terça-feira, julho 31, 2007

UM FIM TEM UM PRINCÍPIO TEM UM FIM

"An End Has a Start" é um título que traduz bem a atmosfera presente no segundo álbum dos Editors, já que a banda vinca, em quase todas as canções do disco, a inevitabilidade de um fim, seja da vida ou do amor, e se isso leva a algumas doses de considerável fatalismo este é por vezes contornado quando se inverte a perspectiva e se enaltece o que de bom pode ocorrer antes desse fim chegar, propiciando ocasionais laivos de esperança.

Nada muito distante do sentimento que já contaminava "The Back Room", portanto, e se as letras continuam a investir num misto de desespero e resignação a sonoridade mantém as linhas (pós)pós-punk, sendo poucas as alterações face ao registo de estreia. Se esse já não era um disco especialmente original, uma vez que reciclava influências de inícios de 80, "An End Has a Start" ainda o é menos, enveredando por um seguro jogo de mais do mesmo que não impede, contudo, que nos Editors se reconheça uma banda capaz de construir boas canções.
Já o haviam demonstrado e agora sedimentam essa impressão, oferecendo temas de onde sobressai um evidente sentido de urgência, não só pelas guitarras incisivas envoltas em atmosferas densas (onde o piano adquire agora maior protagonismo) mas também pelo peso dramático dado às palavras, expressas com convicção e intensidade por Tom Smith, um notável vocalista.

Ao contrário de outros grupos da sua geração - caso dos Kaiser Chiefs, The Killers ou The Bravery -, os Editors não desiludem ao segundo álbum, embora fosse legítimo esperar um pouco mais deles tendo em conta o potencial que "The Back Room" continha.

Não há por aqui momentos à altura do brilhantismo de "Munich" ou "Camera", mas temas como a faixa-título ou "Bones" funcionam ainda como portentos de energia para pistas de dança nebulosas q.b. sem deixarem de conter densidade emocional. A primeira metade do disco está, de resto, acima da média, na segunda é que a composição tropeça e cai, a espaços, em domínios mais acomodados.

Não sendo o grande álbum que se acreditava que a banda pudesse criar, "An End Has a Start" mantém-na como um dos valores seguros do rock actual que melhor transita entre tons épicos e intimistas, expondo paralelismos com os habitualmente comparados Interpol ou mesmo David Fonseca (aqui mais pelo registo vocal).
E só pela sensibilidade desarmante com que Tom Smith canta "Every little piece in your life /Will mean something to someone", em "The Weight Of The World"; "Bones, starved of flesh /Surround your aching heart /Full of love", em "Bones"; ou "How can you know what things are worth /If your hands won't move to do a day's work?" em "When Anger Shows", percebe-se que este não é um grupo qualquer. Espera-se, por isso, que o seu fim não chegue tão cedo.


E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM


Editors - "Smokers Outside the Hospital Doors"

segunda-feira, julho 30, 2007

PRODUTO DO BOM

Neste caso, "Erva" (ou Weeds, no original), série que estreou discretamente na RTP2 na segunda-feira passada. Mantendo um bom equilíbrio entre drama e comédia, segue o dia-a-dia de uma mãe que, depois de ficar viúva, encontra no tráfico de marijuana a mais próspera forma de subsistência, actividade que contudo lhe traz alguns problemas de consciência e não só.
Com um olhar mais cru e seco sobre os subúrbios norte-americanos do que a comparável "Donas de Casa Desesperadas", "Erva" começou bem, com dois episódios marcados por uma escrita perspicaz e sem rodeios e um elenco em forma que inclui Mary-Louise Parker ou Elisabeth Perkins. Parece ser série a acompanhar, com mais dois episódios emitidos hoje pelas 22h40, e corre o risco de causar vício.

sábado, julho 28, 2007

3... EXTREMOS

"Taxidermia", terceira longa-metragem do húngaro György Pálfi, é contudo a primeira a estrear em salas nacionais. Distinguido com a nomeação para o Grande Prémio do Público na mais recente edição do Fantasporto, o filme permite desde logo atestar a singularidade do seu autor, sendo uma das experiências cinematográficas mais atípicas e desconcertantes do ano, mas infelizmente isso não o torna num título especialmente recomendável, ou pelo menos não pelos melhores motivos.

Em foco estão três gerações de uma família húngara, numa história que se inicia com o dia-a-dia do avô, continua com o do pai e termina com o do neto. O primeiro destes é um soldado da Segunda Guerra Mundial, que perde mais tempo com as suas práticas sexuais (bastante sui generis, diga-se) do que com a missão bélica a que aderiu. O segundo torna-se cada vez mais obeso ao participar em concursos de ingestão de doses massivas de comida, e o seu peso adquire valores tão elevados que, ao atingir a velhice, o seu corpo ocupa quase todo o espaço da sua sala de estar (de onde não consegue sair). Ironicamente, o seu filho tem uma figura esguia mas vive também um quotidiano alienado, movido pela obsessão por técnicas de embalsamamento (prática que estará na origem do título do filme).

Objecto estranho e inclassificável, "Taxidermia" incorpora uma bizarria comparável à de alguns títulos de David Lynch, overdoses de grotesco que fazem a série televisiva "Liga de Cavalheiros" parecer um programa de escuteiros e uma incisão temática nas mutações do corpo que não andam longe da filmografia de Cronenberg.
Elementos sugestivos, mas que que aqui não funcionam de forma especialmente convincente, uma vez que Pálfi insiste em presentear o espectador com sequências de um exibicionismo mórbido de questionável pertinência. Não são poucas as cenas capazes de revirar os estômagos mais fortes, e se ao início essa atitude arrojada e provocadora até proporciona alguns suculentos, ainda que inconsequentes, momentos de humor negro, cedo cai na piada de mau gosto pelo cansativo (e enjoativo) efeito de repetição em que o filme mergulha (e no qual se afoga).

Reconheça-se que o realizador é hábil na construção de uma atmosfera perversa e barroca, e não faltam aqui momentos com uma força visual que por vezes impressiona, fruto de uma realização imaginativa (como a sequência da banheira) e contrastes cromáticos de assinalável eficácia. É pena que sejam utilizadas numa obra de irrespirável ambiente niilista, com um desfile de situações insólitas onde o choque gratuito parece ser o único fim em vista, anulando qualquer investimento emocional nas personagens.

Para o melhor e (sobretudo) para o pior, "Taxidermia" é um daqueles filmes de que dificilmente se sai indiferente, e o que repugna e afasta uns poderá ser o que leva outros a fazerem deste um candidato a título de culto. Espera-se, no entanto, que o próximo trabalho de Pálfi seja menos desregrado e aproveite de modo mais entusiasmante o rigor estético que aqui se evidencia.

E O VEREDICTO É: 1,5/5 - DISPENSÁVEL

quinta-feira, julho 26, 2007

NOITE DE ESTREIA

A estreia em palcos portugueses já era aguardada pelos que conheciam os seus discos a solo ou mesmo antes disso, com a banda 'Til Tuesday, embora muitos dos que a acolheram ontem no Coliseu de Lisboa provavelmente só a tenham descoberto com a banda-sonora do filme "Magnolia", de Paul Thomas Anderson, que a tornou mais mediática em 1999.
O acréscimo de popularidade não parece ter comprometido, contudo, o percurso criativo de Aimee Mann, cantora e compositora que demonstrou ao vivo a sobriedade, modéstia e consistência evidente nos álbuns.

Acompanhada por outros músicos, que iam trocando de instrumentos - piano, baixo, guitarra, bateria e sintetizadores -, a autora de discos aplaudidos como "Bachelor No. 2" ou "Lost in Space" proporcionou uma interessante revisão de carreira, alternando temas óbvios com outros menos esperados e trazendo na bagagem algumas surpresas, como composições inéditas do seu novo trabalho a editar este ano. Foi o caso de "31 Today", que apesar de desconhecida pelo público não deixou de ser bem acolhida, como aliás o foram todos os temas do alinhamento.

Tendencialmente plácido e contemplativo, o concerto ancorou-se em canções onde as palavras contam, ou não fosse Mann uma contadora de histórias por excelência, e o Coliseu foi um cenário apropriado para que estas ganhassem ressonância perante um público que, apesar de vasto (a sala não esgotou, mas estava bem preenchida), permaneceu atento e dedicado, contribuindo para que se fosse edificando uma atmosfera intimista e acolhedora. A protagonista também fez por isso, convencendo pela brilhante e seguríssima forma vocal e pela postura afável, trocando algumas palavras com os fãs, muitas destas de agradecimento.

Entre a folk, a indie pop e mesmo o alternative country, o espectáculo decorreu de forma sempre competente, ainda que por vezes se tenha aproximado da monotonia, dadas as fortes semelhanças de algumas canções e do tom agridoce que domina a maioria destas. Curiosamente, foi a partir de uma falha em "Momentum" (nunca tocado antes ao vivo), a meio do concerto, que o ambiente se tornou mais dinâmico e que o alinhamento abraçou domínios de maior eclectismo.
De qualquer forma, um espectáculo com temas como "You Do" ou "Save Me" interpretados de forma sentida dificilmente correria mal, e nos dois encores registaram-se os melhores momentos, tanto com a discreta e belíssima "Red Vines" ou a igualmente recomendável "Humpty Dumpty", como com a inevitável "Wise Up" (talvez a mais aguardada) e, por fim, "Deathly", que fechou em alta um concerto algo desigual mas que ainda assim se arriscou a deixar saudades.

Antes de Aimee Mann, o Coliseu recebeu os Sean Riley & The Slowriders, banda de Coimbra cujas canções entre a folk e o rock alternativo foram bem recebidas pela considerável faixa de espectadores já presente durante a sua actuação.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM


Aimee Mann - "Calling It Quits"

ESTREIA DA SEMANA: "OS SIMPSONS: O FILME"

Após vinte anos de presença nas televisões (e um pouco por todo o lado), a família amarela mais famosa do mundo chga finalmente ao grande ecrã. "Os Simpsons: O Filme" (The Simpsons Movie), de David Silverman, é uma aventura de Homer, Marge, Bart, Lisa e Maggie em formato XL, que mesmo não indo muito além de um episódio longo merece ser vista numa sala de cinema. E atenção que vale a pena ficar até ao fim dos créditos.

A outra estreia:

"Bug", de William Friedkin


Trailer de "Os Simpsons: O Filme"

terça-feira, julho 24, 2007

MAGIA, CONSPIRAÇÕES E REFORMA EDUCATIVA

A saga do aprendiz de feiticeiro mais famoso do mundo terminou finalmente na série de livros que lhe deu origem, uma vez que "Harry Potter and the Deadly Hallows", o sétimo e último volume, chegou recentemente às lojas. Já o grande ecrã recebeu "Harry Potter e a Ordem da Fénix" (Harry Potter and the Order of the Phoenix), a quinta aventura da popular - e muito rentável - personagem da inglesa J.K. Rowling, que ficará como um dos maiores fenómenos da década a abranger um público dos 7 aos 77 (pelo menos).

Depois de Chris Columbus, Alfonso Cuarón e Mike Newell terem adaptado episódios da saga, desta vez a tarefa foi entregue a David Yates, realizador britânico com experiência na televisão. Essa mudança pouco altera, contudo, o tom, o estilo e o formato do filme quando comparado com os anteriores, pois tal como esses não esconde as suas bases literárias, sendo demasiado expositivo e mantendo uma por vezes pouco fluída estrutura episódica.

O início e o desenlace são especialmente paradigmáticos dessa situação, já que as primeiras cenas são continuações directas de "Harry Potter e o Cálice de Fogo", logo quem não o viu corre o risco de demorar algum tempo a familiarizar-se com os acontecimentos. O final mantém a tendência, deixando uma inevitável porta aberta para o filme seguinte. No entanto, "Harry Potter e a Ordem da Fénix" supera bem estas obrigatórias limitações estruturais, e ainda que faça parte de uma história mais ampla esta aventura consegue valer por si, mesmo que não esteja imune a alguns desequilíbrios.

Parte do interesse advém do facto da saga adoptar aqui tonalidades mais negras e sombrias, característica que se tem imposto progressivamente à medida que o protagonista vai crescendo. Harry sofre agora o turbilhão emocional da adolescência, que nem é o seu principal problema tendo em conta que é encarado com desconfiança por grande parte da comunidade dos feiticeiros, sendo poucos os que acreditam no seu encontro e confronto com Lorde Voldemort (ocorrido no filme antecessor).
Mais solitário e ostracizado do que nunca, torna-se num outcast e adopta uma atitude defensiva que, num primeiro momento, o faz recusar mesmo um contacto próximo com os seus amigos de sempre, Ron e Hermione.

A atmosfera adensa-se quando uma nova professora é enviada pelo Ministério da Magia para a escola de Hogwarts, alterando radicalmente as políticas de ensino e impondo um rigoroso sistema mantido a pulso de ferro. Uma das principais alterações do programa passa pela proibição do ensino de medidas de auto-defesa aos alunos, tornando-os inúteis face às ameaças de Voldemort e seus aliados, o que leva a que Harry se encarregue dessa tarefa assumindo, clandestinamente, o papel de mentor de alguns colegas.

"Harry Potter e a Ordem da Fénix", sem inovar muito face ao que a saga já apresentou no cinema, não deixa de ser eficaz na abordagem aos dramas do crescimento, explorando a difícil travessia na busca de autonomia ou as consequências da rigidez e intolerância levadas ao extremo, vincadas pela adesão ou fuga às normas instituídas. O lado negro do protagonista, que começa a insinuar-se, ajuda a que se combata algum maniqueísmo, e funciona mesmo não sendo inesperado nem original - nos últimos tempos o mesmo sucedeu, por exemplo, a Frodo em "O Senhor dos Anéis — O Regresso do Rei" ou a Peter Parker em "Homem-Aranha 3".

O elenco continua a conjugar veteranos de luxo - Gary Oldman, Alan Rickman, Emma Thompson ou Helena Bonham Carter - com novos talentos - em particular o trio Daniel Radcliffe, Rupert Grint e Emma Watson -, e só é pena que o excesso de personagens leve a que alguns dos primeiros tenham pouco para fazer. A excepção fica por conta de Imelda Staunton, que tem tempo para brilhar e inquietar na pele da austera e muito british professora Umbridge, uma bem-vinda adição ao elenco.
Visualmente continuam a registar-se por aqui alguns pequenos prodígios, com cenários e adereços irrepreensíveis que traduzem um universo coerente, onde a fantasia é privilegiada mas nunca vítima de devaneios gratuitos. Os efeitos especiais são, de resto, utilizados mais em função de pequenos detalhes deliciosos (como os gatos nos bibelots) do que em cansativas sequências exibicionistas.

Sendo um dos mais satisfatórios títulos da saga, "Harry Potter e a Ordem da Fénix" padece contudo de um excesso de palha narrativa, acusando alguma dispersão e tornando-se arrastado a espaços. Os momentos mais acelerados são os finais, que inversamente pecam por serem demasiado abruptos e encerram estas quase duas horas e meia de forma pouco surpreendente.
O balanço é ainda positivo, e mesmo que não tenha a relativa carga de novidade dos episódios inciais esta quinta aventura supera-os aos conseguir uma maior densidade emocional, mergulhando no âmago do protagonista e alargando a sua rede de obstáculos.
Não possuirá muitos trunfos que permitam converter quem nunca se deixou cativar pelo jovem feiticeiro, mas também não dá motivos para que os que o seguem o coloquem em causa. Pelo contrário, comparando com o declive qualitativo que outras sagas enfrentaram nas terceiras partes, esta mantém um equilíbrio apreciável novamente registado na quinta, mesmo que ainda não tenha saído daqui nenhum grande filme - e a julgar pelo sucesso comercial até agora, nem será preciso.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

segunda-feira, julho 23, 2007

#1 CRUSH

Porque hoje foi editado "Absolute Garbage", o best of da banda que, além dos singles obrigatórios, inclui remisturas (dos Massive Attack, UNKLE, Felix da Housecat, Fun Lovin' Criminals ou Neptunes), deixo aqui dois videoclips. O primeiro, "Vow", foi o single de estreia do grupo de Shirley Manson, já no longínquo ano de 1995; o segundo é uma remistura não-oficial de "Androgyny", e daquelas que superam largamente o original.
E pronto, lá se encontrou mais um pretexto para mais um post sobre os Garbage (que afinal interromperam o "intervalo" e já estão a preparar o quinto disco, com edição prevista para 2008) :)



Garbage - "Vow"

Garbage - "Androgyny (DJ Lee Hermaphrodite Mix)"

domingo, julho 22, 2007

O VIZINHO ACIDENTAL

"No Mundo das Mulheres" (In the Land of Women) marca a estreia na realização de mais um elemento do clã Kasdan, Jon, depois do seu pai, Lawrence ("Os Amigos de Alex", "Noites Escaldantes", "O Turista Acidental") e do irmão, Jake ("Zero Effect", "Orange County" ou episódios da série "Freaks and Geeks"). E o mínimo que se pode dizer é que o talento parece ser de família, a julgar pela forma hábil como o filme recusa os mecanismos da comédia romântica, ainda que a promoção (e mesmo o título) que lhe foi feita possa levar a que o público o confunda com um banal chick flick. Nada mais errado, este é um melodrama polido mas inteligente e perspicaz, com personagens tridimensionais em situações terra-a-terra, muito longe de fantasias românticas hollywoodescas e facilististas (tendência que aliás até critica nas entrelinhas).

Kasdan relata aqui o percurso de um jovem de 26 anos que, depois de abandonado pela namorada (mais fascinada pela ascendente carreira de modelo e actriz), deixa a sua casa em Los Angeles para passar algum tempo com a sua avó doente, no Michigan, onde tenta encontrar coordenadas para uma nova vida e terminar, finalmente, a escrita de um livro que prepara há muito. Aí, nos intervalos entre a criação de argumentos para filmes softcore - tarefa que lhe vai assegurando alguma independência financeira -, conhece a vizinha da frente, uma serena mulher de meia idade pela qual sente uma empatia imediata, e acaba por sair também com as suas filhas, sobretudo com a mais velha, uma adolescente de carácter firme.

"No Mundo das Mulheres" olha com honestidade e subtileza para as vicissitudes das relações humanas, misturando comédia e drama nas doses certas e alternando sequências ora melancólicas ora espirituosas. A banda-sonora sublinha essa atmosfera agridoce, contando com canções de bandas indie como os Mates of State, OK Go, Rogue Wave ou Kingsbury Manx. Também os diálogos, credíveis e vivos, contribuem muito para situações que nunca são forçadas, e as personagens exibem imperfeições mas não deixam de gerar empatia, tornando-se rapidamente próximas do espectador.
Junte-se uma realização fluída e atenta aos detalhes da vida nos subúrbios, assim como um elenco em estado de graça, onde tanto brilham figuras veteranas - Olympia Dukakis, uma avó hilariante, ou Meg Ryan, mãe e esposa à beira do abismo - como estimáveis novos valores - Adam Brody, a confirmar a boa impressão deixada pela série "The O.C. - Na Terra dos Ricos", ou Kristen Stewart, para quem se prevê uma carreira profícua - e não é preciso mais para que aqui se encontre um dos mais belos filmes dos últimos tempos.

Infelizmente, os muitos bons elementos de "No Mundo das Mulheres" não o impedem de perder algum fulgor na recta final, onde Kasdan parece não saber como resolucionar a teia de relacionamentos que foi desenvolvendo - à semelhança do protagonista, que não encontra um desenlace convincente para o seu livro. Não é um grande tropeço, apenas menos satisfatório do que o que o argumento oferece até aí, embora acabe por retirar algum do impacto emocional ao filme, caindo na mediania após um punhado de sequências brilhantes. Este desequilíbrio percebe-se tendo em conta que esta é, afinal, a obra de estreia de Kasdan, mas pelos momentos refrescantes e inspirados que oferece espera-se que seja a primeira de muitas.

E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

BLINKS & LINKS (63)

Obrigado aos responsáveis pelos blogs borra sanitas, BrainDance, Imagens Perdidas, Inconstância Cult e PlayGroundList por me blinkarem, e ao Planet Geek pela proposta de adesão :)


sábado, julho 21, 2007

ESPIRAL DESCENDENTE

Nos meses que antecederam a sua edição, "Year Zero" foi alvo de uma forte campanha promocional empreendida por Trent Reznor, longe das manobras habituais de divulgação de música. O plano passou pela criação de vários sites supostamente relacionados com canções do disco, t-shirts com mensagens que retinham códigos por decifrar ou pelas drives USB que foram sendo deixadas em alguns locais da tour europeia dos Nine Inch Nails, cujos ficheiros incluíam temas nunca disponibilizados antes. O mini-fenómeno alargou-se com o mini-site centrado no álbum, que entre outros elementos tinha um teaser e mais tarde permitiu a audição integral do disco em streaming.

Esta estratégia estava, segundo Reznor, em sintonia com o conceito do quinto álbum de originais do projecto, uma vez que a descodificação das várias pistas lançadas partilhava da mesma aura intrigante que envolve "Year Zero", cujo âmago é uma visão futurista do mundo, em particular dos EUA de daqui a quinze anos. Primeiro tomo de um díptico - a segunda parte tem edição prevista para 2008 -, o disco foca um regime totalitário, vincado por alusões ao "1984" de Orwell, e deixa perpectivas pouco optimistas sobre alguns dos pilares estruturais das sociedades, tecendo críticas a entidades políticas, religiosas ou militares.

Sendo um dos registos dos Nine Inch Nails onde a vertente conceptual surge mais pronunciada, "Year Zero" possuía potencial para se tornar num objecto sugestivo, mas se tematicamente não faltam aqui ideias a nível musical o cenário é menos profícuo. A maioria das composições, além de não ultrapassarem a mediania, pouco trazem de novo à sonoridade da banda, recuperando e mesclando traços de registos anteriores sem no entanto lhes depositarem grande carga inventiva. Tendencialmente mais abrasivas do que as da fase mais recente do projecto, as canções trazem de volta o nível de distorção e crueza de "The Downward Spiral", encontrando-se imersas em texturas experimentais, com a diferença de que agora a electrónica retira primazia às guitarras.

Reznor exibe a habitual minúcia no cut n' paste de samples e loops, tendo reclamado a influência dos primeiros álbuns dos Public Enemy na construção dos tecidos sonoros, e ainda que haja por aqui resultados interessantes ficam muito aquém das superlativas atmosferas conseguidas em "The Fragile".
A produção continua consistente, e outra coisa não seria de esperar dadas as colaborações de Alan Moulder e Atticus Ross (dos 12 Rounds); e as letras revelam, ao contrário do que é habitual na escrita de Reznor, uma perspectiva mais centrada no colectivo do que no individual, deixando para trás alguma auto-indulgência.

Do espectro sonoro emergem sobretudo temas rudes de caução industrial como "Hyperpower!" ou "Survivalism", pontualmente interrompidos por outros mais ambientais onde figuram "Zero-Sum" ou "The Greater Good". Embora a competência nunca chegue a ser posta em causa, são raros os momentos que de facto seduzem, contando-se entre estes "Capital G" (um ataque a George Bush) ou "God Given", sólidas simbioses electrofunk que, mesmo imponentes, estão longe dos clássicos instantâneos que todos os álbuns dos Nine Inch Nails foram capazes de proporcionar.
"Year Zero" arrisca-se a ficar, por isso, como um episódio menor na sua discografia, acusando uma estagnação que já se encontrava no antecessor "With Teeth" mas que aí era compensada por algumas canções de recorte superior. Desta vez, nada é particularmente desafiante, o que se lamenta vindo de um projecto que, até agora, nunca tinha dado nenhum passo em falso.


E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL



Nine Inch Nails - "Survivalism"

quinta-feira, julho 19, 2007

ESTREIA DA SEMANA: "À PROVA DE MORTE"

Os Anjos de Charlie? Josie and the Pussycats?? Naah, são algumas das meninas de "À Prova de Morte" (Death Proof), o novo filme de Quentin Tarantino, que promete disparar reacções díspares. Por aqui recomenda-se, sendo um dos mais esgrouviadíssimos e divertidos do ano, e mesmo que não estreie com "Planet Terror", a outra metade de "Grindhouse", vale plenamente o preço do bilhete. Agarrem-se bem às cadeiras...

Outras estreias:

"Alpha Dog", de Nick Cassavetes
"Nem Contigo...Nem Sem Ti!", de Amy Heckerling
"Os Condenados", de Scott Wiper



Trailer de "À Prova de Morte"

JUNTEM-SE AO CLUBE

No ano em que parece vir cá toda a gente, era estranho os New Young Pony Club, cujo álbum de estreia é um dos melhores rebuçados pop dos últimos tempos, ainda não terem datas marcadas. Situação resolvida, já que foi confirmada a presença da banda no festival Paredes de Coura, a 13 de Agosto, complementando um cartaz apelativo que inclui também os Cansei de Ser Sexy, Electrelane, Spoon ou Sonic Youth, entre outros. E se tudo correr como previsto, estarei por lá :)
Como aperitivo fica aqui "Hiding on the Staircase", onde soam descaradamente às Luscious Jackson mas só lhes fica bem:

segunda-feira, julho 16, 2007

O DIA DEPOIS DE AMANHÃ

Los Angeles, 30 de Dezembro de 1999. Os festejos que celebram o final do milénio dominam toda a cidade, mas não se sobrepõem ao clima de tensão vincado pelos crescentes conflitos raciais que se intensificaram após o assassinato de um mediático rapper negro. A chave para a descoberta do incógnito homicida poderá estar, contudo, numa das gravações traficadas por Lenny, ex-polícia que se dedica ao comércio ilegal de registos de memórias que são reutilizados por quem está disposto a pagar para aceder a experiências visuais e sensoriais de terceiros. Lenny é, de resto, um dos principais utilizadores dos produtos que vende, usando-os para reviver momentos que partilhou com a sua ex-namorada Faith, agora amante de um poderoso editor musical.

Este é, em traços largos, o ponto de partida de "Estranhos Prazeres" (Strange Days), realizado por Kathryn Bigelow em 1995 e que, apesar de ter sido um flop comercial, ficou como um dos mais inspirados (e esquecidos) thrillers dos anos 90. Proposta noir de tons fim-de-milénio, o filme decorre em cenários futuristas que não diferem muito dos do mundo actual, afastando-se dos exageros inverosímeis que minam muitos títulos de ficção científica.
O argumento, da autoria de James Cameron (ex-marido da realizadora e que assume aqui o papel de produtor), investe em várias áreas sem perder coesão, indo da abordagem das fronteiras entre domínios reais e virtuais, passando pela xenofobia e paranóia e oferecendo ainda uma sólida base dramática sustentada por uma absorvente e atormentada história de amor em domínios cyberpunk.

Bigelow contorna com mestria lugares-comuns dos filmes de acção, desde logo pela inversão dos papéis masculinos e femininos - Lenny é fisicamente mais frágil do que a sua amiga, a guarda-costas Mace - ou pela escassez de explosões e demais utensílios de parafernália visual, apostando numa sobriedade que se revela indispensável para que surjam aqui muitas cenas de antologia - casos de uma sufocante perseguição automóvel, de sequências de fuga no meio da multidão que celebra a passagem de ano ou dos minutos iniciais, centrados no ponto de vista de um assaltante e filmados sem cortes.

Embora se encontrem aqui muitos momentos memoráveis pela forma como a realizadora constrói sequências de acção, com uma sofisticação e eficácia próximas das de Cameron ou McTiernan, "Estranhos Prazeres" vale igualmente por pequenos milagres de intensidade emocional, de que são exemplo aquele em que Faith interpreta "Hardly Wait", de PJ Harvey, enquanto é observada por um detroçado Lenny, ou muitos diálogos que o protagonista troca com Mace.
Estes dificilmente seriam conseguidos sem a notável dedicação de dois actores, Ralph Fiennes e Angela Bassett, ele equilibrando angústia e acessos espirituosos (e exibindo deliciosos tiques metrossexuais, entrando em sequências de acção de gravata e fato Armani), ela emanando determinação, coragem e lealdade na pele de Mace, a consciência de Lenny (por estas interpretações, ambos mereciam ser requisitados para interpretarem Gambit e Tempestade em "X-Men"). Destaque, ainda, para Juliette Lewis, que compõe uma apropriada femme fatale como Faith, e embora a sua personagem pudesse ser melhor explorada as situações em que brilha no palco já tornam a sua participação inesquecível.

O filme decorre equilibrando um romantismo dilacerado e uma vibrante descarga de adrenalina, e essa difícil combinação atinge o pico na última e fulgurante meia hora, onde a sobrevivência dos protagonistas fica cada vez mais comprometida. Os festejos nocturnos nas avenidas de LA proporcionam um cenário simultaneamente magnético e tenso, e a qualquer momento a celebração pode dar origem ao caos, possibilidade que Bigelow sabe sugerir e desenvolver com elegância visual, sentido atmosférico e um ritmo certeiro. De relevância considerável é também a banda-sonora, que além de PJ Harvey inclui canções de Tricky, Lori Carson, Skunk Anansie (que actuam no filme) ou dos menos recomendáveis Deep Forest.

Lançando bases para temas que seriam reaproveitados em "Existenz", de David Cronenberg, ou mesmo "Relatório Minoritário", de Steven Spielberg, "Estranhos Prazeres" não foi ainda superado por quaisquer sucessores mais ou menos directos, permanecendo como dos filmes mais injustamente idnorados quando se faz a triagem do melhor cinema da década de 90. Não obstante essa subestimação, é sempre um grande prazer revisitá-lo.


E O VEREDICTO É: 4,5/5 - MUITO BOM



Publicidade ao produto de Lenny (teaser do filme)

domingo, julho 15, 2007

OLHÓ ROBÔ!

“Transformers” inaugura aquilo que se prevê ser uma nova saga no grande ecrã, baseada na série de animação seguida por muitos em finais da década de 80. Michael Bay, tarefeiro a quem Hollywood deve alguns dos maiores sucessos pipoqueiros dos últimos anos, aceitou adaptar o conceito para cinema, o que para os fãs da sua câmara estridente e hipertensa é um bálsamo mas arrisca-se a ser uma maldição para todos os que nunca foram adeptos da filmografia do realizador.

De facto, ao longo do filme a marca identitária de Bay é bem evidente, e o que surpreende é que durante boa parte da sua duração isso até nem é necessariamente mau, ou pelo menos resulta melhor o que se esperaria tendo em conta que este é o criador de títulos como “Armageddon” ou “Pearl Harbour”.
“Transformers” arranca até de modo relativamente desacelerado – para os padrões do realizador -, apoiando-se num protagonista que consegue gerar empatia logo após alguns minutos em cena e em sequências onde a energia cinética não atropela tudo o resto. Visualmente há momentos estimulantes, uma vez que os efeitos especiais são os melhores que o dinheiro consegue pagar e, à medida que os robôs vão surgindo, verifica-se que houve um cuidado para que as suas figuras permanecessem fiéis às da série televisiva sem no entanto deixarem de surpreender por uma sofisticação hi-tech que só poderia ser criada hoje (terão sido escassas as limitações de orçamento para a confecção dos CGI).

Mas, como as películas anteriores de Bay tristemente confirmaram (exceptuando o interessante "A Ilha"), uma impressionante sucessão de efeitos especiais não faz um (bom) filme, sobretudo quanto a duração deste é de duas horas e meia. “Transformers” não se sai mal na vertente de entretenimento exibicionista com imagens de fazer cair o queixo, nem aspira ir muito além disso, mas durante o primeiro terço consegue ser um pouco mais, intercalando com eficácia momentos de humor com acção de bom calibre e, por vezes, alguma inesperada dimensão emocional.

Os gags tanto são divertidos e oportunos como toscos e algo forçados, embora estes últimos sejam compensados por algumas cenas memoráveis q.b. que envolvem o jovem protagonista, Sam Witwicky, e o seu recém-adquirido carro, que afinal é o transformer Bumblebee. As peripécias em que a personagem contacta pela primeira vez com os robôs são bem desenvolvidas e originam sequências em que a capacidade de deslumbramento marca não só Sam mas passa para fora do ecrã, fruto de alguns momentos imaginativos e memoráveis (como os do jardim, à noite).

Os méritos são não só do argumento, que dá espaço para que surja alguma sensibilidade, mas também de Shia LaBeouf, jovem promessa que aqui parece já uma confirmação pela espontaneidade que mantém ao longo de todo o filme. Muito longe dos habituais heróis dos filmes de Bay, alia vulnerabilidade, sentido de humor e coragem sem que a mistura pareça fabricada e é a âncora emocional da acção.
O mesmo já não pode dizer-se das restantes personagens, que são irrelevantes, insípidas ou idiotas – em alguns casos tudo em simultâneo -, o que faz com que o seu destino seja mais ou menos indiferente. Dos soldados amestrados pela bandeira norte-americana às figuras femininas que parecem saídas de um desfile de moda, nenhuma tem grande interesse, mas como LaBeouf está quase sempre presente é motivo mais do que suficiente para que se continue a acompanhar o filme. E depois há, claro, os robôs, embora também aqui se registem desequilíbrios – se visualmente são prodigiosos, não exibem muitos sinais de personalidade, sendo as excepções Bumblebee, presença irresistível, e o icónico Optimus Prime, cuja austeridade e sentido de missão correspondem ao que dele se esperava.

Mesmo assim, “Transformers” é um filme que vai valendo a pena durante grande parte da sua duração, embora a sobrecarga de product placement e as péssimas canções nu metal que por vezes infestam a banda-sonora sejam um sério teste à paciência. O maior escorregão dá-se, contudo, nos minutos finais, onde Bay perde o controlo e esforça-se por apresentar o clímax mais espalhafatoso possível. Aí sim, a prioridade é presentear o espectador com sucessões nada modestas de pirotecnia expressas em explosões, tiroteios, fugas e perseguições.

O problema não é apostar em sequências contínuas de acção trepidante – afinal, nem haveria outra maneira de terminar um filme destes -, antes a forma como estas são servidas. A vertiginosa alternância de planos e perspectivas raramente permite que mesmo o espectador mais astuto se aperceba do que está a ocorrer de facto, e o resultado é uma genérica amálgama de desabamentos de prédios, gritaria e lata amolgada. Aqui “Transformers” encosta-se à lógica de jogo de computador e estica a batalha até aos limites do tolerável, tornando-se redundante e maçador, características pouco desculpáveis num filme que não visa mais do que entretenimento.
Pelo menos, e contrariamente a outros títulos de Bay, este não se leva demasiado a sério e reduz bastante a quantidade de cenas lacrimejantes, manipuladoras e patrióticas (denunciando, até, algumas falhas no sistema) e funciona, ainda, enquanto uma interessante aglutinação de referências – por aqui passam “E.T.” e “Guerra dos Mundos”, de Steven Spielberg (um dos produtores do filme); “Carros”, de John Lasseter; “O Gigante de Ferro”, de Brad Bird, ou o sabor nipónico de animes e manga. No entanto, apesar de alguns elementos inesperadamente bem conseguidos, “Transformers” não se livra de ser um daqueles filmes que, passado o efeito novidade do fogo de vista que destila, corre sérios riscos de não resistir a um revisionamento.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

sexta-feira, julho 13, 2007

THE NIGHT TRAIN

Foto: Isa Costa

Só boas surpresas - ou confirmações - nos concertos do Dance Station entre a noite de ontem e a madrugada de hoje, tanto na estação do Rossio (bela escolha) como no Coliseu de Lisboa. Do nervo dos !!! à envolvência dos Air, passando pela extravagância dos Fischerspooner ou pela eficácia dos Digitalism, nenhum desiludiu. Também nenhum esteve, contudo, à altura da performance dos Chemical Brothers, nada menos do que excelente, e que por si só já justificaria o evento. Mais pormenores, fotos e vídeos aqui.



Digitalism no Coliseu de Lisboa

quinta-feira, julho 12, 2007

ESTREIA DA SEMANA: "HARRY POTTER E A ORDEM DA FÉNIX"

Num Verão cinematográfico com vasta oferta de sequelas, não podia faltar mais um episódio da saga do jovem feiticeiro mais famoso do mundo. "Harry Potter e a Ordem da Fénix" (Harry Potter and the Order of the Phoenix), a quinta aventura protagonizada por Daniel Radcliffe, Rupert Grint e Emma Watson, é dirigida por David Yates, realizador oriundo da televisão. Não muda muita coisa face aos anteriores, mas ainda assim este é capaz de ser um dos filmes mais consistentes inspirados nos livros de J.K. Rowling. Aconselha-se a quem gosta ou simpatiza, os restantes poderão continuar a passar ao lado.

Outras estreias:

"Bordertown - Cidade sob Ameaça", de Gregory Nava
"Duplo no Amor", de Francis Veber
"Por Culpa de Fidel", de Julie Gavras



Trailer de "Harry Potter e a Ordem da Fénix"

quarta-feira, julho 11, 2007

TIROS PELA CULATRA

Com argumento assinado por Lars Von Trier, "Querida Wendy" (Dear Wendy) exibe alguns paralelismos com "Dogville", o filme do cineasta dinamarquês que também decorria numa pequena cidade do interior dos Estados Unidos e ia mergulhando nas clastrofóbicas relações da sua comunidade. Desta vez, a realização ficou a cargo do conterrâneo Thomas Vinterberg, outro nome central do movimento Dogma 95 que ganhou algum prestígio com "A Festa" (1998) e perdeu grande parte dele com "O Amor É Tudo" (2003). Não parece ser agora que o reconquistará, num filme sustentado por uma boa premissa que não chega, contudo, para compensar um desenvolvimento atabalhoado.

"Querida Wendy" até arranca relativamente bem, alicerçando-se nas reflexões do protagonista, um jovem solitário e tímido que encontra na posse de uma arma a forma de reforçar a auto-estima. Aos poucos, a sua rede de amigos começa a alargar-se para além de Wendy - a arma, à qual dedica cada vez mais atenção -, encontrando afinidades com outros jovens da povoação, igualmente retraídos, e que adoptam o mesmo processo para aumentarem a confiança em si próprios. Assim, acabam por formar um pequeno grupo denominado Dandies, que preconiza a posse de armas mas não a sua utilização, defendendo acima de tudo ideais pacifistas. A única ocasião em que recorrem a elas é nas sessões de tiro privadas, como meio de desenvolver a disciplina e a concentração, rejeitando ímpetos violentos.

Inevitavelmente, chega o dia em que o cenário se altera e o grupo acaba por estar no local errado à hora errada, entrando em conflito com a polícia devido a um equívoco numa situação que rompe com o ambiente tranquilo que se manteve até então. E é aí que "Querida Wendy" se torna num filme decididamente falhado, caíndo num poço de previsibilidade que alguns desequilíbrios de momentos anteriores já insinuavam.

Von Trier parece ter escrito o argumento tendo em vista uma crítica feroz ao livre porte de arma nos EUA, o que talvez nem resultasse mal caso se preocupasse minimamente com as personagens, dando-lhes algum substrato dramático em vez de as usar como descartáveis instrumentos da sua tese.
Tirando o protagonista, que ainda é alvo de alguma densidade psicológica, nenhum dos elementos dos Dandies vai além do estereótipo loser mais batido e simplista. Mesmo assim, o modo como o argumento os trata no desenlace do filme não deixa de ser arrogante, e sobretudo muito pouco compensador para o espectador que aguentou uma narrativa tão irregular apenas para chegar a um final que se adivinha ao fim de vinte minutos.
A previsibilidade nem é o maior defeito, antes a perspectiva básica e moralista com que o argumentista aborda a questão, confundindo acutilância e sentido de oportunidade com irreverência e violência gratuitas. "Querida Wendy" cai assim num antiamericanismo fácil e preguiçoso, a milhas da subtileza presente em "Dogville".

A narração em off do protagonista, quase omnipresente, é outra opção que em nada contribuiu para a consistência do filme, e se ao início até ajuda a compreender os seus dilemas rapidamente se torna intrusiva. O elenco desperdiça actores como Jamie Bell - aqui muito longe do magnetismo de "Billy Elliot" ou "Os Amigos de Dean" -, Bill Pullman ou Mark Webber, que de resto nunca chegam a ter personagens sólidas para interpretar.

Nos momentos iniciais, "Querida Wendy" chega a sugerir fazer ao western o que o também recente "Brick", de Rian Johnson, fez ao film noir, reformulando e recontextualizando o género através de um elenco jovem e de uma sensibilidade pós-moderna. Mas não, a Vinterberg somente interessa conduzi-lo como mera arma de arremesso aos EUA, e nem o interessante trabalho de realização nem a banda-sonora - à base de canções dos The Zombies - são capazes de disfarçar as debilidades de um filme que, ao ter tantas pretensões de dar um murro no estômago, não consegue mais do que uma série de tirinhos de pólvora seca.


E O VEREDICTO É: 1,5/5 - DISPENSÁVEL

terça-feira, julho 10, 2007

FANTASMAS DO PASSADO

A propósito do novo álbum de Kristin Hersh, vale a pena recordar um dos temas do seu disco de estreia a solo, "Hips and Makers". Aqui fica "Your Ghost", arrepiante colaboração com Michael Stipe, dos R.E.M.:

(ANTI-)ESTRELA VETERANA

Na década de 80, ajudou a construir a reputação da editora da 4AD integrando uma das suas bandas fundamentais, os Throwing Muses. Na de 90, iniciou com "Hips and Makers" (1994) um percurso a solo e deu-lhe continuidade com uma série de outros discos que a distinguiram como uma cantautora a escutar. Já no novo milénio, criou os 50 Foot Wave e redobrou a visceralidade presente no outro grupo do qual fez parte, parcialmente reduzida nos seus álbuns em nome próprio.

Em "Learn To Sing Like A Star", o seu sétimo disco a solo, Kristin Hersh volta a lembrar que ainda é uma das figuras de referência do rock alternativo actual através de um conjunto de canções marcadas por várias facetas do seu percurso.
Cruzando a energia da guitarra eléctrica com a elegância e depuração de violinos, violoncelos, guitarra acústica e piano, a cantora - que toca também grande parte dos instrumentos - propõe uma série de temas sólidos e pessoais, que à consistente arquitectura instrumental aliam a sua expressiva voz. Esta mantém a carga genuína e emotiva, transpirando um timbre peculiar pela qual Hersh sempre se evidenciou, distanciando-se de tentações miméticas de quaisquer estrelas (ao contrário do que os irónicos título e capa do disco sugerem).

A milhas do plástico emo que infecta novas bandas e das doses de depressão sem fim à vista também presente em alguns projectos indie, "Learn To Sing Like A Star" é um álbum onde a mágoa, a melancolia e a desilusão estão presentes mas não como mero efeito postiço ou teatral. São, antes, o reflexo de vivências que se moldam em canções cuja honestidade cativa, relatadas por alguém capaz de dar densidade às palavras.

Nos temas mais dinâmicos, Hersh aproxima-se da matriz sonora dos Throwing Muses, caso de "In Shock", que abre o álbum com rajadas de guitarras, ou "Day Glow", outro testemunho de intensidade. Os momentos apaziguados resultam igualmente bem, em episódios de sensibilidade envolvente como "Nerve Endings" ou "Peggy Lee", estes mais seguidores do trajecto que a cantora tem vindo a sedimentar a solo.

Embora todos se revelem apelativos, não havendo episódios menores a apontar, também não há nenhum que sobressaia, e é esse o problema de "Learn To Sing Like A Star": sendo um bom disco, nunca é atravessado por rasgos de inspiração muito acima da média. Esse aspecto não compromete, contudo, que aqui se encontre um claro depoimento de maturidade, expresso através de canções que, mesmo não vincando pela ruptura, são capazes de despertar uma ressonância emocional digna de registo.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM



Kristin Hersh - "In Shock"

segunda-feira, julho 09, 2007

AS CINCO

Cinco pequenas histórias que em comum têm peripécias em torno do homicídio de uma jovem rapariga - é esta a proposta de “A Rapariga Morta” (The Dead Girl), segunda longa-metragem de Karen Moncrieff, realizadora que passou pela série televisiva “Sete Palmos de Terra” e que se estreou em cinema com “Blue Car”, em 2002.

A experiência na brilhante série de Alan Ball é visível, uma vez que o filme opta pelo drama de tons densos, emanando um magnetismo que origina uma tensão apenas interrompida por ocasionais e muito discretos momentos de humor negro. O tema da morte é também outro forte ponto de contacto, estando na base das situações que as personagens aqui enfrentam. Contudo, apesar de investir nesses mesmos ambientes – mais do que no filme anterior -, Moncrieff não oferece aqui um mero sucedâneo e consegue tecer uma das teias dramáticas mais absorventes de 2007, apresentando uma obra que equilibra inteligência, subtileza e depuração emocional.

O argumento é bem esculpido, mantendo uma aura misteriosa sem no entanto escorregar para os exageros e reviravoltas de um thriller pouco exigente. A realização e montagem merecem também elogios, contribuindo para que “A Rapariga Morta” capte a atenção logo nos primeiros minutos e continue envolvente durante os cinco segmentos que servem de palco às cinco mulheres que Moncrieff observa: a Estranha, a Irmã, a Mulher, a Mãe e a Morta.

Puzzle menos intrincado do que os que se encontram em filmes-mosaico recentes – e que este não chega a ser de facto -, tem ainda a seu favor um magnífico elenco, tanto de protagonistas como de secundários. Rose Byrne, Mary Beth Hurt e Marcia Gay Harden são todas convincentes nos papéis de mulheres muito diferentes mas interligadas pela solidão e busca de respostas, mas Toni Colette e Brittany Murphy ascendem a um nível superlativo - a primeira naquele que é talvez o melhor episódio da película (contracenando com Giovanni Ribisi em algumas das cenas mais inquietantes) e a segunda interpretando a personagem que dá título ao filme com uma espontaneidade e dedicação impressionantes.

Após o promissor, embora irregular “Blue Car”, Moncrieff apresenta agora uma obra mais madura e segura, e só se lamenta não dar mais tempo de antena a algumas personagens, o que em nada compromete que "A Rapariga Morta" seja uma das melhores surpresas do cinema independente norte-americano estreadas este ano.

E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM

sexta-feira, julho 06, 2007

REGRESSO REQUENTADO

Promovida a um dos ícones pop da última década e meia, conhecida pela suas desafiantes mutações de disco para disco e a maior responsável pela inserção da Islândia no mapa musical - não obstante as contribuições dos Sugarcubes, que integrou, e posteriormente de uns Gus Gus ou Sigur Rós -, Björk tem tido um percurso que, apesar de desencadear frequentemente crispadas divisões de opiniões, atestou sempre a marca da sua singularidade no contexto artístico recente.

Com "Volta", esse estatuto não parece sofrer ameaças, uma vez que a unanimidade sai mais uma vez esbatida em torno de um disco que para uns atesta o regresso à (boa) forma e para outros limita-se a recorrer a auto-citações.

De facto, o primeiro single "Earth Intruders" antecipava um retorno às raízes de "Post", o pico de criatividade da cantora, aproximando-se dos ambientes quase industriais e efusivos de "Army of Me" mas condimentando-os com percussões tribais que fizeram dele uma refrescante porta de entrada para o álbum. No entanto, foi um tema enganador, pois "Volta" raramente segue uma via tão imediata e aposta antes em composições mais herméticas e laboratoriais, não muito distantes dos ensaios pouco entusiasmantes do antecessor "Medúlla".

Björk oferece aqui um curioso caldeirão de influências, convocando convidados especiais de todo o globo como os norte-americanos Antony Hegarty e Timbaland - haverá quem não o requisite hoje em dia? -, a chinesa Min Xiao-Ben ou o malinense Toumani, só que infelizmente um bom prato não se faz só a partir da junção de bons ingredientes e com um disco não é diferente. Não se pode acusar a islandesa de falta de ambição, até mesmo pela criação de uma sonoridade específica para as canções do disco que caracterizou como techno voodoo, catalogação interessante mas que, na prática, não parece ter muito mais fundamento do que a também recente nu rave.

O cruzamento de geografias é promissor, o problema é que neste misto de electrónica, jazz, sons orientais, contaminações africanas e pontuais acessos noise a pop fica quase esquecida, e foi através da desconstrução desta que a carreira da cantora viveu os momentos mais inspirados - nos irregulares, mas ousados primeiros três discos a solo -, de onde surgiram algumas canções de génio como "Hyperballad", "Isobel" ou "Joga".

Em "Volta" ainda se registam alguns episódios recomendáveis, embora não tantos quanto se esperaria: "The Dull Flame Of Desire", mesmo que demasiado longa, é uma sóbria canção de amor que nasce do diálogo entre Björk e Antony; enquanto que "Innocence" suporta-se na elasticidade dos beats fornecidos por Timbaland, que se interligam razoavelmente com a voz da islandesa e fazem lembrar "Alarm Call". Outro tema de "Homogenic", "Pluto", vem à memória ao longo do disco, já que "Declare Independence" partilha da mesma atmosfera caótica e distorcida, filha bastarda de uns Nine Inch Nails e Atari Teenage Riot, que surpreende face à calmaria presente nos temas anteriores mas torna-se cansativa ao fim de três ou quatro audições.

Infelizmente, momentos como "Vertebrae By Vertebrae", "Pneumonia" ou "Hope", além de serem demasiado semelhantes entre si, também não são especialmente convidativos, soando mais a esboços minimalistas do que a canções conseguidas e arrastando-se sem irradiar grandes doses de criatividade, vivendo muito dos trejeitos vocais de Björk que, se noutros tempos ainda poderiam considerar-se refrescantes ou exóticos, hoje estão já estafados e previsíveis. "My Juvenile", outro dueto com Antony, resulta igualmente tépido e sem chama, fechando em baixa um disco que não fornece muitos motivos para que se volte a ele.
Nem um desastre completo nem um regresso imponente, este é um álbum desequilibrado, mais seguro do que o anterior "Medúlla" mas que, tal como esse, compromete o lugar da sua autora enquanto figura de proa da música actual.

E O VEREDICTO É:
2/5 - RAZOÁVEL



Björk - "Earth Intruders"

quinta-feira, julho 05, 2007

ESTREIA DA SEMANA: "NO MUNDO DAS MULHERES"

Um jovem escritor parte da California rumo à sua terra-natal, Detroit, após ser abandonado pela namorada. Lá, enquanto cuida da avó doente, conhece uma mulher mais velha e as suas duas filhas, que aos poucos vão assumindo um papel relevante no seu novo quotidiano.
"No Mundo das Mulheres" (In the Land of Women) é uma comédia dramática que marca a estreia na realização de Jon Kasdan, filho do cineasta Lawrence Kasdan ("Os Amigos de Alex", "O Turista Acidental"). Este pequeno filme é protagonizado por Adam Brody (mais conhecido como Seth da série "The O.C."), Meg Ryan e Kristen Stewart (a filha de Jodie Foster em "Sala de Pânico") e tem ar de curiosa proposta indie que se arrisca a passar ao lado. A confirmar.

Outras estreias:

"Belle Toujours", de Manoel de Oliveira
"É Coisa de Rapaz ou Rapariga?", de Nick Hurran
"Taxidermia", de György Pálfi
"Transformers", de Michael Bay


Trailer de "No Mundo das Mulheres"

terça-feira, julho 03, 2007

20 DE 2007

Percorridos os primeiros seis meses do ano, chega o momento de fazer o balanço dos filmes e discos que mais impressionaram por estes lados. Sem grandes surpresas a assinalar, sempre há motivos suficientes para encontrar dez títulos - tanto do cinema como da música - que merecem especial destaque. Espero que lá para finais de Dezembro as listas estejam bem diferentes.

10 FILMES:

1 - "Pecados Íntimos", Todd Field
2 - "Half Nelson — Encurralados", Ryan Fleck
3 - "As Vidas dos Outros", Florian Henckel von Donnersmarck
4 - "Homem-Aranha 3", Sam Raimi
5 - "The Fountain — O Último Capítulo", Darren Aronofsky
6 - "Shortbus", John Cameron Mitchell
7 - "A Rapariga Morta", Karen Moncrieff
8 - "Geração Fast Food", Richard Linklater
9 - "Zodiac", David Fincher
10 - "Assalto e Intromissão", Antony Minghella

10 DISCOS:

1 - "We Are the Night", The Chemical Brothers
2 - "Fantastic Playroom", New Young Pony Club
3 - "Au Revoir Simone", Au Revoir Simone
4 - "Chromophobia", Gui Boratto
5 - "The Magic Position", Patrick Wolf
6 - "A Weekend in the City", Bloc Party
7 - "23", Blonde Redhead
8 - "Lucky Boy", DJ Mehdi
9 - "Grow Up and Blow Away", Metric
10 - "The Reminder", Feist

segunda-feira, julho 02, 2007

TRÊS É DEMAIS (?)

No advento da animação digital que tem marcado o cinema deste género nos últimos anos, a saga de Shrek teve um papel decisivo, erguendo-se como uma referência capaz de agradar a um público vasto através de personagens bem delineadas, um humor perspicaz e por vezes com vários níveis de leitura, argumentos capazes de homenagear e satirizar o universo dos contos de fadas e, claro, técnicas imaginativas e mesmo pioneiras.

A combinação de todos estes elementos tornou os dois primeiros filmes do carismático ogre verde em entretenimento familiar acima da média, mas como tem sido hábito nas terceiras partes de outros blockbusters "Shrek o Terceiro" (Shrek the Third) coloca em causa o equilíbrio que estas aventuras continham. A mudança de realizador talvez ajude a explicar essa relativa perda de vitalidade, já que Chris Miller aposta numa narrativa mais previsível do que Andrew Adamson, apoiando-se também em gags algo óbvios, e ainda que se registem suficientes momentos divertidos raramente são hilariantes e falham quase tanto como acertam.

O filme segue, por um lado, a vingança de Príncipe Encantado, que se une a uma série de vilões clássicos de inúmeras fábulas para reclamarem o lugar de respeito a que defendem ter direito após recorrentes derrotas e exclusões, o que os leva a invadir o castelo de Far Far Away. Para além deste problema, Shrek enfrenta um momento de crise ao saber que Fiona está grávida, e de imediato começam a surgir os primeiros fantasmas da paternidade (ou, mais especificamente, incontáveis ogres bebés que atormentam o sono do protagonista).

Apesar de uma premissa que até parece acrescentar algo de novo à saga, "Shrek o Terceiro" desenvolve-se de forma bastante linear, sem a considerável frescura que caracterizou os antecessores. Falta aqui risco e ousadia, e o resultado é um Shrek em versão clean e politicamente correcta, com medo de ofender.

Essa falta de arrojo reflecte-se nas personagens - tanto nas novas, nos desengraçados Artur e Merlin; como nas habituais, pelo gritante desaproveitamento do Burro e do Gato das Botas, que trocam de corpo não se sabe muito bem com que finalidade (uma vez que o efeito cómico que daí resulta é nulo). As excepções ficam por conta da equipa de princesas destemidas - Branca de Neve, Cinderela, Bela Adormecida e Rapunzel - lideradas por Fiona, que geram os momentos mais divertidos, e das (infelizmente) diminutas participações de outros aliados como Pinóquio ou os Três Porquinhos.

Em tempo de vacas magras, "Shrek o Terceiro" nem é das piores propostas em cartaz, conseguindo ser um divertimento ligeirinho e competente, e a hora e meia de duração até joga a seu favor, pois se o filme se prolongasse provavelmente cairia na monotonia (que, de qualquer forma, se evidencia a espaços). Assim é uma película longe de imperdível mas que ainda funciona e inspira alguma simpatia, embora seja desejável que haja um maior sopro criativo caso a saga se arraste para um quarto episódio.


E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL

domingo, julho 01, 2007

DURO DE MATAR

Num Verão especialmente recheado de estreias de segundos e terceiros episódios de várias sagas, a maioria aquém das expectativas, "Die Hard 4.0 - Viver ou Morrer" (Live Free or Die Hard) até era um dos que se incluiria, à partida, nos menos promissores, já que o cargo de realizador de serviço para esta quarta aventura foi entregue a Len Wiseman, cujos créditos incluem o pouco auspicioso "Underworld - Submundo" e a sua sequela.
Contudo, apesar dessa suposição dominada por alguma relutância, o regresso de John McClane merece ser saudado, pois este é um blockbuster que, não trazendo nada de novo, cumpre exemplarmente a sua tarefa de proporcionar um aceleradíssimo e bem oleado entretenimento, condimentado por doses muito generosas de acção e humor.

Sim, o filme investe em território pisado e repisado inúmeras vezes, dentro e fora da saga, e quem não aderiu aos episódios anteriores não terá aqui atractivos que façam mudar de ideias. Mas o que interessa é saber se "Die Hard 4.0 - Viver ou Morrer" respira e está à altura do espírito das aventuras do carismático anti-herói encarnado por Bruce Willis, e nesse departamento sai-se surpreendentemente bem, o que não seria fácil tendo em conta que dois dos títulos anteriores foram assinados por John McTiernan e o primeiro é uma referência dentro do género.

Len Wiseman não demonstra aqui grandes ideias que o levem a ser considerado um realizador particularmente digno de nota, ainda que seja um tarefeiro empenhado em nunca deixar o filme cair no marasmo. Arranca, pelo menos, um assinalável equilíbrio entre sequências de acção musculada e gags certeiros, ocasionalmente irónicos e auto-conscientes e nunca metidos a martelo, que vivem muito da atitude única de um protagonista que só poderia ser assegurado por Willis. O actor não se leva demasiado a sério e adere, como nos episódios antecessores, a 100% ao desbragamento trepidante de sucessivas cenas de perseguição e tiroteio, revelando-se incansável e numa forma física susceptível de causar inveja a muitos jovens (aspirantes a) estrelas.

O argumento, no fundo uma desculpa para um concentrado de momentos que testam continuamente a verosimilhança, até tem alguma ressonância dos tempos actuais, já que os vilões são ciberterroristas cuja sabotagem aos serviços dos EUA que recorrem a tecnologias inviabiliza ou descoordena muitas das estruturas de transportes, energia ou comunicação.
No entanto, o melhor que daí resulta é ver a forma como John McClane reage e é encarado num mundo tecnologicamente mais avançado, onde o seu papel de agente da velha guarda é subestimado por muitos, tanto aliados como inimigos, o que desencadeia algumas das melhores piadas do filme.
Os antagonistas não são figuras muitos convincentes, pois Maggie Q limita-se à função de agente robótica e sensual e Timothy Olyphant é caracterizado apenas pela obstinação, e ainda que as suas motivações sejam explanadas ao longo do filme não vai muito além da caricatura. Mais conseguido é o sidekick de McClane, um jovem hacker interpretado pelo relativamente desconhecido Justin Long que gera empatia e tem boa química com Willis. Ainda acerca de geeks, o realizador Kevin Smith tem aqui uma participação especial também como hacker, que proporciona alguns momentos de humor inspirado e oportuno.

Filme de acção back-to-basics, sem a overdose de CGI que contamina muita da concorrência actual, "Die Hard 4.0 - Viver ou Morrer" é uma maratona desconcertante onde, tal como McClane, também o espectador se arrisca a perder o fôlego no meio de carros que atingem helicópetros em pleno vôo, de outros que circulam em sentido contrário num túnel sem iluminação ou, porque não, de uma luta corpo-a-corpo num automóvel preso num elevador (!).
Já que é para servir cargas massivas de energia cinética, Len Wiseman não faz a coisa por menos e, ainda que formulaico, este é um blockbuster vitaminado que funciona e impressiona. Efémero? Claro que sim. Descartável? Também, mas nem por isso despiciendo desde que não se peça mais do que duas horas de escapismo em estado bruto.


E O VEREDICTO É:
3/5 - BOM