que marcou uma geração pelo concentrado de acção desbragada, romances sucessivos, cenários ofuscantes e um guarda-roupa não menos expressivo, não esquecendo os inevitáveis e recorrentes flamingos.
Catapultando Don Johnson e Phillip Michael Thomas para ícones dos anos 80, a série tornou-se num peculiar e pouco consensual ponto de confluência entre o kitsh e o cool, sendo agora recuperada duas décadas depois.

Contudo, visto o filme, percebe-se que de "Miami Vice" este pouco mais tem do que o título, a cidade onde a acção se desenrola e os nomes das duas personagens principais, os detectives Sonny Crockett e Ricardo Tubbs. De resto, o que transparece é a personalidade de Michael Mann, o cineasta por detrás do projecto, que oferece aqui mais um retrato das tensões urbanas contemporâneas, com deambulações pelas habituais paisagens nocturnas que marcam (quase) toda a sua obra.

Se no argumento "Miami Vice" não anda muito longe de qualquer outro filme de acção, uma vez que esta história de combate ao narcotráfico vincada por reviravoltas e traições já está vista e revista, torna-se numa recomendável experiência cinematográfica pela forma como Mann trabalha as atmosferas, que à semelhança do que já ocorria em "Colateral" ameaçam transformar-se numa personagem.

Tal como no seu filme anterior, a opção pelas câmaras digitais revela-se uma escolha apropriada, já que o realizador as usa de forma igualmente criativa e desafiante, fazendo deste um incomum blockbuster que parte de uma premissa banal mas resulta num trabalho experimental.
A minúcia e perfeccionismo na captação dos ambientes nocturnos concede ao filme uma vibração atípica, condensando um estilo visual apurado, de contornos negros e sombrios, em tudo antagónicos aos tons reluzentes e garridos da série televisiva.

A envolvência das imagens encontra contraponto na adequada banda-sonora, que mesmo de gosto duvidoso (Mogwai, Moby ou Goldfrapp são boas surpresas, algumas canções nu-metal e latinas nem por isso) faz sentido tendo em conta os ambientes em que "Miami Vice" decorre.
Esta interligação de imagem e som é determinante para a tensão dramática do filme, coadunando-se com a ténue variação emocional das personagens, figuras essencialmente caracterizadas pela solidão e desencanto existencial.

Destas, apenas o par composto por Colin Farrell e Gong Li é explorado com alguma densidade, pois as restantes não são mais do que elementos cuja finalidade é fazer o argumento avançar. Se a relação ambígua e conturbada do casal que opera em facções opostas é suficientemente interessante para conceder peso dramático à película, não deixa de ser evidente a falta de espessura (e de relevância) da personagem de Jamie Foxx, que apesar de co-protagonista não regista nenhum impacto digno de nota.

Esta diluição das personagens nas atmosferas do filme não chega a ser uma falha, dado que Mann volta a provar ser um esteta de excepção, mas no desenlace o destino do detective interpretado por Foxx e da sua companheira arrisca-se a ser mais ou menos indiferente para o espectador, a quem não foram apresentados grandes motivos para se preocupar com o duo.

Para além desta limitação, "Miami Vice" sofre ainda de alguns problemas de ritmo, oferecendo mais de duas horas de interesse desigual, com sequências por vezes demasiado longas ou arbitrárias. Apesar disse desequilíbrio, impõe-se um thriller com uma elegância, sofisticação e inteligência acima da média, confirmando Mann como um cineasta inventivo e tornando-se mesmo num dos seus filmes mais conseguidos. Cinema comercial de recorte superior, a ver (e apreciar) sem preconceitos.

E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

BLINKS & LINKS

Obrigado aos responsáveis pelos blogs Futuro Desconhecido, Multiply Addictions (side project do Spaceboy) e Toca a Arquivar por me blinkarem ;)

quarta-feira, agosto 23, 2006

AMORES DE VERÃO (8): SUGABABES

Este single já tem uns anitos, mas continua fresco. Elas também...

Sugababes - "Hole in the Head"

terça-feira, agosto 22, 2006

(MAIS UMA) VIAGEM AO MUNDO DA DROGA

Do cinema australiano não há grande tradição de estreias em salas portuguesas, mas ocasionalmente vão chegando alguns exemplos dessas paragens. É o caso de "Candy", de Neil Armfield, drama que segue o percurso autodestrutivo de um jovem casal toxicodependente, testemunhando a passagem de uma fase de experimentação e hedonismo para uma dolorosa situação de fragilidade física e emocional.

História de amor atormentada pelas consequências do vício, o filme evita, felizmente, um posicionamento moralista, que poderia delimitar um argumento centrado na dependência das drogas, mas tal não invalida que não seja prejudicado por outros elementos.

Embora não julgue as suas personagens nem apresente respostas fáceis ou tendenciosas aos seus dilemas, "Candy" perde o rumo ao assentar num argumento pouco ambicioso, sem surpresas, que apenas revisita territórios já muitas vezes percorridos noutras películas sobre o mesmo tema.
O ritmo, não raras vezes arrastado, também faz com que estas duas horas ofereçam níveis de entusiasmo irregulares, assim como algumas sequências vincadas por um dispensável histerismo, com uma gestão dramática de gosto duvidoso (nomeadamente em certas cenas com a família da co-protagonista).

Contudo, "Candy" não deixa de ser uma experiência possuidora de alguns méritos, com destaque para a direcção de actores, onde constam Heath Ledger (competente, a seguir as boas pistas deixadas em "O Segredo de Brokeback Mountain") e Abbie Cornish (a actriz do belíssimo e também australiano "Salto Mortal", mais uma vez espontânea e luminosa), que compõem o par principal, ou Geoffrey Rush, num pequeno mas relevante papel.

A realização de Neil Armfield revela-se inspirada a espaços, como na sequência inicial, no parque de diversões, ou nos momentos mais agonizantes vividos pelo casal, e a união entre a imagem e a música (a cargo de nomes como Tim Buckley, Amon Tobin ou Soul Coughing) proporciona episódios com atmosferas envolventes e palpáveis, num intrigante misto de realismo e onirismo (por vezes próximas das de "Salto Mortal", ainda que não tão conseguidas).

Dificilmente acrescentando algo a uma temática já sobre-explorada, tanto no cinema ou noutros domínios, "Candy" não arrebata mas é uma proposta aceitável, que vale sobretudo pela descoberta de um realizador que poderá fazer melhor no futuro e pelo acompanhamento de dois jovens actores em ascensão. Não é muito, mas também não desmerece alguma atenção.

E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL

LOVE IS ALL

De uma forma ou de outra, miss Love arranja sempre motivo para dar que falar. Este é o mais recente, espero que seja mais auspicioso do que o seu álbum a solo.

segunda-feira, agosto 21, 2006

HEROÍSMO CLÁSSICO

Projecto desde há muito adiado, e tendo já envolvido nomes como Tim Burton ou Nicolas Cage entre eventuais colaboradores, a nova adaptação das aventuras de Super-Homem para o grande ecrã acabou por ser desenvolvida por Bryan Singer, cujos créditos na abordagem dos super-heróis incluíam já os dois primeiros filmes da saga dos X-Men.

Devido à interessante visão do realizador acerca da equipa de mutantes da Marvel, esperava-se que Singer fosse uma escolha acertada para "Super-Homem: O Regresso" (Superman Returns), e se é verdade que a sua entrega e respeito pela personagem transparecem ao longo da película, quando esta termina a sensação dominante é a de que os resultados poderiam ter ido mais longe.

"Super-Homem: O Regresso" não é um mau filme e até está acima da média quando comparado com as restantes adaptações cinematográficas de personagens dos comics, mas a perspectiva de Singer é demasiado reverencial para com os dois primeiros filmes da saga (de Richard Donner e Richard Lester, respectivamente).
A homenagem é simpática e revela humildade, mas limita um pouco o filme e retira-lhe as doses de risco e personalidade que o realizador conseguiu injectar nos seus X-Men.

Embora pouco ousado, "Super-Homem: O Regresso" convence pois demonstra que Singer conseguiu captar a essência do carismático super-herói, destacando o seu carácter icónico e mítico e apostando num estilo retro larger than life, com um registo mais clássico (mas desencantado) do que, por exemplo, aquele que Chris Nolan adoptou no recente "Batman: O Início".

A escolha do elenco, à partida algo arriscada, revelou-se profícua, já que o quase desconhecido (até agora) Brandon Routh tem a imagem e atitude perfeitos para encarnar tanto Clark Kent como o seu alter-ego, oferecendo uma interpretação sóbria mas expressiva; Kate Bosworth mostra uma inesperada garra, determinação e coragem como Lois Lane e Kevin Spacey exibe a classe habitual no papel de Lex Luthor, compondo com eficácia um vilão que só não é mais entusiasmante porque o argumento não deixa. Também por lá andam uns competentes James Marsden e Parker Posey, esta última numa personagem irritante e dispensável.

A intriga que orienta o argumento é pouco mais do que banal, com uma sequência de acontecimentos bastante previsível, e a narrativa torna-se enfadonha no último terço, com cenas demasiado longas e redundantes, mas felizmente a película contém ainda tensão dramática suficiente de forma a que essas fragilidades não a atirem para a mediocridade, ainda que o balanço acabe por não ir além da mediania.

Um desequilibrado, mas interessante filme de aventuras, "Super-Homem: O Regresso" é um blockbuster com mais alma do que o habitual, emanando uma genuinidade atípica neste tipo de projectos, com acção bem filmada e algumas sequências de uma cativante densidade emocional.
Não chega a ser um filme marcante dentro do género, mas pelo menos, ao contrário de algumas adaptações recentes, também não envergonha a memória das personagens que recupera.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

WHAT IF THE SILENCE LET YOU DREAM?

Não é um disco de Verão, longe disso, mas para ouvir numa noite de insónias quando se fica ligeiramente deprimido por ter de acordar na madrugada do dia a seguir, é o ideal. Refiro-me a este álbum, quanto a mim a obra-prima dos Smashing Pumpkins (opinião pouco consensual, eu sei), que voltei a redescobrir ontem e confirmou-se novamente como um dos discos da minha vida.
Será que Billy e restante banda ainda são capazes de nos dar canções do nível de "Appels + Oranges", "Blank Page", "Crestfallen", "Pug" ou "Daphne Descends" no seu novo álbum? Eu gostava de acreditar que sim...

The Smashing Pumpkins - "Daphne Descends"

sábado, agosto 19, 2006

BARBARIDADES

Também vejo a SIC Notícias todos os dias por dever profissional, por isso não poderia concordar mais com este desabafo.

sexta-feira, agosto 18, 2006

AMORES DE VERÃO (7): DANDY WARHOLS

Boys better?
Há noites mais dandy do que as de sexta?


The Dandy Warhols - "Boys Better"

quinta-feira, agosto 17, 2006

ESTREIA DA SEMANA: "SONHAR COM XANGAI"

Depois do curioso "Bicicleta de Pequim", Wang Xiaoshuai, um dos novos realizadores chineses, está de volta com "Sonhar com Xangai" (Qing Hong/ Shanghai Dreams).
História de amor entre dois adolescentes de famílias bem diferentes durante a China de inícios dos anos 80, o filme foi o vencedor do Prémio do Júri no Festival de Cannes de 2005 e parece ser uma das poucas estreias da semana a merecer o benefício da dúvida. Uma proposta a considerar neste período estival.

Outras estreias:

"Angel-A", de Luc Besson
"Génesis", de Claude Nuridsany e Marie Pérennou
"Imagina Só", de Ol Parker
"Mafioso Quanto Baste...", de Sidney Lumet
"O Rapaz Formiga", de John A. H. Davis
"Revolta-te!", de Jessica Bendinger

quarta-feira, agosto 16, 2006

SE É INDIE, É BOM (?)

Outrora percursor de novas linguagens, formatos e experiências, o cinema independente norte-americano tem vindo, nos últimos anos, a cristalizar códigos que, apesar de muito próprios, já não possuem a capacidade de surpreender que distinguiu alguns dos exemplos desses domínios marginais.

Continuam a haver excepções, é certo, mas "Eu e Tu e Todos os Que Conhecemos" (Me and You and Everyone We Know), primeira longa-metragem de Miranda July, não é uma delas.
Enésimo exemplo de um olhar agridoce sobre o quotidiano dos subúrbios, dominado por personagens à deriva que se entrecruzam acidentalmente, o filme é uma obra curiosa, a espaços inspirada, contudo demasiado irregular, gerando simpatia mas ficando aquém do burburinho internacional que tem suscitado (Grande Prémio da Semana da Crítica, Câmara de Ouro, no Festival de Cannes, e Prémio Especial do Júri em Sundance, em 2005).

Se por um lado tem boas ideias, sobretudo na exploração das personagens mais jovens (o mais novo dos dois irmãos é um achado) e em algumas doses de equilibrada ousadia, "Eu e Tu e Todos os Que Conhecemos" falha quando tenta injectar doses de poesia urbana de cinco em cinco minutos, onde a boa vontade do espectador vai ficando saturada perante certas sequências forçadas ou mesmo constrangedoras (casos da cena "queridinha" do peixinho dourado, da dos sapatos com legendas ou da do beijo no jardim).

O par amoroso que interliga as restantes personagens, e a quem July dedica boa parte do tempo de antena, também não ajuda, já que nem a artista restraída estereotipada (interpretada pela realizadora) nem o vendedor de sapatos em crise existencial são especialmente intrigantes, e muitos dos seus diálogos convidam ao bocejo.

Um mau filme? Não, apenas desequilibrado por tentar parecer ser mais do que aquilo que é, mas que ainda assim vai seduzindo pelo elenco consistente e por algumas cenas menos arty e óbvias, confirmando que July é uma realizadora com potencial.
No entanto, dentro da mesma linhagem indie, os também recentes "Finais Felizes" ou "Os Amigos de Dean" salientam-se como propostas mais prioritárias e conseguidas, assim como mais recomendáveis tanto a idealistas como a cépticos.

E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL

terça-feira, agosto 15, 2006

AMORES DE VERÃO (6): CAT POWER

Porque boa música de praia existe, fica aqui "He War" de Chan Marshall (AKA Cat Power). Até pode ser dedicada a alguém que gosta da Chan, de cats mas não de praia...

BLINKS & LINKS

Obrigado aos responsáveis pelos blogs Hello Rufus, Lid, Private Delusions e Spicka por me blinkarem ;)

segunda-feira, agosto 14, 2006

COMIDA RÁPIDA

Nova proposta de animação da Dreamworks, que gerou há meses o mediano "Madagáscar", "Pular a Cerca" (Over the Hedge) alia às obrigatórias doses de humor uma vertente de mensagem ecológica, apostando num argumento simples mas com uma curiosa sátira ao consumismo.

A premissa parte do final da hibernação de um grupo de animais de um bosque, que ao acordarem se surpreendem quando percebem que o local onde sempre viveram começa a ser ocupado por estranhos e inesperados vizinhos.

Um amigo recente, o guaxinim RJ, explica-lhes que as suas novas companhias são uns seres conhecidos como "humanos" e desde logo causa entusiasmo ao apresentar as potencialidades que estes oferecem, nomeadamente os tentadores e ilimitados armazenamentos de comida.
Contudo, esta auspiciosa descoberta será marcada por episódios conturbados, uma vez que os planos de RJ são mais obscuros do que este dá a entender, e embora a tartaruga Verne, líder do grupo, suspeite das suas intenções, todos os elementos não hesitam em apoiar o novo membro.

Tim Johnson e Karey Kirkpatrick conseguem aqui uma obra que não traz nada de novo à linguagem da animação digital mas não deixa por isso de ser uma agradável surpresa, valendo pelo argumento imaginativo q.b., pelas personagens suficientemente divertidas e algumas sequências carregadas de uma energia contagiante, disparando gags que se adequam tanto ao público infantil como ao adulto.

Explorando por um lado a habitual temática dos laços de amizade e da importância da família a par de questões actuais como a protecção do ambiente ou o materialismo, "Pular a Cerca" tem ainda como mais-valia o sólido trabalho de vozes (a cargo de nomes como Bruce Willis, Steve Carell ou Nick Nolte), e se dificilmente ficará como um marco na animação é, pelo menos, um dos filmes mais divertidos de 2006, que entretém sem insultar a inteligência do espectador.

E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

sexta-feira, agosto 11, 2006

AMORES DE VERÃO (5): LUSCIOUS JACKSON

É sexta-feira, por isso nada melhor do que música de praia para antecipar o fim-de-semana. Assim sendo, fica aqui uma recordação, em formato videoclip, para "Electric Honey", o derradeiro álbum das saudosas Luscious Jackson (mais ninguém acha que a menina do meio é a gémea separada à nascença da Maria Rueff?).

O VIRA-PÁGINAS

Notabilizado por obras como "A Linguagem Perdida dos Guindastes", "Dança de Família", o norte-americano David Leavitt tem desenvolvido na sua escrita complexas reflexões acerca das dificuldades das relações familiares, da inadaptação ou da identidade (onde o carácter sexual tem muitas vezes um papel determinante), questões geralmente abordadas com sensibilidade e subtileza que lhe permitiram tornar-se num dos escritores mais estimulantes das últimas décadas.

"O Corpo de Jonah Boyd" (The Body of Jonah Boyd), editado em 2004, dá continuidade à exploração dessas temáticas e narra a relação de Denny, secretária de um profesor universitário, com a família deste, alicerçando-se sobretudo nos eventos decorrentes de um jantar de acção de graças no final dos asnos sessenta onde um dos convidados, o aclamado escritor Jonah Boyd, perde os manuscritos com material para a sua próxima obra.

O livro centra-se no retrato que a protagonista faz sobre a família Wright, que a acolhe como amiga e confidente mas na qual nunca se sente verdadeiramente integrada, e também na história de suspense que gira em torno do destino dos cadernos de apontamentos perdidos, na qual Ben, o filho mais novo do clã, aspirante a escritor, e Anne, esposa de Boyd, desenvolvem um jogo marcado pela manipulação e ambição durante anos.

Através dos comentários de Denny (a narradora), Leavitt oferece perspectivas acerca das contingências da célula familiar a par de outras dedicadas ao acto da criação artística, em particular da marca autoral, do plágio ou das origens do talento.
Esta combinação torna "O Corpo de Jonah Boyd" numa obra intrigante ao início, mas acaba por revelar-se algo frustrante.
A caracterização da família Wright não só não acrescenta muito às de outras famílias que Leavitt já criou como fica consideravelmente abaixo destas, uma vez que as personagens não são muito envolventes nem sequer exploradas com a tridimensionalidade habitual no autor.
Há momentos conseguidos, mas o livro nunca permite que os Wright, exceptuando Ben, sejam mais do que figuras sem grande espessura e cujo rumo dificilmente inquietará o leitor.

Outro problema são as peripécias que envolvem os textos de Boyd, que à partida prometiam uma narrativa surpreendente mas apenas enveredam por domínios mais previsíveis do o que se esperaria num trabalho do habitualmente ousado Leavitt, despoletando ainda um desenlace forçado para a protagonista.

Desapontante e pouco inspirado, "O Corpo de Jonah Boyd" não chega a ser um tíulo desprovido de méritos, pois a escrita de Leavitt mantém-se absorvente e acessível, mas apesar de momentos com observações oportunas a ausência de risco do resultado geral é evidente.
Assim, este não chega a ser um mau livro mas fica limitado a um objecto menor na obra do autor, a milhas da memorável ressonância emocional de um "Enquanto a Inglaterra Dorme" ou mesmo de títulos mais modestos, mas consistentes, como "Equal Affections" ou "O Vira-Pautas". Moderadamente interessante para os seguidores do escritor, contudo longe de constar entre as melhores portas de entrada para aqueles que pretendam conhecê-lo.
E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL

quinta-feira, agosto 10, 2006

ESTREIA DA SEMANA: "SUPER-HOMEM: O REGRESSO"

Aquele que é, provavelmente, o super-herói mais famoso de sempre regressou às aventuras na sétima arte e chega hoje a salas nacionais.
"Super-Homem: O Regresso" (Superman Returns) narra as peripécias de Clark Kent e do seu alter-ego após os acontecimentos decorridos na segunda adaptação cinematográfica, realizada por Richard Lester em 1980, e foca o retorno do protagonista à Terra após cinco anos de exílio, onde descobre que muito mudou durante a sua ausência.
Desta vez é Bryan Singer que ocupa o cargo de realizador, o que é especialmente promissor tendo em conta os resultados que conseguiu com a passagem dos X-Men para o grande ecrã, e o elenco conta com Brandon Routh, Kate Bosworth e Kevin Spacey nos papéis principais.

Outras estreias:

"A Poeira do Tempo", de Robert Towne
"Desastre", de Roy T. Wood
"Os Amantes Regulares", de Philippe Garrel

FEBRE DE QUARTA À NOITE

Featuring: "Miami Vice", candidato a filme mais cool do ano (e confirma-se, é mesmo bom, Mann não desiludiu), e não menos cool foi o encontro acidental, mas muito bem-vindo, com a jazz session de tributo a Coleman Hawkin no Bicaense Café. Só houve um senão, ter dormido duas horas e meia esta noite, mas o programa e a companhia compensaram. A repetir, ok par, sunday e space (nice meeting you)?

quarta-feira, agosto 09, 2006

AMORES DE VERÃO (4): BECK

Hey, my sun-eyed girl

Beck - "Girl"

CRIME E CASTIGO

À partida, e tendo em conta o trailer e restante material promocional, "Há Dias de Azar..." (Lucky Number Slevin) não parecia ser mais do que um blockbuster igual a tantos outros, que pouco ou nada acrescenta ao cinema ou a quem o vê, aparentando ser mais um concentrado de sequências de acção acompanhadas por alguns one-liners supostamente cómicos.

No entanto, e como por vezes as primeiras impressões enganam, esta película de Paul McGuigan consegue ser mais inventiva e imprevisível do que grande parte dos produtos do género, mérito de um argumento que de início se limita a seguir uma segura rotina mas que a meio do filme aposta numa arriscada, mas bem sucedida, mudança de registo, habilitando-se a retirar o tapete debaixo dos pés aos espectadores mais incautos.

Se o argumento é engenhoso, "Há Dias de Azar..." convence também em praticamente todos os outros aspectos, seja na realização e montagem fluídas q.b., capazes de gerar uma atmosfera carregada de coolness e energia cinética sem enveredar por um enjoativo estilo de videoclip; na construção das personagens, que apesar de esquemáticas se adaptam com eficácia a um enredo onde a vingança se interliga com o humor; ou na direcção de actores, pois o elenco é muito equilibrado e proporciona alguns desempenhos deliciosos por parte de gente como Morgan Freeman, Ben Kingsley, Bruce Willis, Stanley Tucci, Lucy Liu e Josh Hartnett, este último na pele do azarado protagonista que se vê envolvido num conflito entre dois chefes do submundo nova-iorquino.

De resto, os frequentes flashbacks não se tornam cansativos nem incongruentes, devido a um final que consegue atar com competência as pistas que vão sendo lançadas, e os diálogos são certeiros e irónicos, originando uma dose generosa de gags.
O filme só falha para quem levar demasiado a sério a moral de algumas personagens, ainda que "Há Dias de Azar..." pretenda (e ainda bem) ser mais um consistente entretenimento pipoqueiro do que um estudo psicológico sobre os abismos da esfera humana.

Longe de essencial, "Há Dias de Azar..." é contudo um blockbuster bastante satisfatório, com uma inteligente mistura de suspense e humor e reminiscências (mais do que assumidas) de filmes de Hitchcock, Tarantino e das aventuras de James Bond.
A par de "Kiss Kiss Bang Bang" e "Medo de Morte", é uma das refrescantes surpresas de 2006 capaz de dar novo fôlego aos códigos do crime noir, e tal como nesses casos a vertente comercial não anula, felizmente, a criativa.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

terça-feira, agosto 08, 2006

NÃO HÁ COINCIDÊNCIAS

Estreando-se na realização com "O Oposto de Sexo" (1998), uma comédia negra apenas curiosa, e apresentando uma banal segunda obra, "Bounce - Um Acaso com Sentido" (2000), drama com Ben Affleck e Gwyneth Paltrow, o norte-americano Don Roos consegue, na sua terceira longa-metragem, "Finais Felizes" (Happy Endings), o seu trabalho mais interessante até à data.

Caracterizado por alguns como um sucedâneo de "Magnolia" devido à sua estrutura narrativa em mosaico, que se debruça sobre as vidas entrecruzadas de diversas personagens, a película fica-se por aí nos paralelismos com essa obra de Paul Thomas Anderson (que, de resto, nem foi pioneira em filmes com esses moldes), uma vez que adopta um tom mais espirituoso e mordaz, complementando o drama com uma carregada dose de humor ácido.

Centrado em três personagens, que por sua vez se cruzarão entre si e com muitas outras, "Finais Felizes" propõe um perspicaz e por vezes surpreendente olhar sobre as relações humanas, sejam estas amorosas ou familiares, onde a mentira, a manipulação e a traição coabitam com a cumplicidade, o perdão e a redenção.

Embora a maioria das personagens sejam interessantes, o excesso destas obriga a que nem todas sejam exploradas da forma que merecem, ainda que a duração do filme ultrapasse as duas horas (que nunca se tornam cansativas devido ao ritmo vitaminado e envolvente).
O notável elenco ajuda a que as experiências retratadas sejam ainda mais próximas do espectador, através das inquietações de Lisa Kudrow, da obstinação de Maggie Gyllenhaal, do cinismo de Steve Coogan, da rebeldia de Jesse Bradford ou da vulnerabilidade de Jason Ritter, cujos contrastes de personalidades despoletam sequências de uma subtil ambiguidade moral e emocional.

O imaginativo (mas nem sempre oportuno) recurso a legendas que ofecerem informação complementar à acção e a meritória banda-sonora, onde constam canções dos Calexico, Black Heart Procession ou da própria Maggie Gyllenhaal, contribuem também para um balanço bastante positivo, adicionando "Finais Felizes" à lista de filmes a ver neste Verão.
E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

domingo, agosto 06, 2006

AMORES DE VERÃO (3): MADONNA

How could it hurt you when it looked so good?
Abaixo, o vídeo da remistura de Jacques Lu Cont para "Hollywood", e aqui uma versão punk-esgrouviada do tema pelos brasileiros Cansei de Ser Sexy (embora pareça ter sido feita pelas Le Tigre).

sábado, agosto 05, 2006

VIDAS PRIVADAS

Segundo filme da catalã Isabel Coixet estreado em salas nacionais (o primeiro foi “A Minha Vida Sem Mim”, em 2004), “A Vida Secreta das Palavras” (The Secret Life of Words) é um contido drama onde se entrecruzam os percursos de Hanna, uma jovem misteriosa que vai trabalhar para uma plataforma petrolífera como enfermeira durante as férias, e de Josef, o doente que está entregue aos seus cuidados, vitimado num incêndio nesse local.

A solidão e os fantasmas de acontecimentos passados surgem como elo unificador dos dois protagonistas, cuja relação começa por ser difícil devido à forma díspar como ambos agem: ela recolhida num silêncio irascível, ele apoiado em recorrentes comentários espirituosos ou mesmo jocosos.

Aos poucos, Coixet vai tecendo uma cumplicidade crescente entre estas duas figuras, entregues uma à outra no meio do vazio que as envolve. Revelando um apurado sentido de observação na forma como aborda as peculiaridades dos sentimentos e relações, a realizadora impõe ao filme um ritmo lento, mas apropriado aos contornos desta história, gerando uma aura intimista e envolvente.

Os cenários, quase sempre apenas os da plataforma petrolífera, reforçam a carga minimalista da película e o modo como a câmara os capta ajuda a consolidar uma atmosfera singular, um limbo espacial habitado por outcasts desintegrados.
Contudo, quando a acção deixa este espaço, “A Vida Secreta das Palavras” vai perdendo a subtileza e unicidade que mantinha até então, entrando em domínios mais convencionais pelo modo algo desapontante como desenvolve o relacionamento dos protagonistas e por um meritório, mas algo forçado, carácter panfletário de mensagem política/social.
Outro problema é a dispensável voz off, intrusiva e desnecessariamente explicativa, que interrompe fulcrais sequências marcadas pelo silêncio.

Estas fragilidades retiram à película alguma da sua força, mas não diluem a boa impressão que Coixet deixa nem as soberbas interpretações de Sarah Polley (uma das mais talentosas e subvalorizadas jovens actrizes de hoje, magnífica na meticulosa composição da lacónica Hanna) e Tim Robbins (carismático num papel difícil, ainda que perca o fôlego já no final), assim como não impedem que “A Vida Secreta das Palavras” seja ainda um filme adulto, belo e honesto, a merecer atenção e entrega.
E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

sexta-feira, agosto 04, 2006

PRESSÃO ALTA

Estava eu no final desta manhã a ouvir "Apply Some Pressure", dos Maxïmo Park, quando parei num sinal vermelho e, poucos segundos depois, um camião “aplicou”, literalmente, “alguma pressão” ao meu carro, quando embateu neste sem sequer travar.
Resultado: traseira do automóvel esmagada (e de difícil reparo, logo depois do carro ter passado na inspecção dois dias antes e de ter tido remodelações há três), dores na coluna e direito a transporte de maca para o Hospital, seguido de estadia no mesmo ao longo de toda a tarde para exames.
Felizmente, tirando algum mau-estar inicial devido ao impacto, saí praticamente incólume, e embora tenha sido um último dia de férias longe de idílico é certo que poderia ter sido bem pior.
Primeiro uma televisão, agora um camião, por este andar ou me torno eremita ou qualquer ainda dia recebo uma visita indesejada de um arranha-céus ou de um avião (síndrome Donnie Darko?).

MARÉS VIVAS

Remake do filme-catástrofe “A Aventura do Poseidon”, realizado por Ronald Naeme em 1972, “Poseidon” começa com o naufrágio de um navio de luxo em alto mar e segue depois as peripécias dos poucos sobreviventes, que terão de trabalhar em conjunto para saírem vivos do barco antes que este fique totalmente submerso.
Esta premissa simples e pouco ambiciosa orienta uma película que, longe de inovadora, consegue ser uma aceitável proposta de um género já pouco revisitado.

O realizador de serviço, Wolfgang Petersen, tem cimentado um percurso algo indistinto dentro do cinema de acção, contando com alguns sucessos comerciais como os banais “Na Linha do Fogo” (1993) e “Air Force One” (1997), ou o mais prestigiado “Das Boot” (1981). Não será “Poseidon” que lhe permitirá ultrapassar o estatuto de tarefeiro por vezes competente, mas pelo menos eleva-se acima de muitos blockbusters ultrajantes que costumam disseminar-se pelas salas com a chegada do Verão.

É certo que o argumento é esquemático e previsível, que as personagens não possuem grande espessura e que não há aqui cenas de antologia que tornem o filme digno de nota, mas Petersen é capaz de gerar uma obra que, mesmo com estas óbvias limitações, é interessante de seguir.
Uma eficaz gestão do ritmo, com escassa palha narrativa, um trabalho de câmara que, não sendo muito inventivo, é feliz na implementação de uma atmosfera claustrofóbica e sufocante, e efeitos especiais pouco intrusivos mas com algum sentido de espectáculo concedem a “Poseidon” alguma solidez, que compensam a estrutura de videojogo do argumento (tão maquinal como os espaços em que a acção decorre) ou o desperdício de actores como Richard Dreyfuss ou Josh Lucas.

Não é muito, mas acaba por se mais do que se esperaria, oferecendo ocasionais boas sequências de suspense onde são testados os limites físicos e psicológicos das personagens (embora a abordagem destes seja superficial).
Um pequeno entretenimento a considerar, ainda que dentro do género Petersen apresente um objecto uns furos abaixo de “O Dia Depois de Amanhã”, do também alemão Roland Emmerich, que permanece ainda como o melhor filme-catástrofe dos últimos tempos.
E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL

quinta-feira, agosto 03, 2006

AMORES DE VERÃO (2): KELIS

Ai Kelis, Kelis...

Kelis... good stuff, indeed...

ESTREIA DA SEMANA: "MIAMI VICE"

Miami Vice

Numa semana de poucas estreias, a chamada de atenção vai para "Miami Vice", o regresso de Michael Mann à realização depois de "Colateral". Adaptação para o grande ecrã da série homónima, é protagonizada por dois dos actuais nomes quentes de Hollywood, Colin Farrell e Jamie Foxx. Se seguir os moldes das aventuras televisivas e dos filmes a que o cineasta nos habituou, é um concentrado de estilo e energia, ideal para estes dias de silly season.

Outras estreias:

"Capuchinho Vermelho: A Verdadeira História", de Cory Edwards
"Romance & Cigarros", de John Turturro

quarta-feira, agosto 02, 2006

COMÉRCIO EMOCIONAL

Com um olhar ácido e nada condescendente sobre as relações humanas contemporâneas, interligadas com o consumismo, egoísmo, dependência e hedonismo, “Shopping and Fucking”, do britânico Mark Ravenhill, está em cartaz na Casa d’Os Dias da Água, na Estefânia, até ao próximo dia 6, numa encenação de Carlos Afonso Pereira.

A peça, assente nas experiências de cinco personagens (interpretadas por Anabela Brígida, pelo próprio Carlos Afonso Pereira, Carlos Vieira, Miguel Moreira e Romeu Costa), debruça-se no modo como estas tentam colmatar a solidão e a falta de comunicação, encontrando no consumo a resposta – mas não necessariamente a solução - mais imediata para as suas inquietações e dilemas. Consumo, que, se engloba produtos vários, inclui também as próprias relações humanas, aqui tratadas como mais uma mercadoria, algo meramente utilitário e, em última instância, tão descartável como uma refeição de fast-food ou um chocolate.

Shopping and Fucking

Entre assaltos a lojas, ataques de padrastos sem pudor, desafios de verdade ou consequência, relações a três, jogos de máscaras, conversas em linhas eróticas ou ofertas de ecstasy em discotecas, condimentados pela música de Madonna, Garbage ou Goldfrapp, “Shopping and Fucking” propõe uma dissecação da identidade e das contradições do âmago humano, sendo as conclusões muito pouco esperançosas e redentoras.

As personagens, todas contaminadas por um estado de apatia emocional, são utensílios indefinidos e maleáveis, que vão sendo encarnadas pelo elenco transferindo-se de actor para actor. Estes vagueiam pelas duas salas que acolhem o espectáculo, mantendo-se perto do público mas nunca chegando a interagir com este, contando com poucos adereços e orientando assim a atenção dos espectadores para o texto.

Contando com uma apreciável dose de experimentalismo e desafio pelas opções cénicas pouco convencionais, “Shopping and Fucking” não surpreende tanto na forma como aborda os seus temas, a espaços estimulante mas que como um todo resulta repetitiva e traída pelo excesso de pretensão.
Se por um lado se concentra em questões pertinentes e actuais, torna-se numa peça cansativa uma vez que as personagens nunca chegam a envolver (a frivolidade destas é intencional, mas é preciso mais para lhes conferir tridimensionalidade) e algumas cenas são demasiado herméticas. Ficam as intenções e pontuais momentos inspirados, o suficiente para que o resultado final seja interessante, mas ainda assim falhado.
E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL

terça-feira, agosto 01, 2006

AMORES DE VERÃO: HOLE

Hole

Que tal uma passagem por "Malibu" e recordar o (excelente) último álbum dos Hole, "Celebrity Skin"? Sei que há alguém não vai recusar :P

PAI PARA MIM… MÃE PARA TI

Noah Baumbach conta já com três filmes no seu curriculum de realizador, mas “A Lula e a Baleia” (The Squid and the Whale) é o primeiro que chega a salas nacionais, e ainda bem, uma vez que, a julgar pelo que oferece, revela um cineasta interessante e instiga a curiosidade para a descoberta das suas obras anteriores.

Vencedor dos prémios de Melhor Argumento e Melhor Realização em Sundance e nomeado para o Óscar de Melhor Argumento Original, o filme é um seguro e perspicaz melodrama familiar com toques de comédia (quase sempre amarga), percorrendo territórios próximos dos de alguns realizadores indie – Kenneth Lonergan, Burr Steers ou Wes Anderson, que assume aqui o cargo de produtor - que têm gerado outras dramedies acerca das dificuldades das relações humanas, do crescimento ou de conflitos geracionais.

Se por um lado Baumbach não apresenta nada que se distancie muito da linguagem desses outros nomes, propõe aqui um atento e credível retrato dos laços familiares, apoiando-se numa escrita sólida e complexa, que tanto apela ao riso subtil como a uma inquietante sensibilidade, vincada pelo verismo das situações quotidianas.

A Lula e a Baleia

A acção decorre no Brooklyn dos anos 80 e segue o divórcio de um casal da classe média alta, ele professor universitário e escritor em declínio, ela escritora aspirante, cuja separação é recebida pelos dois filhos adolescentes num misto de surpresa e angústia, e desde logo cada um toma partido de um dos seus progenitores.

Com base nesta premissa, Baumbach constrói um conseguido estudo de personagens, todas ambivalentes, verosímeis e perdidas após a dolorosa desagregação familiar. Especialmente interessante é o desenvolvimento das mais jovens, tanto do filho mais velho, Walt (Jesse Eisenberg), fascinado pela figura paterna, e sobretudo do mais novo, Frank (Owen Kline, excelente revelação), cuja rebeldia da entrada na adolescência é reforçada pela conturbada situação familiar.
As prestações dos veteranos – e subvalorizados - Jeff Daniels e Laura Linney na pele dos pais são outras mais-valias para o filme, que só não surpreendem porque estão ao elevado nível interpretativo habitual, e a cada vez mais omnipresente Anna Paquin contribui também num pequeno mas importante papel de aluna espevitada.

“A Lula e a Baleia” só peca por saber a pouco, dado que os seus 81 minutos de duração impõem que o desenlace seja algo abrupto e não tão bem resolvido como poderia. Fosse uma obra de maior fôlego e talvez constasse entre as mais estimulantes do ano, assim é uma das que vale a pena conhecer mas que deixa a impressão de objecto inacabado.
E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM